Artigo de Marcelo Augusto Paiva Pereira – paiva-pereira@bol.com.br: MEGACIDADES: DESAFIO PARA O FUTURO
As grandes cidades que vem surgindo ao redor do mundo tem sido objeto de incertezas e
preocupações pelos administradores públicos, habitantes e por vários profissionais, dos quais
estão os arquitetos e urbanistas. As aludidas tem atingido a grandeza de megacidades, com
urbanização prolixa e de difícil solução abrangente. O presente texto fará o exame, ainda que
de prelibação, da caótica situação urbana que enfrentamos.
Uma das megacidades existentes é São Paulo, capital do Estado de São Paulo, com seus onze
milhões de habitantes e crescendo a cada ano, mesmo em ritmo menor do que em anos
anteriores. A redução do crescimento da capital paulista não a exime das atuais dificuldades
existentes nem das futuras, visto que o tecido urbano em que se encontra vem sendo
deformado desde a comemoração do terceiro centenário (1854).
Enquanto os precários meios de transporte existentes na segunda metade do século XIX
supriram as necessidades de deslocamento dos habitantes da cidade de São Paulo, a
instalação das linhas de bondes elétricos (a partir de 1900) deu início ao caótico trânsito e às
pioras sucessivas ao longo dos anos, na mobilidade paulistana, acompanhada da especulação
imobiliária e da criação de bairros planejados (Jardim América, pela Companhia City em 1915,
e outros).
Se, por um lado, as linhas de bondes elétricos melhoraram a mobilidade dos habitantes da
capital, por outro lado limitaram-se a operar em regiões mais favorecidas economicamente,
em prejuízo de regiões sem o mesmo padrão econômico ou mais distantes. Nesse período
era a Light a empresa (de origem canadense) que administrava essas linhas.
Em 1947 foi extinta a Light e criada a Companhia Metropolitana de Transporte Coletivo
(CMTC), sociedade de economia mista que assumiu o monopólio, acervo e passivo daquela
empresa canadense, operando no município a partir de 1949 com os primeiros trólebus e
ônibus a diesel. Apesar de ter obtido algum sucesso na prestação de serviços de transporte
público, a CMTC mostrou-se insuficiente, fazendo surgir, ao fim da década de 50 do século
XX, empresas privadas de transporte público. Mas, o sistema de transportes estava
caminhando para o amálgama existente até os dias atuais.
Ao lado do sistema de transporte público, o Plano de Avenidas (1930), de Francisco Prestes
Maia (enquanto secretário de obras e viação da Prefeitura Municipal de São Paulo), também
colaborou para agravar a mobilidade urbana, na razão do acolhimento do veículo de passeio
(veículo de uso familiar) como o modelo de mobilidade que vinha alimentando os sonhos de
consumo das classes populares, média e alta ao redor do mundo. O automóvel seduziu a
humanidade desde os primórdios (1884), ensejando diversos projetos urbanos tendo nesse
modelo de transporte a “solução ideal” para o transporte urbano.
A característica do seu plano viário era remodelar o sistema viário da capital paulista de modo
a compor um sistema radial acompanhado de um perimetral. Este seria um anel viário em
torno do centro para descongestiona-lo, fazendo uso de um sistema de avenidas e viadutos.
Ele também pretendia por um sistema de vias desenhadas a partir do perímetro de irradiação
para todos os quadrantes da cidade, fazendo ligações com as vias perimetrais.
A execução das obras viárias alterou a estrutura urbana da capital paulista e consolidou o
modelo periférico de expansão urbana, apoiado no tripé loteamentos irregulares,
autoconstrução e transporte público.
A instalação da indústria nacional de veículos – em 1959 – veio ao encontro desses projetos
urbanos, nos quais o automóvel era o meio de transporte para as grandes cidades,
constituídas de milhares de ruas e avenidas. Era o ideal meio de transporte das classes média
e alta, mas não para as classes populares, desprovidas de condição econômica para adquiri-los.
A elas cabia apenas o transporte público, destinado a atender somente a quem não podia
ter a própria condução.
Esse gradiente entre as classes mais e as menos favorecidas permanece até os dias atuais,
agravada pelo descompasso da urbanização, surgida em cada período de expansão urbana e
sob a assistência do poder econômico.
Os planos integrados de trânsito das décadas de 60 e 70 do século XX trataram da mobilidade
urbana, com preocupações voltadas para o transporte de massa. Foram apresentados:
a) Grupo Executivo do Metrô (GEM), em agosto de 1966;
b) Plano Urbanístico Básico de São Paulo (PUB), em 1969;
c) Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado (PMDI), em 1971;
d) Programa de Ação Imediata de Transporte e Tráfego (PAITT), em 1971.
