Fidel Fernando
‘A instabilidade do pronome você e ele na concordância verbal em Angola’


às 11:34 AM
A concordância é um dos pilares essenciais da gramática, pois assegura a harmonia e a clareza nas orações. Como afirmam Góis (1955) e Bechara (2003), ela estabelece uma identidade entre os elementos da oração, sendo fundamental para a construção de frases coerentes. No contexto formal, académico ou profissional, o respeito à norma-padrão torna-se imprescindível.
Segundo Cunha e Cintra (1985), a concordância exige que o verbo se ajuste ao número e à pessoa do sujeito, como no exemplo: “Os alunos estudam para a prova”. Essa adequação evita ambiguidades e promove a coesão textual. Grisolia e Sborgia (2004) reforçam que essa regra deve ser seguida, inclusive considerando a posição do sujeito na oração.
Entretanto, no uso real da língua em Angola, é frequente a oscilação na concordância com os pronomes ʻvocêʼ e ʻeleʼ. O pronome ʻvocêʼ costuma ser usado com verbos na segunda pessoa, contrariando a norma, como em: “Você observa… mas não dizes nada” ou “você precisavas sair do autocarro”. Miguel (2007) recorda que ʻvocêʼ pertence à terceira pessoa e, portanto, exige verbos nessa pessoa. Já Carreira (2007) aponta que essa instabilidade é reflexo das variações diatópicas e diastráticas do português.
Outro fenómeno recorrente é o uso do pronome ʻeleʼ associado à forma verbal da primeira pessoa, como em: “Ele quero observar as miúdas” ou, ainda, nos versos musicais: “Ela tá pedi/ ela quero” (Seven Tropa); “Ela quero/ essa carne passa no tempero” (Lucas Massur); “Bela, não toca aqui/ela quero…” (Quarteto Alpha); “Ela quero” (Dj Nelson Jokey). Embora, nas músicas, essas construções sejam aceitáveis por razões estéticas ou expressivas, podem induzir ao erro quem não distingue o uso informal do uso normativo.
Esses desvios comprometem a clareza da comunicação. A norma-padrão recomenda construções como: “Você observa… mas não diz nada” ou “Você precisava de sair do autocarro”; “Ele quer observar as miúdas”. A correcção gramatical não é mero preciosismo: garante uma comunicação eficaz.
Nesse sentido, a escola pode adoptar estratégias para trabalhar essa distinção. Uma delas é a oficina de reescrita, em que os alunos ajustam excertos reais à norma-padrão e discutem os motivos dessas alterações. Outra é a dinâmica do tradutor, dividindo a turma em grupos para converter frases do uso real ao padrão. Além disso, pode-se criar um glossário de expressões reais, colectadas de músicas, anúncios ou do quotidiano, relacionando-as à forma normativa. Essas práticas valorizam a língua do aluno e demonstram que a norma-padrão responde a exigências sociais específicas.
Em suma, como lembra Ernani Terra, conhecer uma língua não é apenas dominar vocabulário, mas também respeitar suas regras, como a concordância verbal. Promover a consciência gramatical é essencial para garantir que a comunicação ocorra de forma clara, precisa e adequada aos diferentes contextos.
Fidel Fernando
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Fidel Fernando reside em Luanda (Angola).
Academicamente, é licenciado em Ciências da Educação, no curso de Ensino da Língua Portuguesa, pelo Instituto Superior de Ciências de Educação (ISCED/Luanda), onde concluiu sua formação em 2018. Antes disso, obteve o título de técnico médio em educação, na especialidade de Língua Portuguesa, pelo Instituto Médio Normal de Educação Marista (IMNE-Marista/Luanda), em 2013. Profissionalmente, atua como professor de Língua Portuguesa, dedicando-se à formação e ao desenvolvimento de habilidades múltiplas nos seus educandos. Além das suas funções docentes, exerce a atividade de consultor linguístico e revisor de texto, contribuindo para a clareza e precisão na comunicação escrita em diversos contextos. Tornou-se colunista do Jornal Pungo a Ndongo, onde compartilha semanalmente sua visão sobre temas atuais ligados à educação e à língua.
Fidel, seus textos são importantíssimos para os leitores! E não apenas para os de Angola, mas, igualmente, os do Brasil!
Muita me alegra saber disso, prezado Sérgio!
Escrever é um verbo transitivo indirecto, conforme William da Cruz, quem escreve, escreve para alguém.
Se existir leitores, continuarei a escrever.
Um abraço!