Pedro Israel Novaes de Almeida – TEMPO BOM
Os que já ultrapassamos o marco dos sessenta anos temos mais passado que futuro, e é normal que sejamos saudosistas.
Não temos saudades da falta de saneamento básico, nem da dificuldade em alçar qualquer degrau na escala social. Era deprimente ver pessoas morrendo, naturalmente, aos 65 anos, e sequer imaginávamos o risco de comprar e ingerir alimentos sem data de validade.
A saudade não diz respeito às latas que continham o lixo doméstico, e eram vertidas nas carrocerias do caminhão, pelos lixeiros, e devolvidas aos proprietários, para lavagem. Os caminhões eram acompanhados por uma multidão de mosquitos, e irradiavam cheiro que percorria toda a cidade.
As cidades eram pequenas, e a proximidade dos matos inibia a construção de motéis, só insubstituíveis na contenção dos terríveis pernilongos. Sem os testes de DNA, a paternidade era sempre suspeita e pouco provada.
Percorríamos a cidade sem temer assaltos, e a preocupação era não encontrar a turma do bairro adversário ou algum cachorro louco. Todos tínhamos uma história de janeladas na testa, pois era comum os quartos darem para a calçada.
A saudade vem, doída, das brincadeiras nas ruas do bairro, das fofocas da vizinhança e da mágica convivência, sem distinção de cor ou status social. O pronto-socorro era a farmácia da esquina, com direito a diagnóstico e medicação, pelo proprietário.
Os médicos da época eram mágicos, e não contavam com os sofisticados exames de hoje. Não havia o SAMU, e as ambulâncias acabavam empurradas pelos pacientes.
As praças eram frequentadas, e não raro uma banda ornamentava o coreto, alegrando a ambiente. Pipoqueiros, vendedores de quebra-queixo e amendoim atraiam multidões.
Os namoros, quando observados, eram recatados, e um simples pegar na mão demorava semanas. As despedidas eram feitas no portão, sob o olhar atento e invisível dos pais e vizinhos.
As viagens à capital eram uma aventura, com direito a enjoos e horas para ultrapassar os fenemês da época. De trem, as viagens eram divertidas, com direito a esticar as pernas, adquirir revistas e saborear lanches.
Os corruptos eram mais modestos, e as eleições puro regabofe. O respeito pessoal era maior.
Na escola, algumas reguadas e beliscões rendiam mais educação que processos, e não tínhamos internet, calculadora ou xerox. Na biblioteca, copiávamos os livros, e líamos os trabalhos que entregávamos.
Engraxávamos os sapatos e botinas com sebo, e os tênis não tinham amortecedores. Não éramos fartos, mas felizes.
O autor é engenheiro agrônomo e advogado, aposentado.
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É fundador e um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Internet Jornal. Foi presidente do IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga por três anos. fundou o MIS – Museu da Imagem e do Som de Itapetininga, do qual é seu secretário até hoje, do INICS – Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e do Instituto Julio Prestes. Atualmente é conselheiro da AIL – Academia Itapetiningana de Letras.