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Ranielton Dario Colle: 'Estresse pós-traumático'

Ranielton Dario Colle: ‘ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO’

27/03/2001 – 9h00

– Acorda, eu já disse! – Acorda! Eles estão vindo. Temos que sair depressa! – eu gritava para ela. Mas ela não se mexia. Depois de sacudi-la um pouco percebi que ela estava fria. Entrei em desespero. Eu nem mesmo poderia dar-lhe um enterro decente.

Havíamos sido despejados há quase dois anos. E desde alguns meses antes, quando o acidente fraturou minha coluna, eu não conseguia mais um emprego fixo. Comecei a viver de pequenos bicos, e vender balas nos sinais. Só que isso não era o suficiente para o aluguel. Então, durante algum tempo, ficamos nas ruas, ou dormindo em quartos de pensão barata, quando conseguíamos. Todavia, essa situação era insustentável, porque é muito duro dormir numa calçada abraçado a uma criança de sete anos.

Fazia quase um ano que morávamos naquela casa abandonada, mas agora teríamos que sair e procurar outro canto onde pudéssemos ficar. ‘Tivemos sorte’, eu dizia para mim mesmo, e para ela, quando pensava que ainda podíamos estar nas ruas, ou naqueles quartos de pensão.

Agora, ali, olhando para o corpo de minha filhinha, imaginando o que ela deve ter passado, lembrando da sua dor, seu medo, seu frio, eu me senti o pior pai do mundo… Liguei para a polícia anonimamente e informei o endereço da casa abandonada onde tinha um cadáver. Parti sem olhar para trás.

As lágrimas se desprendiam de meu rosto enquanto eu pensava no que tinha acontecido. Que vida eu teria doravante? Estava sozinho no mundo, sem lar, sem família, sem trabalho.

 

27/03/2001 – 11h

Reportando para a central. Alarme falso! Ao que tudo indica havia um mendigo que vive aqui, mas não está no local. Encontramos uns trapos e uma boneca de pano velha. Deve ter sido algum trote ou uma brincadeira de mau gosto.

 

03/05/2002

─ Precisamos fugir! ─ eu disse. Ela me encarou: – Mas, para onde? – Não sei, mas precisamos fugir! Eles acham que fui eu que te matei. Se me encontrarem aqui tudo está perdido. – Mas, você me matou – disse ela – Encare os fatos, papai! – Não! Eu não te matei, você sabe disso! Você estava doente… Por que você faz isso comigo? Me deixa em paz! – Mas você podia ter me levado no hospital, papai. Era só não ter batido o carro. – ela insistia. Eu enlouqueceria se continuasse aquela conversa. Então eu gritei: – Chega! E ela me deixou em paz por um tempo. Depois o silêncio fiou ensurdecedor. Implorei! Porém, ela não voltou a falar comigo. Então arrumei os poucos trapos que tinha e sai dali.

 

16/09/2012 – 19h30

– Ei, ei, senhor! – eu escutei. – Qual é o seu nome?

Eu estava tentando um lugar para dormir em um abrigo… Seria bom repousar em uma cama depois de tanto tempo. Eu sabia que não merecia após tê-la deixado morrer tão covardemente anos atrás naquela casa abandonada. Mas estava exausto e precisava de um descanso. Com minhas mãos trêmulas, peguei minha identidade… fazia tanto tempo já, talvez tivessem desistido de procurar o culpado. Afinal, minha filha era só uma sem-teto como eu. E ninguém se importa com um sem-teto… esse pensamento me deixou triste. E ela me disse: – Eu não era uma sem-teto papai. Nem o senhor.

 

16/09/2012 – 20h.

– Sim senhora, estou ligando porque vi, há uns seis meses, uma antiga lista de pessoas desaparecidas. E lá tinha alguém de mesmo nome. Não, não, a foto está diferente, mas faz mais de dez anos já, então achei que pode ser a mesma pessoa. Ele parece falar sozinho às vezes.

– Obrigada! Se for ele mesmo é meu pai. Faz mais de dez anos que ele sumiu. Muito, muito obrigada mesmo! – Mamãe, mamãe! O papai pode estar vivo!

 

Notinha no jornal:

Foi encontrado o Sr. J. C. M., que havia desaparecido há dez anos levando consigo apenas a boneca de sua filha caçula, portadora de hemofilia, que havia falecido em um acidente de carro. Diagnosticado com esquizofrenia desencadeada por estresse pós-traumático, o Sr J. C. M. é considerado inofensivo. A família celebra o reencontro.

Sergio Diniz da Costa
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