‘O VENTO DOS PAPAGAIOS’*
Uma tarde de julho. Ventania. Crianças. Um campinho das peladas. Em vez de correria atrás de uma bola, porém, carretilhas numa mão e, na outra, um papagaio!
Com as férias do meio do ano e os ventos ficando mais constantes e intensos, as brincadeiras da terra cedem a vez para os olhares ao céu.
Papagaios de vários tamanhos, cores e desenhos começam a alçar altura e a bailar, ao sabor do vento.
Vejo esses meninos, correndo e empinando seus papagaios e, diante de tanta alegria, me percebo divagando… mergulhando nas Águas do Passado.
Manhã ventosa de uma sexta-feira de agosto. A agitação, o burburinho da sala de aula termina com a entrada de dona Terezinha, a professora de Geografia.
É uma entrada solene da professora que nos chama a todos de ‘filhinho’. E sua simples presença nos infunde um misto de aquietamento e expectativa.
Quase às vésperas da aposentadoria, ‘Tia’ Terezinha é uma das docentes mais antigas da escola. E, também, a mais idosa. Cabelos curtos e alvacentos. Rosto sulcado por rugas. Pequena estatura física e corpo ‘arredondado’.
O tempo, no entanto, parece ter passado ao largo em relação a ela. O que a genética não lhe aquinhoou no corpo físico, uma Força Maior compensou-lhe no espírito. Quando inicia a aula, a voz ribomboa, os olhos fulgem, as palavras, descrições, conceitos fluem caudalosamente.
Com ela, em seu Tapete Mágico imaginário, conhecemos as regiões brasileiras, com seu clima, sua fauna, flora, rios, montanhas… E, numa visão multidisciplinar, infunde-nos o sentimento de respeito ao meio ambiente, de amor à natureza, de cuidado em relação à Mãe Terra.
E, nesta manhã de sexta-feira de agosto, de um tempo pueril, tia Terezinha, inspirada pelo clima, vai nos falar sobre os ventos. E ela, toda ela se transforma num Atlas, num compêndio de Geografia.
Como uma sereia que, com seu canto nos atrai, inicia a aula, ensinando que os ventos são o ar em movimento e que desempenham um papel muito importante na vida dos seres vivos, pois são eles que levam para longe o ar viciado que nós respiramos e trazem até nós o ar puro, com bastante oxigênio, tão importante para o nosso organismo.
Discorre sobre os vários tipos de ventos, que alteram-se conforme a sua durabilidade. E, à nossa frente, por meio de gráficos, desfilam os ventos alísios e contra-alísios.
Depois deles, vêm as monções e as brisas. No entanto, chama-nos a atenção para aqueles que são muito perigosos. E, feito o ‘malfeitor da natureza’, vem o vilão-mor: o ciclone, nome genérico para os terríveis ventos circulares, como o tufão, o furacão, o tornado, o vendaval e um sobre o qual nunca ouvira falar: o willy-willy, nome que os ciclones recebem na Austrália e demais países do sul da Oceania.
Tia Terezinha, ardendo de entusiasmo, dá uma pausa, porém, pra respirar. Nesse momento, não contendo minha curiosidade, pergunto:
─ Tia, e qual é o vento dos papagaios?
Uma tarde de julho. Ventania. Crianças. Um campinho das peladas.
Uma lufada mais fria do vento me tira daquele transe.
O vento mais intenso e a gritaria dos meninos me fazem olhar para o céu, agora totalmente tomado pelos papagaios. E caio em mim ao perceber que, na volta à sala de aula, não me lembro de qual foi a resposta de Tia Terezinha…
Qual é, afinal, o vento dos papagaios?
O céu é um mar de varetas de madeira e papel, num bailado multicolorido. E, de repente, um papagaio se sobressai. Apesar da distância, tenho a impressão de que ele tem o formato de um rosto. Um rosto que me dirige um olhar e, com ele, uma voz sussurra:
─ O vento dos papagaios, filhinho, é o vento da imaginação!
* Na minha infância, nós denominávamos esse brinquedo como ‘papagaio’. Todavia, trata-se de um brinquedo com vários nomes, dependendo da região brasileira e até mesmo de outros países. Temos, assim: pipa, arraia ou pepeta, cafifa, quadrado, piposa, pandorga.
Sergio Diniz da Costa
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É fundador e um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Internet Jornal. Foi presidente do IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga por três anos. fundou o MIS – Museu da Imagem e do Som de Itapetininga, do qual é seu secretário até hoje, do INICS – Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e do Instituto Julio Prestes. Atualmente é conselheiro da AIL – Academia Itapetiningana de Letras.