Tamasauskas: “Não faz sentido falar em extradição de novo”. |
Na tarde desta 2ª feira (25), tão logo tomou conhecimento de que o governo italiano está desenvolvendo gestões sigilosas junto ao brasileiro para que Cesare Battisti lhe seja entregue, o advogado Igor Tamasauskas deu entrada a habeas corpus junto ao Supremo Tribunal Federal, como precaução contra uma extradição-surpresa do escritor.
A medida se justifica, pois houve uma tentativa neste sentido em fevereiro de 2015, a partir da decisão de uma juíza de Brasília. A rápida reação do defensor impediu que Battisti fosse extraditado de afogadilho, gerando-se um fato consumado.
Daquela vez, faltou pouco para que uma decisão do presidente da República, confirmada pelo STF, fosse anulada… em primeira instância! A hierarquia do Judiciário teria sido colocada de pernas pro ar…
Afastado o perigo de uma repetição mais sofisticada do mesmo esquema, Tamasauskas pedirá agora aos ministérios da Justiça e das Relações Exteriores que lhe deem acesso aos pareceres favoráveis à extradição de Battisti, citados na reportagem d’O Globo (vide aqui). A partir daí, definirá suas medidas seguintes.
“Em 2009 [Quando o caso foi julgado no Supremo], já tinha discussão sobre se estava ou não prescrito. Agora, o prazo passou. Certamente está prescrito. Não faz sentido falar em extradição de novo, a não ser que queiram deturpar o ordenamento jurídico brasileiro”, afirma
Os episódios pelos quais Battisti foi falsamente acusado remontam a 1979 e já deveriam estar prescrevendo naquele ano de 2009, mas o relator do processo de extradição no STF, Cezar Peluso, alegou então que o período de prisão no Brasil não contava.
Oito anos depois, contudo, a situação mudou: ainda que se considere interrompida a contagem de tempo entre sua detenção (18 de março de 2007) e libertação (8 de junho de 2011) no Brasil, a prescrição, inquestionavelmente, já ocorreu.
E há mais um empecilho cronológico às pretensões italianas, segundo Tamasauskas: “Como passou mais de cinco anos da decisão do Lula que negou extradição e foi referendada pelo Supremo, não poderia haver decisão administrativa. No prazo de cinco anos, teria decadência de rever a decisão”.
Além, é claro, de Battisti ser pai de uma criança brasileira, o que também impede a extradição, segundo cláusula do STF.
E do fato de que sua condenação a prisão perpétua subsiste na Itália e o Brasil não admite extraditar um cidadão que vá cumprir no seu país de origem uma pena superior à máxima praticada aqui (30 anos).
Resumo da ópera: a Itália continua tentando passar arrogantemente por cima das leis brasileiras. Mas, tudo indica que suas armações sigilosas mais uma vez fracassaram, à medida que viraram notícia. Pois, juridicamente, não se sustentam: têm mais furos do que uma peneira!
Se a gestão de Temer até agora não tinha encontrado problemas jurídicos que impedissem uma nova decisão sobre o caso, o quadro mudou radicalmente de ontem (25) para hoje (26). Alguns desses problemas são citados acima… e são intransponíveis!
O resto não passa de má fé e forçação de barra.
RELEMBRANDO O CASO BATTISTI: UMA ODISSEIA
LIBERTÁRIA EM TERRAS BRASILEIRAS.
Foi um Caso Dreyfus ou Sacco e Vanzetti com final feliz |
Neto, filho e irmão mais novo de comunistas, Cesare Battisti engajou-se naturalmente na Juventude do PCI e, aos 13 anos, já participava dos protestos estudantis que marcaram o 1968 europeu.
Depois, no cenário radicalizado do pós-1968, o ardor da idade, também naturalmente, o foi conduzindo cada vez mais para a esquerda: do PCI à Lotta Continua, desta à Autonomia Operária, até desembocar no Proletários Armados para o Comunismo, pequena organização regional com cerca de 60 integrantes.
