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Marcelo Augusto Paiva Pereira: 'Brasília'

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Marcelo Augusto Paiva Pereira

Brasília

Brasília, capital federal inaugurada aos 21.04.1960 durante o governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira (JK), simboliza o teor dos propósitos almejados por esse presidente da república quando da sua campanha política para o cargo ao qual foi eleito. O presente texto abordará – mesmo superficialmente – as características que a compõem à vista da arquitetura e urbanismo.

Prólogo

Juscelino Kubitschek pretendeu cumprir a vontade política, iniciada em 1750 e firmada na primeira Constituição da República – de 1891 –, de erguer a capital nacional no planalto central para protege-la das invasões ultramarinas, levar o progresso e a civilização ao interior do país e integrá-lo em sua plenitude. Queria, entretanto, um projeto moderno, que representasse o dinamismo, o pioneirismo desbravador e audácia do seu governo.

O projeto para o bairro de Pampulha em Belo Horizonte, realizado por Oscar Niemeyer quando dela foi prefeito Juscelino Kubitschek, serviu de nexo entre o modernismo mineiro daquele período e o período de planejamento e construção de Brasília.

Mencionado projeto desenhado por Oscar Niemeyer trazia a evidente ruptura dos paradigmas anteriores à arquitetura modernista (encabeçada por Le Corbusier e seus cinco pilares do modernismo) e a introdução das linhas curvas, preferidas pelo arquiteto carioca. E assim Lúcio Costa também fez no desenho de Brasília, ao tê-las incorporado no projeto urbano para a nova capital nacional.

Em sua proposta Brasília veio ser a ponte entre o modernismo mineiro dos anos 20 do século XX e o projeto almejado por aquele presidente, que compunha o vínculo entre a modernidade e o seu governo. A vontade e a crença nessa proposta foram o orientador da elaboração da nova capital nacional.

O projeto da nova capital – Brasília – faria dela uma cidade atemporal, sempre moderna, independente da época em que se estiver nela vivendo. Visava à integração do Brasil com o mundo moderno através das linhas leves e flutuantes, as quais manteriam “os palácios, leves e brancos, como que suspensos nas noites sem fim do planalto” (Oscar Niemeyer). Queria distinguir a cidade antiga da moderna.

Da Elaboração dos Projetos

Quando da elaboração do projeto urbano e das edificações, seus idealizadores a pensaram como uma cidade em que haveria um sistema igualitário de relações de propriedade e distribuição de serviços e vantagens, pelo qual as pessoas sairiam das ruas e frequentariam outros espaços.

Assim entenderam com suporte no princípio de igualdade procedente da Revolução Francesa (14.07.1789), que extinguiu a sociedade estamental (ou sociedade de castas), favoreceu a ascensão social das pessoas e a aquisição da propriedade. Sua base foi o Iluminismo e a primeira manifestação de sucesso foi a independência dos Estados Unidos da América (04.07.1776).

No desenho urbano e arquitetônico, o projeto de Brasília pretendeu negar a manifestação das diferenças econômicas, dos estilos sociais, das convicções políticas e da competitividade entre os indivíduos. Pretendia igualar a todos e garantir o acesso aos múltiplos bens e serviços da cidade.

Esse pretensão, ainda que abstrata, faz lembrar da arquitetura futurista soviética, a qual pretendia igualar a todos ao aproximar o conceito de habitação do de cidade e dissolver a família burguesa, no afã de criar a nova sociedade, a nova família e as novas pessoas (camaradas) – de suporte soviético, que se afirmava na Rússia no início do século XX sob o comando de Lênin (1917-1924).

Mas, diferentemente do modelo soviético, o projeto de Brasília queria preservar a sociedade burguesa ou capitalista sem as disparidades econômicas e sociais que caracterizavam as cidades anteriores à nova capital federal. Em sua concepção – ou abstração – Brasília reconfigurou os ideais urbanos desde as cidades-Estados gregas até sua realização no planalto central.

Do Desenho Urbano da Capital Federal

A nossa capital federal distingue-se das anteriores cidades porque teve seu projeto desenhado para atender às funções do trabalho e da moradia. Para realiza-las, em três foram as propostas do plano piloto (primeiro projeto):

  1. organizar a cidade com suporte na tipologia das funções urbanas e das formas de edificação (zoneamento de funções);
  2. concentrar os lugares de trabalho e dispersar as habitações;
  3. criar a superquadra para organizar as habitações, com nova tipologia de arquitetura.

O projeto urbano de Brasília fundamentou-se no urbanismo moderno, em que o zoneamento de funções tipifica seus elementos (as atividades sociais, as formas dos edifícios e as convenções urbanísticas). São atividades sociais a habitação, o trabalho, o lazer, a circulação e os centros cívicos dos afazeres públicos e administrativos.

Diferentemente das outras cidades, nas quais as zonas urbanas são definidas pela lei de zoneamento de cada município, em Brasília cada zona urbana é definida pelas superquadras.

A arquitetura modernista redefine cada um dos elementos do zoneamento, classificando-os como instrumentos de transformação social e de organização da vida social resultante. Visam à sociedade igualitária com a redução das discriminações sociais e determinam coletivamente os direitos à cidade em razão do “status” do cargo público – e não mais da família ou moradia.

Aludidos elementos são tipologias totais do zoneamento porque definem a cidade totalmente planejada sob a égide da arquitetura, que classifica as formas em razão das funções (estas determinam aquelas). A forma de cada edifício resulta da função destinada a cada um. Brasília evoca uma forma definida e total que as outras cidades não tem, por não haver distinção entre suas partes.

