“Dos seus estudos, pesquisas e experiências com baiões, toadas, xaxados e xotes, Luiz Vieira construiu o que ele mesmo denominou de repertório ‘ecumênico’”.
Luiz Rattes Vieira Filho, conhecido artisticamente por Luiz Vieira, nasceu aos 12 de outubro de 1928 em Caruaru, Pernambuco. Seu pai, advogado e jornalista, havia ido a Caruaru a trabalho, então lá nasceu o Luiz.
Com menos de 10 anos de idade, veio para Alcântara, município de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, morar com seu avô.
Ele sempre gostou muito de música e achava esquisito ter nascido em Caruaru e não saber nada sobre o sertão, sobre o Nordeste. Então começou a estudar e pesquisar muito sobre isso.
Em 1943, já cantava em programas de calouros e era crooner de um cabaré da Lapa. Em 1946, foi contratado pela Rádio Clube do Brasil para apresentar com o cantor e compositor Zé do Norte¹ o programa “Manhãs da Roça”, dedicado às músicas nordestinas.
Transferiu-se posteriormente para a Rádio Tamoio, onde passou a apresentar-se no programa “Salve o Baião”, tornando-se o “Príncipe do Baião”, ao lado de Luiz Gonzaga, o “Rei do Baião”, Carmélia Alves, a “rainha” e Claudete Soares, a “princesinha”.
Dos seus estudos, pesquisas e experiências com baiões, toadas, xaxados e xotes, Luiz Vieira construiu o que ele mesmo denominou de repertório “ecumênico”. Abriu espaço para a guarânia, de procedência paraguaia, e até prelúdios de aspecto erudito, apesar de não ter estudo teórico de música.
Certa feita, lembrando-se de um tio, o Augusto, já falecido, que tinha uma fazenda em Posse dos Coutinhos, perto de Itaboraí, onde fica a montanha de Braçanã.
Essa região foi comprada pela família dos Coutinhos, que originou o nome. Antigamente, as terras eram medidas em “braças”, e quando eles foram conferir, achavam que estava faltando terra. Foram então ao Cartório e viram que as marcações estavam corretas, só que havia sido medida por braça anã, isto é, braça pequena, daí Braçanã.
Havia um menino que morava em Tanguá – um vilarejo próximo – que a mãe sempre mandava buscar farinha na fazenda do seu tio Augusto. E ela sempre recomendava: ‒ Não demore lá no seu Augusto, volte logo, que o caminho é assombrado. Leve este crucifixo, que quem anda com Deus não tem medo de assombração!
Corria o ano de 1953 e, Luiz, rememorando esses fatos, escreveu um de seus maiores sucessos, “Menino de Braçanã”. Assim que terminou a música, ligou para o seu amigo Venilton Santos², que iria gravar o seu primeiro disco e estava escolhendo o repertório. Eram três horas da manhã, Luiz cantou ao violão: ‒ Olha aí! Ouça… Venilton, sonolento, disse: ‒ Pô, Luiz, eu não estou sentindo a essa música. Nós estamos na época dos boleros, Dick Farney, Lúcio Alves. Toada está fora de moda. Luiz retrucou: ‒ Puxa vida, Venilton! Eu estou apaixonado por essa música.
Ante a recusa do amigo, ele saiu a procura de outro interprete – ele não gostava de gravar suas próprias músicas – mostrou pra todo mundo na rádio, ninguém queria. Um dia o Roberto Paiva³ pediu a ele, um baião, quando estava mostrando vários baiões, o seu irmão falou: ‒ Porque você não mostra aquela música pra ele? Luiz respondeu: ‒ Pô, não fala o nome dessa música, ela dá azar e ninguém quer. Curioso, Roberto pediu: ‒ Canta essa que teu irmão está falando. Cantou e Roberto falou: ‒ É essa que eu vou gravar! E assim foi o primeiro a gravar “Menino de Braçanã”.
Fez relativo sucesso. Só não fez mais, porque a gravadora do Roberto era a Sínter, que não tinha distribuição e nem cuidava da divulgação. Um dia o Ivon Cury ligou para o Luiz e disse: ‒ Eu posso gravar o Menino de Braçanã? ‒ Ô, Ivon, tem que falar com o Roberto, ele que está com a música.