Participou de assaltos para sustentar o movimento – as expropriações de capitalistas – e não nega. Mas, assustado com a escalada de violência desatinada, cujo ápice foi a execução do sequestrado premiê Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas, desligou-se em 1978, logo após o primeiro assassinato reivindicado por um núcleo dos PAC, do qual só tomou conhecimento a posteriori, recebendo-o com indignação.
Já era um mero foragido sem partido quando os PAC vitimaram outras três pessoas, no ano seguinte.
Detido, foi condenado em 1981 pelo que realmente fez (participação em grupo armado, assalto e receptação de armas), mas a uma pena rigorosa demais (12 anos), característica dos anos de chumbo na Itália, quando se admitia até a permanência de um suspeito em prisão PREVENTIVA por MAIS DE 10 ANOS!!!
Mitterrand acolhia os perseguidos italianos |
Resgatado em outubro de 1981 por uma operação comandada pelo líder dos PAC, Pietro Mutti, abandonou a Itália, a luta armada e a própria participação política, ocultando-se na França, depois no México, onde iniciou sua carreira literária.
Aceitando a oferta do presidente François Mitterrand – abrigo permanente para os perseguidos políticos italianos que se comprometessem a não desenvolver atividades revolucionárias em solo francês –, levava existência pacata e laboriosa havia 14 anos quando, em 2004, a Itália o escolheu como alvo.
Tinha sido um personagem secundário e obscuro nos anos de chumbo, quando cerca de 600 grupos e grupúsculos de ultraesquerda se constituíram na Itália. O fenômeno ganhou maiores proporções porque muitos militantes sinceros de esquerda foram levados ao desespero pela traição histórica do PCI, que tornou a revolução inviável num horizonte visível ao mancomunar-se com a reacionária, corrupta e mafiosa Democracia Cristã.
Destes 600, um terço esteve envolvido em ações armadas.
“POR QUE EU?” – Nem os PAC tinham posição de destaque na ultraesquerda, nem Battisti era personagem destacado dos PAC. Foi apenas a válvula de escape de que o delator premiado Pietro Mutti e outros arrependidos, em depoimentos flagrantemente orquestrados, serviram-se para obter reduções de pena: estava a salvo no exterior, então poderiam descarregar sobre ele, sem dano, as próprias culpas.
Num tribunal que só faltou ser presidido por Tomás de Torquemada, Battisti acabou sendo novamente julgado na Itália e condenado à prisão perpétua em 1987.
A sentença se lastreou unicamente no depoimento desses prisioneiros que aspiravam a obter favores da Justiça italiana – cujas grotescas mentiras se evidenciaram, p. ex., na atribuição da autoria direta de dois homicídios quase simultâneos a Battisti, tendo a acusação de ser reescrita quando se percebeu a impossibilidade material de ele estar de corpo presente em ambas as cidades.
O Tribunal do Santo Ofício, de triste memória. |
Depois, provou-se de forma cabal que Battisti não só fora representado por advogados hostis (pois defendiam arrependidos cujos interesses conflitavam com os dele) como também falsários (já que forjaram procurações dando-os como seus patronos).
Battisti escapara das garras da Justiça italiana, então valia tudo contra ele. Mas, ainda, como vilão menor.
Passou, no entanto, a ser encarado como um vilão maior quando alcançou o sucesso literário. Tinha muito a revelar sobre o macartismo à italiana dos anos de chumbo, tantas vezes denunciado pela Anistia Internacional e outras entidades defensoras dos direitos humanos.
Foi aí, em 2004, que a Itália direcionou suas baterias contra Battisti, investindo pesado em persuasões e pressões para que a França desonrasse a palavra empenhada por um presidente da República. Tudo isto facilitado pela voga direitista na Europa e pela histeria insuflada ad nauseam a partir do atentado contra as torres gêmeas do WTC.
Ao mesmo tempo que concedia a extradição antes negada, a França, por meio do seu serviço secreto, facilitou a evasão de Battisti. A habitual duplicidade francesa.
VÍTIMA DE DOIS SEQUESTROS NO BRASIL – E o pesadelo se transferiu para o Brasil, onde o escritor teve a infelicidade de encontrar, no STF, dois inquisidores dispostos a tudo para entregarem o troféu a Silvio Berlusconi.