Referidos planos integrados de trânsito surgiram antes da criação da Região Metropolitana de
São Paulo (RMSP), pela lei complementar federal nº 14, de 8 de junho de 1973 e
regulamentada pela lei complementar estadual nº 94, de 24 de maio de 1974.
O Grupo Executivo do Metrô elaborou, em 1967, a primeira pesquisa Origem/Destino, com
vistas a atender às carências de transporte. Serviu de base para o surgimento do metrô,
inaugurado somente em 1974, com duas linhas: Norte-Sul (atual linha azul) e Leste-Oeste
(atual linha vermelha).
Do Plano Urbanístico Básico de São Paulo (PUB) os demais planos também propuseram – em
comum – a prioridade para o transporte coletivo como solução aos gravames da mobilidade,
enfrentados pela capital paulista. Esses planos sustentavam uma extensa rede metroferroviária,
acrescida de linhas de metrô e da recuperação das linhas do trem metropolitano.
Os ônibus atuariam nos trechos em que as linhas férreas fossem ausentes, fazendo a conexão
entre um e outro modelo de transporte.
Os planos de mobilidade urbana que foram concebidos priorizaram as espécies de transporte
– coletivo e particular – em detrimento dos projetos urbanos. Estes sempre foram
fundamentais para a mobilidade urbana, porque o traçado desenhado define as rotas para a
realização urbana da mobilidade.
Há uma relação intrínseca entre transporte e uso do solo. Se, por um lado, o transporte atua
como causa do uso do solo, levando a urbanização onde antes não havia, por outro lado o
transporte responde como consequência do uso do solo, sendo introduzido nas regiões
urbanas que os reclame.
Os projetos urbanos, porém, não atuam sozinhos. Eles são submetidos ao exame da
administração pública, no sentido de serem aprovados para que possam urbanizar sob a tutela
da lei os espaços do município carentes da atuação da municipalidade. O município,
entretanto, deve realizar o planejamento urbano, elaborando o plano diretor estratégico e a lei
de zoneamento para organizar a distribuição do uso do solo urbano.
O plano diretor estratégico tem o escopo de estabelecer a política de desenvolvimento urbano
e distribuir a região metropolitana nas zonas e áreas urbanas, distinguindo uma da outra em
razão das espécies – ou tipos – de ambientes urbanos pretendidos.
A lei de zoneamento do município tem a finalidade de regulamentar a urbanização do
município, estabelecendo os critérios legais para as espécies de edificações, em obediência
ao disposto no plano diretor estratégico.
Paralelamente, outras legislações – municipais, estaduais e federais – também tem o escopo
de regulamentar o crescimento urbano, fixando outras regras e outras exceções para dar
cumprimento aos anseios da sociedade, desejosa por um ambiente urbano que dê melhores
condições de vida, em alusão ao art. 6º, da Constituição Federal (conceito de cidade justa).
Ao lado de toda essa dinâmica legislativa, com vistas a assegurar à sociedade o ambiente
urbano almejado, também caminha o interesse econômico, assistido pela especulação
imobiliária.
A especulação imobiliária é fator indissociável do crescimento urbano, seja ou não amparado
por um projeto ou planejamento urbano. A referida surge na medida do interesse particular,
que anseia por um lugar ou por um melhor lugar na urbe, com vistas a melhorar a qualidade
da própria vida ou dos familiares. Há, também, o interesse pessoal por status (capricho
pessoal movido pela vaidade) e muitas outras variáveis (necessidade, por exemplo), que
estimulam a especulação imobiliária.
O resultado desse amálgama de interesses – público e particular – cria diferenças no
permanente crescimento urbano, por vezes alterando planos diretores, modificando acidentes
geográficos e avançando em áreas impróprias para a edificação de habitações, comércio e
indústria.
O controle do crescimento urbano torna-se insuficiente para assegurar a correta obediência
às regras legislativas fixadas, abrindo brechas na operacionalidade do planejamento da urbe,
podendo obstar a atividade administrativa e fazer a sociedade crer que está ao desamparo,
porque o crescimento urbano encontra-se sem a adequada ordenação.
Esse é o espectro atual da megacidade de São Paulo. A nossa capital paulista enfrenta os mais
diversos gravames urbanos, por vezes sem solução apropriada para a finalidade a que se
pretende, movendo os mais diversos profissionais a desenhar e propor muitos projetos, alguns
infrutíferos, outros adequados à intervenção urbana e outros de orçamentos públicos inviáveis
ao município.