O Roberto respondeu: ‒ Ô, Luiz, pelo amor de Deus, deixa ele gravar, que você vai arrebentar! Ele está na RCA Victor, que faz divulgação e distribuição no Brasil inteiro. E realmente, assim aconteceu.
Sobre essa música, Luiz Vieira contou em uma entrevista no programa Mosaico da TV Cultura, e também em entrevista a Tárik de Souza para o Canal Brasil, que ela foi roubada em Paris, na África, em Portugal e até em Porto Rico.
Em Porto Rico, por um cidadão chamado Carlos Suárez, que conheceu a música quando esteve no Brasil. Ele fez uma versão para o castelhano, dando-lhe o nome de “Mi Negrita” e gravou-a como o autor:
Es tarde, ya me voy
mi negrita me espera
hasta mañana,
porque cuando salí
dijo: Negro no tardes en la ciudad.
Ele contou a história como se fosse a mãe dele. Em Porto Rico “mi negrita”, pode significar ou a companheira ou a própria mãe. Já Braçanã, ele imaginou que fosse uma cidade.
Em Paris, um safado de nome Marcel Amont, lançou como “Des larmes de la tendresse”. É o meu “Menino de Braçanã” cantado em francês. Até o aboio ele não canta “ô, ô, ô” como eu. Porque ele é homossexual, então… “ai, ai, ai, ai, ai”. Ah! É de lascar, meu Deus!
De Porto Rico, diz Luiz, fiquei sabendo através de um amigo que estava lá, a serviço da Petrobras. Ligou-me e disse assim: ‒ Luiz, a sua música é um tremendo sucesso aqui em Porto Rico, é como a nossa “Cidade Maravilhosa”, cada vez que termina um espetáculo ou uma festa, todo mundo canta: “Es tarde ya me voy…”. Minha esposa que sabe mexer com esse treco de computador, pesquisou e descobriu esse tal de Carlos Suárez com a minha música. Ele é pianista, teve conjunto de jazz, teve orquestra, em Porto Rico é tão famoso como o nosso Tom Jobim aqui. Em Miami, todo programa que tem salsa, ela já está há anos entre as mais tocadas.
Já em Paris, quem me deu a notícia, foi um amigo que era da rádio Globo de São Paulo. Ele apresentava um programa de intercâmbio cultural França-Brasil. Ele ouviu e ligou pra mim: ‒ Pô, Luiz, roubaram tua música! Um cidadão chamado Marcel Amont.
A gente está movendo um processo agora com a Fermata, mas sabe quando é que vou ganhar isso? Nunca… Né!
Gonçalves Viana viana.gaparecido@gmail.com
MENINO DE BRAÇANÃ
É tarde, eu já vou indo
preciso ir embora, ‘té amanhã
Mamãe quando eu saí disse
filhinho não demore em Braçanã
Se eu demoro mamãezinha
tá a me esperar, pra me castigar,
Tá doido moço num faço isso não.
Vou-me embora, vou sem medo
dessa escuridão.
Quem anda com Deus
não tem medo de assombração
E eu ando com Jesus Cristo
no meu coração.
(Luiz Vieira)
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Natural de Sorocaba (SP), é escritor, poeta, revisor de livros e Editor-Chefe do Jornal Cultural ROL. Acadêmico Benemérito e Efetivo da FEBACLA; membro fundador da Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA e do Núcleo Artístico e Literário de Luanda – Angola e membro da Academia dos Intelectuais e Escritores do Brasil – AIEB. Autor de 8 livros. Jurado de concursos literários. Recebeu, dentre várias honrarias: pelo Supremo Consistório Internacional dos Embaixadores da Paz, o título Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça; pela Augustíssima e Soberana Casa Real e Imperial dos Godos de Oriente o título de Conde; pela Soberana Ordem da Coroa de Gotland, o título de Cavaleiro Comendador; pela Real Ordem dos Cavaleiros Sarmathianos, o título de Benfeitor das Ciências, Letras e Artes; pela FEBACLA: Medalha Notório Saber Cultural, Comenda Láurea Acadêmica Qualidade de Ouro, Comenda Ativista da Cultura Nacional; Comenda Baluarte da Literatura Nacional e Chanceler da Cultura Nacional; pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos os títulos de Doutor Honoris Causa em Literatura, Ciências Sociais e Comunicação Social. Prêmio Cidadão de Ouro 2024