Pedro Israel Novaes de Almeida – ‘ÍNDIOS MODERNOS’
Nossos índios, brasileiríssimos, viviam no paraíso, antes da chegada do primeiro português.
O quintal era enorme, e a vida seguia sem sustos. A alimentação era farta e sempre disponível.
Caçar, pescar e guerrear eram funções masculinas, ficando o trabalho confinado às mulheres. Na época, já existiam os privilégios dos poderosos.
Em muitos povos, cada homem tinha sua mulher, e o chefe a mulher de todos. Especialistas em contato com deuses e curandeiros ficavam parcialmente livres de buscar o próprio sustento.
Os casamentos eram festivos, e não há registros históricos de cultos e tratamentos diferenciados a sogras. Os índios tinham uma tradição que pouco herdamos: o respeito e acatamento a idosos e crianças.
Ao contrário dos índios americanos, os nossos não tinham cavalos, nem búfalos. Os deslocamentos eram menores, caminhando ou navegando em rústicas embarcações.
A rotina era quase imutável, e só uma intempérie natural, doença ou ataque de outro grupo tinham o condão de modificar o dia a dia indígena. Doenças eram tratadas com ervas e rezas, e a mortalidade precoce alta.
Os nascimentos e sobrevida das mães só ocorriam se os partos não requeressem cesarianas. A longevidade era breve, e poucos, pouquíssimos, chegavam aos cinquenta anos.
Com a chegada dos brancos, os índios cuidaram logo de demonstrar que não serviam para o trabalho escravo. Eram péssimos comerciantes, e trocavam pedras preciosas por espelhos e quinquilharias.
Toda a riqueza natural da cultura indígena demonstrou-se frágil ao contato com os brancos. As tradições sucumbiam uma a uma, e o alcoolismo era facilmente disseminado.
O índio contatado perdeu seus maiores patrimônios: o território, a liberdade e, por consequência, a própria identidade. Tratado como um eterno necessitado, nosso índio, não raro, perambula hoje pelos quintais da FUNAI, em busca de favores e atendimentos. Não há qualquer semelhança entre o índio do descobrimento e aquele que hoje institui pedágios à revelia de qualquer ordenamento, legal ou racional.
A maioria dos índios de hoje encontra-se carente de crenças e tradições, miseráveis e dependentes. Cercas de arame farpado determinam limites que não cabem em seus originais hábitos e valores.
Nosso índio contatado, a rigor, deixou de ser índio, e os românticos sonhos de confina-los a territórios artificiais em nada muda a perda de sua identidade, gerando intermináveis conflitos agrários. A noção de que basta haver, um ancestral, defecado em alguma moita, para consolidar a caracterização de território natural, tem gerado controvérsias jurídicas e insegurança, no campo.
É romântico, e até parece humanitário, isolar, o que já foi índio, de novos hábitos e culturas, e até mesmo inseri-lo na luta pela sobrevivência, com os instrumentais e parâmetros de hoje. Tudo o que temos conseguido é aumentar a dependência e a miséria indígena.
A questão indígena persiste sem solução, limitada a um item do orçamento, até que surja algum governante com coragem para decretar-lhes a lenta e respeitosa emancipação. Afinal de contas, todos já habitamos cavernas e também fomos índios.
O autor é engenheiro agrônomo e advogado, aposentado.
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É fundador e um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Internet Jornal. Foi presidente do IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga por três anos. fundou o MIS – Museu da Imagem e do Som de Itapetininga, do qual é seu secretário até hoje, do INICS – Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e do Instituto Julio Prestes. Atualmente é conselheiro da AIL – Academia Itapetiningana de Letras.