Carlos Carvalho Cavalheiro – Centenário do Samba? Ah, sei…
O samba ainda continua sendo um ritmo que identifica a cultura brasileira. O samba tem o potencial de se reinventar, de se amalgamar a outros ritmos e sobreviver a avalanchas de perseguições e de percalços. Perseguido como cultura marginal no século XIX, transformou-se depois em elemento de referência cultural quando a ditadura do Estado Novo de Vargas necessitava da criação de uma “identidade nacional” mestiça, gestada não convívio harmônico e cordial entre as “raças”, o que nunca foi verdade.
Este ano, os meios de comunicação fizeram um estardalhaço com o suposto “Centenário do Samba”, tendo em vista que em 1916 teria sido registrado o primeiro samba, intitulado “Pelo Telefone”, de autoria de Donga (Ernesto dos Santos), e do jornalista Mauro de Almeida. A canção teria sido lançada pela Casa Edison, produtora de discos da época, em 1917 e tornou-se um sucesso naquele carnaval. Os famosos versos originais da música são repetidos nos meios de comunicação: “O chefe da folia/ Pelo telefone / Mandou me avisar / Que com alegria / Não se questione / Para se brincar”.
Hoje ainda se discute se aquela teria sido a primeira gravação de um samba. Outros pesquisadores preferem discutir que aquele ritmo é um “maxixe” e não propriamente um “samba”. E dessas discussões surgem outras: de onde se originou o samba? “Pelo Telefone” teria sido produzida numa roda de samba e posteriormente registrada apenas por Donga?
O fato é que o samba é muito mais antigo do que essa gravação. Só a título de curiosidade, o jornal “Diário do Rio de Janeiro”, edição de 19 de abril de 1839, traz numa publicação de primeira página, traz um texto com o título “Pernambuco”, o qual em certa parte diz: “… e com uma viola nas unhas, zangarrêa o samba por uma noite inteira”.
A publicação em questão não somente evidencia a existência do samba nas primeiras décadas do século XIX, como ainda traz referência a esse ritmo já influenciado e amalgamado por outras culturas, como a utilização da viola, instrumento de origem árabe e disseminado pelos ibéricos, no nosso caso, os portugueses.
Por outro lado, o registro das rodas de samba entre os negros, com o uso quase que exclusivo da percussão, também aparece nos jornais e nas crônicas antes de 1916. Em Sorocaba, por exemplo, o Diário de Sorocaba de 26 de junho de 1914, traz uma crônica intitulada “Samba”, na qual descreve que “ao som ensurdecedor do batuque e de um pandeiro rouquenho, dansavam, á rua, rapagões e raparigas do nosso meio alegre”. Antes, o articulista havia dito: “Procedente de eras remotas, é hoje, o samba, um vulgar divertimento especial dos homens de cor, que aproveitam das datas mais ou menos históricas, nacionais, políticas ou religiosas, para pôl-o em scena”.
O samba espalhou-se pelo Brasil e onde existiram negros bantos, existiu samba. Eis a verdade. O resto é discussão bairrista: o samba é carioca, o samba é baiano, São Paulo é túmulo do samba…
O samba também, em tempos idos, era uma música que se vinculava às práticas religiosas afro-brasileiras. Dizem que Tia Ciata, uma baiana que residiu no Rio de Janeiro na passagem do século XIX para o XX, reunia em sua casa uma multidão de pessoas que participavam de cultos religiosos e depois do samba.
O jornal Correio Braziliense, em sua edição de 4 de dezembro de 2016 (on line), informou que “Das reuniões organizadas por Tia Ciata (no mesmo local onde ocorriam cultos afrobrasileiros), com a participação de futuros bambas como Donga, João da Baiana, Sinhô, Pixinguinha e Heitor dos Prazeres surgiria, em novembro de 1916, um novo ritmo, representado por Pelo telefone, de Donga — historicamente o primeiro samba gravado” (http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2016/12/04/interna_diversao_arte,559808/brasilia-celebra-o-centenario-do-samba.shtml).
Não à toa, Pixinguinha compôs “Samba de Nêgo”, cuja letra diz: “No fim do samba / Minha caboca chegou / Virei os óio / E meu santo me pegou”
O samba é muito mais antigo do que a data de 1916. No entanto, se isso serve para que possamos reverenciá-lo uma vez mais, tudo bem. Que viva o samba!
Carlos Carvalho Cavalheiro
05.12.2016
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É fundador e um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Internet Jornal. Foi presidente do IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga por três anos. fundou o MIS – Museu da Imagem e do Som de Itapetininga, do qual é seu secretário até hoje, do INICS – Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e do Instituto Julio Prestes. Atualmente é conselheiro da AIL – Academia Itapetiningana de Letras.