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Carlos Carvalho Cavalheiro: E Jesus viveu na Índia?

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Carlos Cavalheiro

E Jesus viveu na Índia?

            Uma antiga lenda diz que Jesus viveu na Caxemira – Kashmir – uma região disputada entre a Índia, o Paquistão e a China. Dizem que após a crucificação, Jesus teria sobrevivido a esse martírio e, secretamente, fugido para aquela região.

            O escritor suíço Erich Von Däniken, que se tornou célebre pela teoria das visitas de seres extraterrestres aos povos primitivos do nosso planeta, publicou o livro “Viagem a Kiribati”, no qual, em determinada parte, discorre sobre a sua visita a um suposto túmulo de Jesus na Cachemira. A lenda local confirma que Jesus viveu seus últimos anos de vida, velho, casado e com prole. Essa história se sustenta também por manuscritos antigos como o Bhavishya Maha Purana, escrito em 115 d. C., além de inscrições num templo conhecido como “Trono de Salomão”, no qual se lê “Profeta Yusu” e a data de 54 d. C.

            Outra inscrição no mesmo templo diz “Ele é Yusu, o profeta dos filhos de Israel”. Em outra parte do livro de Däniken, um estudioso do assunto, o professor Dr. F. N. Hassnain afirma: “Aqui temos o túmulo de Jesus, documentado durante mais de 1900 anos. A inscrição diz: “Aqui jaz o célebre profeta Yuz-Asaf, chamado Yusu, profeta dos filhos de Israel”. Os nomes Yuz-Asaf e Yusu são idênticos ao nome de Jesus; é assim que se escreve seu nome por aqui” (p. 182 – 184).

            A despeito da convicção e das supostas evidências que levam pesquisadores a acreditarem que o túmulo na Caxemira contenha os restos mortais de Jesus, o fato é que esse não é caso único no mundo. No vilarejo de Shingo, no Japão, existe um túmulo também creditado a Jesus. Como no caso da Caxemira, conta-se a história de um profeta judeu que na mesma época de Cristo teria sido martirizado em Israel por pregar uma nova concepção religiosa. Depois, teria fugido para o Japão e morrido bem velho, com mais de 100 anos de idade.

            Portanto, a história da Caxemira, assim como a de Shingo, ainda clama por outros elementos comprobatórios. Däniken demonstrou curiosidade em saber por qual motivo teria Jesus fugido para a Caxemira. O professor Dr. Hassnain traz como possibilidades o pretenso conhecimento de Jesus sobre manuscritos essênios que diziam da Caxemira ou o caso de Jesus já ter estado na Índia entre os 12 ou 13 anos até os 30. Essa lacuna aparente na biografia de Jesus é chamada de “anos perdidos” ou “anos ocultos” e se baseia no fato de que os evangelhos não trazem muitas informações sobre esse período da vida do Messias.

            A versão de que Jesus passou parte da infância até a vida adulta na Índia ganhou força no século XIX. No final do século XVIII surge na Alemanha o pensamento racionalista, que pregava, no campo da teologia, uma visão mais racional e menos mística. A hermenêutica bíblica deveria pautar-se por uma visão permeada pela razão. O pensador Johann Philip Gabler praticamente inaugura a teologia racionalista em 1787, quando profere uma palestra na Universidade de Altdorf  defendendo a separação entre os dogmas da Igreja e a Teologia em si.

            Millard J. Erickson, em seu “Dicionário Popular de Teologia”, traz como informação que “Uma forma mais radical de racionalismo teológico sustenta que a razão pode descobrir as verdades espirituais e que apenas as verdades descobertas dessa maneira podem ser aceitas”. Em outras palavras, se a razão não puder explicar, a veracidade dos dogmas não podem ser aceitos.

            Com isso, a natureza divina de Jesus começa a ser questionada. É interesse, portanto, dos racionalistas do século XIX comparar Jesus a outros “mestres”, em outros contextos, com a finalidade de esvaziá-lo da possibilidade da dupla natureza – divina e humana – para colocá-lo apenas como um grande profeta, mais um dos grandes homens sábios da humanidade.  É nesse momento em que se confundem fatos da vida de Jesus com biografias de Buda e histórias de Krishna, por exemplo.

            É também em fins do século XIX, o jornalista russo Nicolau Notovitch publicou o livro “A vida desconhecida de Jesus Cristo”, em que afirma que encontrou um manuscrito budista no Tibete e que o traduziu, contando assim a vida de Issa, um profeta judeu que viveu dos 13 aos 30 anos na Índia e que depois de voltar para a Palestina teria sido crucificado por seus ensinamentos. Issa é nome pelo qual os muçulmanos chamam a Jesus.

            O curioso é que ninguém, além de Notovitch, encontrou ou leu os tais manuscritos, de forma que não há como fazer uma análise crítica de seu conteúdo. Outra curiosidade é que essa história só ganhou força no século XIX, justamente no momento em que se pretendia esvaziar a figura de Jesus de sua divindade. Por essa explicação apresentada por Notovitch, Jesus era uma pessoa comum, como outra qualquer, mas que aprendeu “verdades” de grandes mestres indianos. Assim, não foi nada além de um discípulo de algum guru ou mestre oriental.

            Ocorre que Jesus nunca utilizou em suas argumentações nenhum conceito ou ideia que fosse própria do orientalismo. Ao contrário, Jesus sempre se utilizava de referências judaicas – as Escrituras – para debater com seus interlocutores. Sendo assim, se em sua infância teve mestres indianos, deles não aproveitou o conhecimento adquirido.

            De outro lado, os Evangelhos contam que Jesus estava com 12 anos quando esteve no templo em Jerusalém e, depois, debateu com doutores da lei. Provavelmente estava passando pelo Bar Mitzvah, a cerimônia judaica em que se celebra a saída da adolescência e a entrada no mundo adulto. O texto bíblico, do evangelista Lucas, diz que depois desse episódio, “Jesus ia crescendo em sabedoria, estatura e graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2.52). Ora, o texto deixa subentendido que Jesus continuou sua vida naquela comunidade judia.

            Isso é corroborado com o que Lucas conta em seguida, dizendo que ao admirar-se da sabedoria de Jesus, que pregou na sinagoga, os cidadãos de Nazaré teriam se perguntado de onde provinha toda aquela erudição. Se Jesus tivesse se ausentado por anos da presença dos seus concidadãos, provavelmente teriam suposto que ele aprendera tudo aquilo onde estivera. Mas o caso é que eles se admiraram porque sabiam que Jesus, o filho do carpinteiro José, sempre estivera ali, junto deles, e que, portanto, não havia onde pudesse ter adquirido aquele conhecimento e sabedoria.

Carlos Carvalho Cavalheiro

20.08.2019

Carlos Carvalho Cavalheiro
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