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Último Tango em Paris

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CINEMA EM TELA

Marcus Hemerly: ‘Último Tango em Paris:
Uma jornada de escapismo’

Cinema em Tela - Último Tango em Paris: Uma jornada de escapismo
Cinema em Tela – Último Tango em Paris: Uma jornada de escapismo

Quando Marlon brando faleceu em 2004, muitos cineastas, críticos e profissionais de cinema manifestaram suas lembranças associadas à obra daquele que ainda é considerado o maior ator de todos os tempos. Filmes marcantes como ‘O pecado de todos nós’ e ‘O poderoso chefão’ foram citados, rememorando atuações icônicas e roteiros envolventes. E dentre eles, Arnaldo Jabor de maneira pertinente, lembrou-se da cena de ‘Último tango em Paris (1972), na qual o personagem de Brando traça um diálogo, em verdade, verte uma despedida catártica tom monologal com a esposa morta. A expressão aparentemente insensível, petrificada, tal como o cadáver disposto entre flores e preparado em necromaquiagem.

No entanto, as nuances emotivas pontuadas por extremos são uma sinfonia orquestrada na face de um mestre; sofrendo e odiando-a por ter fenecido. Por certo, o filme não é lembrado apenas por esta passagem, ou pelas cenas de sexo que levaram a boicotes, indiciamentos criminais e censura, ao mesmo tempo em que despontou como sucesso de público e crítica.

Na trama, em uma típica tarde nublada parisiense, os contornos gris unem os caminhos de Paul e Jeanne. Interessados em alugar um apartamento, ele; tentando fugir de sua realidade, ou, de seu despedaçar; ela, de certa forma insegura diante do seu casamento iminente, entrega-se à proposta de paul: encontrarem-se naquele apartamento, que será, a partir de então, seu mundo. Sem nomes, sem acontecimentos de fora, apenas compartilhando momentos ou um silêncio cúmplice.

Naquela cápsula de tijolos, mesmo sem trocar informações sobre o seu passado, se despem emotiva e fisicamente um ao outro. Desde incursões sexuais, até violências psíquicas e físicas, o inesperado casal agregado de forma clandestina pelo destino aos poucos embarca numa viagem sem rumo ou previsão de chegada, de mãos dadas e olhos cerrados pela nau dos insensatos (ou corajosos). 

O filme é notório por várias polêmicas, desde a maneira peculiar de filmar de Bertolucci, consagrado por títulos como ‘1900’ e ‘Cinema Paradiso’, até a famosa cena da manteiga, que por muitos anos supostamente teria sido verdadeira, na qual a personagem de Marlon Brando simula sodomia com Maria Schneider.

De fato, ainda que não tenha havido intercurso efetivo, soube-se que a cena e suas implicações não haviam sido previamente acertadas, de modo que a reação, surpresa e violação quase literal de Schneider, lamentosamente, são reais. Agressividade humana, covardia, impetuosidade e sentimentos conflitantes são explorados de modo intenso a fim de indicar o grau de egoísmo como mecanismo de defesa, normalmente quando contraposto a uma situação de trauma. 

De um lado, o viúvo rude e de sentimentos intransponíveis não entende a razão do suicídio de sua esposa, mola propulsora a seu rompante de autopunição e revolta dirigida a seu derredor, fetichizada em sua nova companhia, Jeanne. De outro giro, a jovem que tenta se agarrar a um resquício de inocência, vê na figura quase paternal, ao menos aparentemente, uma possibilidade de experimentação. Aos poucos, os jogos conscientes e inconscientes causam sentimentos de afago e sevicia quase concomitantes. 

Em 1972, data da première da produção, é possível entender o burburinho causado pelas cenas picantes entre Brando e Schneider. À época, os controversos ‘Calígula’ e ‘Império dos Sentidos’, primeiros filmes não designados ao circuito pornográfico a exibirem cenas explícitas ainda não haviam sido produzidos, e mesmo posteriormente inseridos no circuito de cinema de arte e composição de elenco consagrado, despertariam grande interesse de público.

 O mundo ainda flutuava entre o cinema exploitation de extremos gráficos pontuais e o florescer de comédias, bem como policiais com temática erótica estadunidense, a partir da relativa liberalidade da era pós Código Heys, que regulamentava o conteúdo das atrações americanas. Ainda que a sexualidade na sétima arte remonte, quase que de forma paralela à invenção do cinetoscópio, lembremos as seletas stag parties do início do século 20, a questão ainda era um tabu nos anos 70. E, quem sabe, ainda o é nos dias de hoje.

A famosa crítica de cinema novaiorquina Pauline Kael, chegou a classificar O último tango… como o mais poderoso filme erótico já feito, dentre outros encômios em sua introdução à edição comentada do roteiro, posteriormente novelizado pelo autor Robert Alley. Trata-se de um romance bem escrito e relativamente fiel ao material original, alterando apenas algumas análises quanto às motivações dos personagens e estendendo ou omitindo pequenas sequências. 

Passadas cinco décadas de sua estreia na noite de encerramento do New York Film Festival, em 14 de outubro de 1972, o filme permanece forte, ainda que não tanto pelas polêmicas, que ainda reverberam, mas pela qualidade interpretativa e coragem do roteiro assinado por Bertolucci e Franco Arcalli. Num misto de desvelar voluntário de fantasias, infligir de dor – a si, ou a outrem – como forma de escapada da realidade, as nuances psíquicas cotejam uma moldura sofistica à história. Se o poder de chocar é facilmente levado a efeito, o fascínio decorrente certamente demanda maiores atrativos, e isso é o que vemos a cada revisão da obra.


Marcus Hemerly

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