No Brasil são infinitas as manifestações culturais que apresentam o boi ou o touro como tema principal. Temos o Boi de Reis, o Bumba-meu-boi, o Boi Bumbá, o Boi de Mamão, o Boi do Maranhão, entre outros.”
Uma das tradições mais interessantes do carnaval de Porto Feliz e que entrou em desuso há algumas décadas é a do Boizinho de carnaval. Trata-se de uma manifestação antiga de nossa cultura popular, eis que se têm notícias da existência de um mestre nessa arte no ano de 1860. Trata-se de Benedito de Arruda Pais, um maestro negro e que levou a tradição do boizinho de carnaval à cidade de Tatuí, dando origem ao Cordão dos Bichos, famoso naquela cidade.
O vacum, seja boi ou touro, é figura que está ligado à divindade desde os tempos imemoriais. Encontramo-lo no culto a Dioniso (Baco), por exemplo, no momento em que um bezerro era ritualmente calçado com botas de caçador “semelhantes às que o deus frequentemente usava, e sacrificavam-no em lugar de uma criança – que não era outra senão o menino Dioniso”, conforme atesta Carl Kerényi em extenso trabalho publicado sobre o mito, intitulado “Dioniso – Imagem arquetípica da vida indestrutível”.
Além da presença relacionada ao mito de Dioniso, vemos o boi em culturas como a dos egípcios – o Boi ou Touro Ápis – e também entre os hindus que o consideram divino. Ao deus Mitra, cultuado em Roma antiga, sacrificavam-se bovinos como símbolo de ressurreição e de sacrifício. Em diversas culturas africanas o boi também é cultuado.
No Brasil são infinitas as manifestações culturais que apresentam o boi ou o touro como tema principal. Temos o Boi de Reis, o Bumba-meu-boi, o Boi Bumbá, o Boi de Mamão, o Boi do Maranhão, entre outros. Em praticamente todas as regiões do país vemos alguma manifestação em devoção ou com a presença do boi.
Na nossa região do Médio Tietê, o boizinho do carnaval chegou a ter seus momentos de glória. Aqui, parece, está intimamente ligado às tradições africanas ou afro-brasileiras. A presença de pessoas negras nessas brincadeiras é constante, embora não seja exclusiva. O historiador Francisco Nardy Filho relata que em Itu o “boizinho pulava, dançava, investia, adoecia, deitava-se; vinha o doutor, curava-o e punha-se ele de novo a pular, a dançar e a investir; e tudo isso acompanhado de cantigas ao som das violas, pandeiros, caixas e zabumbas. Assim se divertiam aqueles bons pretos…”. Em Itu, de acordo com Nardy, o boizinho aparecia durante a passagem do Ano Novo.
O boizinho nada mais é do que uma armação de bambu e arames, coberta de panos e cuja estrutura lembra o corpo de um boi, com chifres e tudo mais. Debaixo dessa armação, uma pessoa se traveste de boi e sai pelas ruas avançando sobre as pessoas. É uma brincadeira que envolve todos os que participam.
Em Porto Feliz, o boizinho esteve ligado ao carnaval. Ainda há muita gente que confeccionou a armação de boi de carnaval, como Ivan Sampaio e Carlos Caceta. O boizinho do Tedéu surgiu por volta de 1965, com Ivan Sampaio, Caetaninho, Dina, Marcos Pistola, Toni Caoio e Pedrão.
Antes desse existiu um Boizinho que saia da rua Santa Cruz e era tocado pelo negro Zé Pinheiro, de acordo com a pesquisadora Sonia Belon.
O boizinho que está mais presente na memória dos portofelicenses parece ser o do Fervor, de Roque Arruda, Antonio Carlos Guagliato, Luiz Cesar Guagliato, Odair Groppo Junior e Mauro de Carlota, surgido em 1976. Até a década de 1980, pelo menos, o boizinho do Fervor ainda saía nos carnavais.
Provocando a participação nas redes sociais, conseguimos uma foto do Boi do Fervor de 1980. Desconheço a existência de outras fotos, mas devem existir. Havia planejado reavivar o Boi, juntamente com Ivan Sampaio, no ano passado. Não encontrei mais o Ivan… Derrubou-se o “Chapéu da Madre”, local em que podia ser encontrado com facilidade.
Seria interessante o retorno dessa tradição, não como saudosismo, mas como reconhecimento, de fato, como uma manifestação cultural própria da cidade, capaz de impulsionar a presença de turistas que têm privilegiado lugares como Salto e Santana de Parnaíba (com seus “Bonecões”) ou São Luís do Paraitinga com suas marchinhas típicas. Afinal, para ver o carnaval como o que ocorre no Rio de Janeiro ou São Paulo, não se faz necessário nem sair da poltrona da sala de estar. Mas para ver um carnaval diferente é necessário sair de casa. E isso certamente traz dividendos para a cidade.
Carlos Carvalho Cavalheiro – 13.02.2018
carlosccavalheiro@gmail.com
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Natural de Sorocaba (SP), é escritor, poeta, revisor de livros e Editor-Chefe do Jornal Cultural ROL. Acadêmico Benemérito e Efetivo da FEBACLA; membro fundador da Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA e do Núcleo Artístico e Literário de Luanda – Angola e membro da Academia dos Intelectuais e Escritores do Brasil – AIEB. Autor de 8 livros. Jurado de concursos literários. Recebeu, dentre várias honrarias: pelo Supremo Consistório Internacional dos Embaixadores da Paz, o título Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça; pela Augustíssima e Soberana Casa Real e Imperial dos Godos de Oriente o título de Conde; pela Soberana Ordem da Coroa de Gotland, o título de Cavaleiro Comendador; pela Real Ordem dos Cavaleiros Sarmathianos, o título de Benfeitor das Ciências, Letras e Artes; pela FEBACLA: Medalha Notório Saber Cultural, Comenda Láurea Acadêmica Qualidade de Ouro, Comenda Ativista da Cultura Nacional; Comenda Baluarte da Literatura Nacional e Chanceler da Cultura Nacional; pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos os títulos de Doutor Honoris Causa em Literatura, Ciências Sociais e Comunicação Social. Prêmio Cidadão de Ouro 2024