Preso em março/2007, seu caso deveria ter sido encerrado em janeiro/2009, quando o então ministro da Justiça Tarso Genro lhe concedeu refúgio.
Mas, ao contrário do que estabelecia a Lei do Refúgio, bem como da jurisprudência consolidada em episódios anteriores, o relator Cezar Peluso manteve Battisti sequestrado, na esperança de convencer o STF a revogar (na prática) a Lei e jogar no lixo a jurisprudência.
Apostando numa hipótese coerente com suas convicções pessoais (conservadoras, medievalistas e reacionárias), Peluso manteve encarcerado quem deveria libertar.
Ele e o então presidente Gilmar Mendes atraíram mais três ministros para sua aventura que, em última análise, visava erigir o Supremo em alternativa ao Poder Executivo, esvaziando-o ao assumir suas prerrogativas inerentes. A criminalização dos movimentos sociais também fazia, obviamente, parte do pacote.
Foram juridicamente aberrantes as duas primeiras votações, em que o STF, por 5×4, derrubou uma decisão legítima do ministro da Justiça e autorizou a extradição de um condenado por delitos políticos, ao arrepio das leis e tradições brasileiras.
Como na nossa nefanda ditadura militar, delitos políticos foram falaciosamente metamorfoseado
A blitzkrieg direitista foi detida na terceira votação, quando Peluso e Mendes tentavam automatizar a extradição, cassando também uma prerrogativa do presidente da República, condutor das relações internacionais do Brasil.
Contra este acinte à Constituição insurgiu-se um ministro legalista, Carlos Ayres Britto. Graças a ele ficou definido, também por 5×4, que a palavra final continuava sendo do presidente da República, como sempre foi.
Sabendo que Luiz Inácio Lula da Silva não se vergaria às afrontosas pressões italianas, o premiê Silvio Berlusconi já se conformava com a derrota em fevereiro de 2010, pedindo apenas que a pílula fosse dourada para não o deixar muito mal com o eleitorado do seu país.
Parlamentares foram solidarizar-se a Battisti na Papuda |
Mesmo assim, quando Lula encerrou de vez o caso, Peluso apostou numa nova tentativa de virada de mesa. Ao invés de libertar Battisti no próprio dia 31/12/2010, que era o que lhe restava fazer segundo o ministro Marco Aurélio de Mello e o grande jurista Dalmo de Abreu Dallari, manteve-o, ainda, sequestrado.
E o sequestro, desta vez, saltou aos olhos e clamou aos céus. Só não viu quem não quis.
O STF acabou decidindo, por sonoros 6×3 (só Ellen Gracie embarcou na canoa furada de Peluso e Mendes), que não havia mais motivo nenhum para o processo prosseguir nem para Battisti ser mantido preso. Isto depois de a dobradinha Peluso/Mendes ter cerceado arbitrariamente sua liberdade por mais cinco meses e oito dias!
Depois, em maio de 2014, o Superior Tribunal de Justiça considerou extinta a acusação contra Battisti, por ter usado documentação falsa quando entrou no Brasil; trata-se de um expediente ao qual usualmente recorrem os perseguidos políticos, sem serem por isto penalizados.
Sua condição legal, contra a qual uma juíza do DF se insurgiu (a aberrante decisão da meritíssima foi anulada antes de consumado o que o veterano defensor dos direitos humanos Carlos Lungarzo qualificou de “sequestro relâmpago” com o objetivo de entregá-lo à Itália), é a de residente permanente no Brasil.
E assim permanecerá, por mais que as autoridades italianas esperneiem, conspirem e não se conformem com a acachapante derrota a elas imposta por um país ao qual devotavam olímpico desprezo (“Não me parece que o Brasil seja conhecido por seus juristas, mas sim por suas dançarinas”, chegou então a afirmar o deputado italiano Ettore Pirovano).
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É fundador e um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Internet Jornal. Foi presidente do IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga por três anos. fundou o MIS – Museu da Imagem e do Som de Itapetininga, do qual é seu secretário até hoje, do INICS – Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e do Instituto Julio Prestes. Atualmente é conselheiro da AIL – Academia Itapetiningana de Letras.