Muitas das soluções encontradas são pontuais, reportam-se a um recorte urbano, limitando-se
a trechos da cidade onde se pretende dar nova leitura e melhorar as condições de vida e
de mobilidade às pessoas desse local e que por ele transitem. Se, porém, esses projetos
pontuais solucionam os gravames locais, removendo óbices preexistentes, tais projetos não
se estendem para toda a urbe nem seus efeitos conseguem atingi-la na totalidade; somente
atingem o entorno da região redesenhada.
Soluções pontuais são bem vindas na medida da força de influência do projeto que se preparou
para a intervenção no recorte urbano para o qual foi destinado. Muitos projetos de intervenção
urbana apresentam ótimas soluções, que servem de modelo para outros projetos em regiões
da capital paulista que apresentem gravames ou características urbanas semelhantes.
Entre muitas propostas há uma mais abrangente, que pretende dar autonomia às regiões
periféricas da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), unindo-as por vias públicas
perimetrais, acrescidas de transporte público adequado à demanda de passagens e a elas
conferindo mobilidade própria, sem necessitar de ir ao centro de São Paulo, criando bolsões
de habitações, comércio e atividades de lazer nessas regiões periféricas, assemelhando-se ao
modelo adotado para a cidade de Madri, na Espanha. Essa proposta tem o escopo de melhorar
a mobilidade na Região Metropolitana de São Paulo e não apenas em São Paulo.
Providências administrativas como a publicação de decretos de desapropriação de imóveis
são medidas salutares, convenientes e oportunas para determinado recorte urbano, trecho a
que se pretende dar outra configuração espacial para melhor aproveitamento desse espaço no
tecido urbano. Mas, assim como outras propostas de recuperação urbana, é medida limitada
ao recorte contido na imensa malha urbana de São Paulo.
As reclamações da sociedade, na obtenção de melhor qualidade de vida, visam à infraestrutura
urbana, sendo esta um complexo sistema de equipamentos, serviços públicos e gestão
administrativa. A infraestrutura urbana se constitui de postos de saúde, postos policiais,
delegacias de polícia, escolas, creches, habitações populares, serviço de coleta de lixo,
transporte público, além das redes de água, luz, gás, esgoto, galerias de águas pluviais,
calçamento das vias públicas e outros serviços e equipamentos públicos. A infraestrutura
urbana tem o escopo de dar suporte à vida diária dos habitantes, devendo para isso ter, o
poder público, equipamentos, suportes físicos, prestação de serviços e a administração deles.
A execução da infraestrutura urbana pelos poderes públicos requer volumosas verbas
públicas, que precisam ser aprovadas pelo poder legislativo de cada pessoa política e
administrativa. Nem sempre são aprovadas e, mesmo quando são, por vezes se tornam
insuficientes para bancar a infraestrutura almejada (ensejando a coparticipação da iniciativa
privada na execução dos serviços públicos de infraestrutura urbana).
As carências urbanas são em muitas e, devido às dimensões da urbe paulistana, as soluções
apresentadas – também pelos arquitetos e urbanistas – parecem resultar em menos do que o
proposto. A megacidade de São Paulo é tão grande, inclusive em seus gravames, que parece
engolir os projetos de intervenção urbana apresentados e nela executados.
São em muitos os desafios apresentados pela megacidade de São Paulo, ensejando muitos
estudos técnicos, tanto pelos órgãos públicos quanto pelas universidades, públicas e privadas,
engenheiros, arquitetos e urbanistas e outros profissionais. Em concurso de vontades deverão
ter a incumbência de apresentar soluções que eliminem todos os gravames urbanos
existentes. Mas, a questão a ser respondida é quando essas soluções virão ao nosso encontro.
A resposta será dada pelo tempo, almejando-se pelo menor deles, num futuro próximo da
realidade e do momento que enfrentamos. Nada a mais.
Marcelo Augusto Paiva Pereira
(o autor é aluno de graduação da FAUUSP)
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OUTRAS REFERÊNCIAS
NOBRE, Eduardo et al. Desenho Urbano e Projeto dos Espaços da Cidade. FAUUSP. De. 07.03
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NIGRIELLO, Andreína et al. Organização Urbana e Planejamento. FAUUSP. De 18.09 a
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SILVA, Ricardo Toledo, MEYER, João F. Pires, BORELLI, José. Infraestrutura Urbana e Meio
Ambiente. FAUUSP. De 18.09 A 18.12.2014. Anotações de aulas. Não publicadas.
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É fundador e um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Internet Jornal. Foi presidente do IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga por três anos. fundou o MIS – Museu da Imagem e do Som de Itapetininga, do qual é seu secretário até hoje, do INICS – Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e do Instituto Julio Prestes. Atualmente é conselheiro da AIL – Academia Itapetiningana de Letras.