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Reflexões para um início de ano

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Elaine dos Santos: ‘Reflexões para um início do ano’

Elaine dos Santos
Elaine dos Santos
Penélope, desfazendo a mortalha que fazia para seu sogro
Gerado com IA do Bing∙ 10 de janeiro de 2025 às 10:13 AM
Penélope, desfazendo a mortalha que fazia para seu sogro
Gerado com IA do Bing∙ 10 de janeiro de 2025 às 10:13 AM

É lugar comum pensar a cultura do Ocidente a partir da Grécia Antiga e, para mim, como professora de Literatura, as duas epopeias atribuídas a Homero são o ponto de referência.

Detenho-me, porém, no retorno de Ulisses (Odisseu) para a sua casa em Ítaca, depois da Guerra de Troia, o que é narrado na ‘Odisseia’.

A guerra, como se sabe, durou dez anos até o seu desfecho e Ulisses, em seu retorno, demorou-se mais dez anos, detido por armadilhas deliberadas dos deuses do Olimpo.

Em Ítaca, a sociedade (conselheiros do Estado, aristocracia, puxa-sacos em geral) exigia que Penélope, mulher de Ulisses, encontrasse um novo companheiro e houvesse o casamento, afinal, o reino precisava de um homem para governá-lo.

Penélope valeu-se de uma artimanha. Prometeu que, ao concluir determinada obra (como tecelã), ela escolheria o novo marido. Contudo, Penélope tecia o material durante o dia e desfazia o trabalho à noite, prolongando-se a espera por Ulisses.

Ele, finalmente, retorna em andrajos, mas é reconhecido por Euricleia, a ama que o cuidara desde a infância; depois, pelo filho e, finalmente, pela mulher.

Havia, porém, um desafio: o novo esposo de Penélope deveria saber desarticular algumas ‘armadilhas’ do palácio que apenas Ulisses conhecia, ou seja, segredos partilhados pelo casal.

Muito resumidamente, eis a trama da epopeia (contá-la, o que não é o propósito aqui, demandaria muito tempo e espaço). O que me faz retomar a história de Ulisses e Penélope tem objetivos bem claros para este início de ano: amor, fidelidade, inteligência, perspicácia – travessia.

Ulisses foi o grande articulador para que a guerra contra Troia terminasse, ao convencer Aquiles a engajar-se às tropas e ao articular o ‘presente de grego’, isto é, o cavalo de madeira presenteado aos troianos como uma suposta desistência grega.

A sua volta para casa também é um show de autocontrole, de sabedoria.

Em Ítaca, Penélope não agia diferente do marido, ademais, mostrava-se fiel aos laços que os uniam.

Eu sei que os grandes heróis das epopeias e das tragédias gregas são seres humanos acima da média comum, ainda assim, a exemplaridade desses comportamentos pode servir para pensar a sociedade atual – tão líquida, tão fluída, conforme Baumann, tão sem paciência, tão desamorosa.

Além disso, é preciso referir Euricleia, fiel a Ulisses, que mantém o segredo de seu retorno até que ele seja declarado como o ‘novo’ rei de Ítaca.

Reitero: ainda que seres de caráter elevado, os heróis e as heroínas gregos ensinam-nos a importância do cultivo de certos sentimentos e determinadas atitudes cujo resultado acaba sendo vitorioso.

A inteligência e a perspicácia de Penélope na estratégia de tecer e desfazer o seu trabalho demonstra a paciência que nos falta: quem não se irrita se uma mensagem de aplicativo não for respondida instantaneamente?

As habilidades de Ulisses para vencer a resistência de Aquiles, surpreender os troianos, vencer os ardis impostos no retorno são um exemplo paradigmático daquilo que nos falta no cotidiano: tudo precisa ser resolvido com fúria, com violência. Não há tolerância.

Muitas vezes, a urgência, a truculência custam a vida de outros seres humanos, impedem o diálogo, determinam rupturas.

O silêncio – surdo e mudo – entre Ulisses e Euricleia é-me exemplar: será que precisamos, de fato, dizer para os nossos verdadeiros amigos as dores que nos vão na alma?

Pensei nessas e outras tantas coisas na ‘virada de mais um ano’, em que se apontam tiranos, ditadores, enquanto todos nós nos impomos a tirania do consumo, da urgência do ter.

Desconfio que eu estou ficando velha…


Prof. Dra. Elaine dos Santos

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One thought on “Reflexões para um início de ano

  1. Professora, excelente suas reflexões!

    No mundo do raso, esse mergulho no âmago dos personagens nos faz pensar profundamente sobre as virtudes que norteiam nossas ações.
    Obrigada pela partilha!
    Grande abraço!
    Jane Lucas

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