Em Brasília não se distingue nenhuma função da outra nem pela forma nem pelas escalas porque a padronização dos edifícios causa a confusão que os identifica como iguais. A uniformidade da forma retirou a concepção de diversidade de funções e frustrou a ideia modernista de atribuir identidade à cada zona urbana pela forma dos edifícios definidas pela função de cada. Houve equivalência formal e funcional que causou a sensação de monotonia pelos habitantes.

Das Superquadras

As superquadras medem aproximadamente 240 m x 240 m (57.600 m²) e contém, cada qual, 8 a 11 edifícios de apartamentos nos quais vivem de 2 a 3 mil pessoas. Cada superquadra é uma unidade residencial autossuficiente e base do modelo habitacional de Brasília. Funda-se no protótipo soviético da “dom-komuna”, pela qual a unidade familiar é suprimida em razão dos serviços coletivos deslocados para dependências comuns (creches, escolas, clínicas, postos de saúde, farmácias, lojas, cozinhas, etc.).

Em cada superquadra também estão presentes duas instituições para a educação infantil, o jardim de infância, a escola-classe (para a instrução elementar), o playground e área verde.

Cada grupo de quatro superquadras forma uma unidade de vizinhança com áreas comuns (entrequadras) e atribuições administrativas. Cada unidade de vizinhança deve ter um posto de gasolina, uma agência de correios, um pronto-socorro e uma delegacia de polícia.

Cada área comum (entrequadra) deve ter um clube de vizinhança com salões de reunião, restaurantes, bares e locais esportivos, incluindo piscinas e quadras de tênis; bem como uma Igreja, um cinema ou teatro, um campo de futebol e uma escola-parque.

As superquadras causaram a sensação de isolamento, por ter suprimido a rua como espaço de convívio e a familiaridade com a vizinhança. As pessoas querem as ruas para passear, conversar, reunir-se com outras pessoas, fazer alguma atividade extra domiciliar e as superquadras as retiraram dos seus habitantes.

Dos Apartamentos

Os projetos dos apartamentos funcionais mantiveram a divisão tripartite da habitação brasileira (áreas social, íntima e de serviço), mas foi modificado o acesso a eles, servidos por apenas um corredor para os dois elevadores – social e de serviço – no qual patrão e empregado caminham lado a lado e entram pela mesma porta de acesso a cada apartamento. E o acesso à área de serviço se faz pelas mesmas áreas de convívio social dos moradores (não há entrada de serviço).

Além de suprimirem a entrada de serviço, também eliminaram a copa e a sacada de cada apartamento, o que causou a mitigação do exercício da familiaridade entre os moradores (convívio de maior proximidade entre eles, entre parentes e convidados). Os moradores os consideraram habitações “antifamílias” porque contrariaram a solidariedade e as estruturas sociais da tradicional família brasileira.

As fachadas dos edifícios das superquadras eliminaram a individualidade em favor da coletividade (do todo), em razão do objetivo ideológico da padronização a um novo estilo de vida construído – e corporificado – na arquitetura da cidade modernista.

Da Conclusão

Brasília resulta de um projeto que pretendia criar uma nova sociedade, desprovida das diferenças sociais entre patrão e empregado e sustentada no exercício dos cargos públicos dos seus habitantes. Sua elementar é a padronização dos edifícios funcionais e habitacionais, com o fim de aproximar as classes econômicas em benefício de uma sociedade em que todos deveriam ser iguais.

Para essa finalidade os projetos das habitações modificaram os costumes da tradicional família brasileira ao suprimir a entrada de serviço, a copa e a sacada dos apartamentos, além de definir um só corredor de acesso a eles tanto para os patrões quanto aos empregados.

As superquadras suprimiram a rua como espaço de convívio familiar e social para dar espaço ao convívio dos seus habitantes em ambientes coletivos. A vida em sociedade deveria ser em locais preconcebidos. A identidade de cada morador foi diminuída (ocorreu a “capitis diminutio”).

Apesar de fundamentar-se no protótipo soviético da “dom-komuna”, o projeto de Brasília pretendeu preservar a nossa sociedade capitalista, sem as disparidades econômicas e sociais que caracterizavam as sociedades e cidades anteriores à nova capital federal.

Em suma, pretendeu-se por uma sociedade e cidade modernista, capitalista, futurista e igualitária, na qual as classes econômicas teriam maior proximidade entre elas. Nada a mais.

 

Marcelo Augusto Paiva Pereira

(O autor é arquiteto e urbanista)

paiva-pereira@bol.com.br

Fontes de pesquisa

LANNA, A. L. Duarte, et al. Fundamentos Sociais da Arquitetura e Urbanismo II. FAUUSP. De 02.03 a 29.06.2011. Anotações de aulas. Não publicadas.

HOSLTON, James. A cidade modernista. Uma crítica de Brasília e sua utopia. São Paulo, Companhia das Letras, 1993, págs. 150 a 195;

BONENY, Helena. Utopias de cidade: as capitais do modernismo. In: GOMES, Ângela de Castro (org.). O Brasil de JK. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2002. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/brasilia/trabalhos/HelenaBomeny_Utopiasdecidade.pdf. Acessado aos 20.03.2011;

BEZERRA, Juliana. A Construção de Brasília. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/a-construcao-de-brasilia/. Acessado aos 20.10.2019;

ALVES, Lara M. A Construção de Brasília: uma contradição entre utopia e realidade. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/brasilia/arquivos/LaraALVES-AconstrucaodeBrasilia.pdf. Acessado aos 20.10.2019.

 

Marcelo Paiva Pereira
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