“E lá ia o trem chacoalhante, avançando pela noite escura e fria, sem se dar conta do que estava se desenrolando daquele drama que vivia o desesperado chefe de família.”
Numa noite fria de agosto, uma família: um casal e seus três filhos chegam à estação ferroviária de Ribeirão Preto. Logo, vem o trem, e o homem sobe as malas, a sua esposa e os filhos, acomodando-os dentro do vagão.
O trem parte, o sacolejar da composição sobre o leito férreo vai cerrando os olhinhos das crianças, que se entregam aos braços de Morfeu. Aquele ritmo monótono, e constante, acabou também, por vencer a senhora.
Somente restou acordado aquele chefe de família. Ele, sozinho, naquela noite fria, passou a sentir-se tomado por profunda angústia, uma agonia que invadia todo o seu ser. Afinal, ele estava deixando Ribeirão Preto, onde tinha uma situação estável – emprego fixo (era escrivão de polícia), casa, as crianças matriculadas em boas escolas – e ir para Botucatu, com vistas a algo incerto, onde iria montar um consultório odontológico.
Ele gostava muito de Botucatu, local em que já havia morado por mais de vinte anos, mas não tinha mais nenhum vínculo com essa cidade, nenhum lugar para ir. À medida que ia pensando em tudo isso, mais angustiado ficava… Era muito grande a responsabilidade, afinal, tinha esposa e três filhos e, se não desse certo, como iria se arranjar?
E lá ia o trem chacoalhante, avançando pela noite escura e fria, sem se dar conta do que estava se desenrolando daquele drama que vivia o desesperado chefe de família.
De repente, uma luzinha surgiu lá na frente e foi aumentando, até revelar-se, à beira da linha, uma estação ferroviária, onde o letreiro iluminado anunciava o nome de uma cidade: MAIRINQUE. Era o fim da linha para ele, e a família. Ali, eles tinham que fazer uma baldeação para, de ônibus, chegarem até Botucatu, seu destino final.
Ele acordou a esposa: ─ Acorde meu bem, chegamos a Mairinque, me ajude a descer as malas e as crianças!
Desceram numa plataforma longa, mal iluminada, fria e vazia. Instantâneo, surgiu, assim como do nada, um carregador que foi logo colocando as malas em um carrinho de mão. Enquanto fazia isso, aquele carregador ia assobiando uma canção. A mulher, ao ouvir aquela melodia, olhou para o marido, ele estava paralisado, estupefato.
Uma garoa fina começava a cair, o que aumentava ainda mais o frio, deixando todos enregelados, enquanto o carregador, ainda assobiando aquela canção, começou a caminhar.
Aquele senhor, chamando o carregador, perguntou: ─ Você sabe que música é essa, que você está assobiando?
─ Sei, sim senhor, é Tristezas do Jeca!
─ E você sabe de quem é essa música?
─ Sei, também. É de um compositor de Botucatu, um caboclo muito bom e um grande músico, Angelino de Oliveira.
Então, aquele senhor, muito emocionado, abriu as represas de suas emoções e se desmanchou em um choro convulso e sem fim, deixando todos, â sua volta, abismados. E com a voz embargada, explicou: – Esse caboclo bom, que você disse, o Angelino, sou eu. Aí foi a vez do carregador se debulhar em lágrimas e abraçar comovido o Angelino, pois ele, o carregador, se sentia retratado na letra daquela canção.
Pois é! Esse senhor nasceu em Itaporanga/SP, em 21 de abril de 1888. Era filho único, e seus pais se mudaram para Botucatu, quando ele tinha apenas seis anos.
Autodidata, tocava violão, guitarra portuguesa, violino e trombone. Por volta de 1917, formou um conjunto, o Trio Viguipi. Em 1918, apresentou, em primeira audição, a sua célebre canção Tristezas do Jeca. Em 1926, a Odeon lançou-a com Patrício Teixeira, e que se tornou um enorme sucesso.
Sua discografia é pequena em relação à sua produção. Como era muito boêmio, nunca se preocupou em gravar ou guardar suas músicas. Se não fosse o cuidado de uns poucos amigos, não se salvariam nem as oitenta composições relacionadas em sua discografia.
Gonçalves Viana.
Nestes versos tão singelos
Minha bela, meu amô
Pra mecê quero contá
O meu sofrê, a minha dô
Eu sou como o sabiá
Que quando canta é só tristeza
Desde o gáio onde ele está,
Nesta viola eu canto e gemo de verdade
Cada toada representa uma sodade.
Eu nasci naquela serra
Num ranchinho à beira chão
Todo cheio de buraco
Donde a lua faz clarão
E quando chega a madrugada
Lá no mato a passarada
Principia o barulhão
Nesta viola eu canto e gemo de verdade
Cada toada representa uma sodade.
Lá no mato tudo é triste
Desd’o jeito de fala
Quando riscam na viola
Dá vontade de chorá
Não tem quem cante alegre
Tudo vive padecendo
Cantando pra se aliviá
Nesta viola eu canto e gemo de verdade
Cada toada representa uma sodade.
Vou pará co’a minha viola
Já não posso mais cantá
Pois o Jeca quando canta
Tem vontade de chorá
E o choro que vai caindo
Devagar vai se sumindo
Como as águas vai pro mar
Nesta viola eu canto e gemo de verdade
Cada toada representa uma sodade.
(Angelino de Oliveira)
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Natural de Sorocaba (SP), é escritor, poeta, revisor de livros e Editor-Chefe do Jornal Cultural ROL. Acadêmico Benemérito e Efetivo da FEBACLA; membro fundador da Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA e do Núcleo Artístico e Literário de Luanda – Angola e membro da Academia dos Intelectuais e Escritores do Brasil – AIEB. Autor de 8 livros. Jurado de concursos literários. Recebeu, dentre várias honrarias: pelo Supremo Consistório Internacional dos Embaixadores da Paz, o título Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça; pela Augustíssima e Soberana Casa Real e Imperial dos Godos de Oriente o título de Conde; pela Soberana Ordem da Coroa de Gotland, o título de Cavaleiro Comendador; pela Real Ordem dos Cavaleiros Sarmathianos, o título de Benfeitor das Ciências, Letras e Artes; pela FEBACLA: Medalha Notório Saber Cultural, Comenda Láurea Acadêmica Qualidade de Ouro, Comenda Ativista da Cultura Nacional; Comenda Baluarte da Literatura Nacional e Chanceler da Cultura Nacional; pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos os títulos de Doutor Honoris Causa em Literatura, Ciências Sociais e Comunicação Social. Prêmio Cidadão de Ouro 2024