“O vento soprou para longe as cerdas brancas e sedosas do ‘dente-de-leão’, erva daninha dos quintais da infância, desfazendo seu pompom ao tempo.”
A porta foi aberta em clima de entusiasmo e com os risos frouxos da manhã primaveril da alma.
Sisudas em sua fortaleza, as paredes desnudas anseiam em segredo para serem cobertas por uma galeria de fotos a lhes conferir a própria identidade.
Janelas se descortinando à invasão delicada da luz.
Tantos planos e sonhos acompanhando a procissão da caixaria a conter os mais diversos objetos para a cenografia de todo um espaço de vida.
E, no doce calor das promessas da juventude em seu arroubo, o amor testemunha a história a se deitar sobre as vidas que se comungam e se entrelaçam na dança do bem querer.
Os olhares, se cruzando cúmplices por cima das canecas do café fumegante, embaçados, de repente, pela poeira da viagem do relógio trotando pelo tempo.
Conversas agora em murmúrio, rompidas por choros noturnos, preparo de mamadeiras e outros cuidados infantis.
A estação agora é o verão, presente em toda a sua intensidade, onde o medo do escuro, os balões dos aniversários, as balas meladas e os desenhos nas paredes, cedem seus lugares à irreverência da juventude a gritar com seus sons e cores perante a vida, até que a maturidade, em seus passos largos, lhe firme o pilar do afeto verdadeiro onde sustentará as bases de sua existência munida de seus sonhos e planos próprios.
As paredes agora não têm mais rabiscos indecifráveis senão a coleção de retratos a tocar de nostalgia a alma, no silêncio da passividade do cotidiano a repousar tranquilamente nos braços do dever cumprido e do legado edificado.
Os curativos para os joelhos ralados, agora são substituídos pelo abraço do colo silencioso que embala a dor existencial para amenizá-la no coração do filho amado.
O vento soprou para longe as cerdas brancas e sedosas do “dente-de-leão”, erva daninha dos quintais da infância, desfazendo seu pompom ao tempo.
A casa, agora anciã, adquiriu vida própria aos sons dos risos e das dores, dos conflitos e do perdão, dos ganhos e das perdas, aos olhos dos desafios e da superação, do afeto e desafeto, testemunha fiel de uma história de vida como parte integrante de si mesma espalhada em cada canto e em cada objeto.
E a alma a habitá-la, no alívio culpado do descanso outonal, torcendo um pano de prato entre as mãos para escoar do tempo a monotonia das horas que não passam, à espreita da próxima e derradeira estação existencial, respira suas memórias impressas na atmosfera de sua morada que lhe sorri.
* Crônica publicada originariamente na Revista TOP da Cidade (Itapetininga/SP), edição nº 36 – fev/2018, da qual a autora é articulista.
Cláudia de Almeida Carvalho – claudiacarvalho.oab@gmail.com
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Natural de Sorocaba (SP), é escritor, poeta, revisor de livros e Editor-Chefe do Jornal Cultural ROL. Acadêmico Benemérito e Efetivo da FEBACLA; membro fundador da Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA e do Núcleo Artístico e Literário de Luanda – Angola e membro da Academia dos Intelectuais e Escritores do Brasil – AIEB. Autor de 8 livros. Jurado de concursos literários. Recebeu, dentre várias honrarias: pelo Supremo Consistório Internacional dos Embaixadores da Paz, o título Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça; pela Augustíssima e Soberana Casa Real e Imperial dos Godos de Oriente o título de Conde; pela Soberana Ordem da Coroa de Gotland, o título de Cavaleiro Comendador; pela Real Ordem dos Cavaleiros Sarmathianos, o título de Benfeitor das Ciências, Letras e Artes; pela FEBACLA: Medalha Notório Saber Cultural, Comenda Láurea Acadêmica Qualidade de Ouro, Comenda Ativista da Cultura Nacional; Comenda Baluarte da Literatura Nacional e Chanceler da Cultura Nacional; pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos os títulos de Doutor Honoris Causa em Literatura, Ciências Sociais e Comunicação Social. Prêmio Cidadão de Ouro 2024