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O leitor participa: Marcos Francisco Martins: 'Narrativa X Discurso'

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Prof. Dr. Marcos Francisco Martins

Narrativa X Discurso

A palavra narrativa tem presença nas ciências humanas e sociais. Pesquisadores tomam as narrativas como objeto de análise e recurso de coleta de dados em vários campos do saber. Mas este texto não trata desse significado do termo, pois aborda o sentido comum e o alcance que ele ganhou na fala de pessoas de variados níveis culturais no Brasil atualmente.

Na verdade, narrativa virou palavra da moda. É empregada para descrever o ato de um sujeito ao reportar um fato. Mas há outra palavra também utilizada com essa finalidade: discurso. Embora próximas na linguagem coloquial, narrativa e discurso têm diferenças importantes.

A narrativa tem espaço na literatura, sobretudo, na figura do narrador. Por isso, narrar é ato de criação, com liberdade de recorrer à ficção. Seu compromisso é persuadir o interlocutor e, para tanto, apela aos seus sentimentos e idiossincrasias conscientes e inconscientes, nem sempre tão nobres. Fundamenta-se em relatos particulares, que são universalizados e utilizados para validar atitudes ou determinada interpretação das coisas. É fácil fazer narrativas e muitos estão produzindo-as, sobretudo, empregando o meio propício para difundi-las: a Internet, com sua recorrência aos vídeos e áudios, com mensagens curtas.

Nas redes sociais da Internet circulam muitas fake news. Todavia, nem toda narrativa é uma fake news, mas toda fake news é a narrativa de alguém para lhe persuadir. A propósito, este termo, fake news, pode ser concebido como sinônimo de pós-verdade, palavra do ano de 2016 no Dicionário da Universidade de Oxford. Esse neologismo expressa a intenção de sujeitos em formar a opinião pública por meio de narrativas para as quais os fatos objetivos valem menos que os apelos às emoções e às crenças pessoais. E os disseminadores de fake news e/ou de pós verdade são ousados, teimam em difundir a máxima: ousem em não saber, justamente o contrário do lema latino sapere aude (ouse saber), que foi apropriado por Kant no texto “O que é o iluminismo” (1784). Sobre esse cenário, bem disse Umberto Ecco ao jornal La Stampa: “As redes sociais dão o direito de falar a uma legião de idiotas que antes só falavam em um bar depois de uma taça de vinho… Então, eram rapidamente silenciados, mas, agora, têm o mesmo direito de falar que um prêmio Nobel. É a invasão dos imbecis.”.

Discurso, por sua vez, é palavra em desuso. Como expressão própria – ou deveria ser! – da ciência, da filosofia, da política e da ética, ele é prisioneiro da realidade e tem compromisso com a sustentação empírica e lógica sobre o que afirma, apelando sempre à razão. O discurso ampara-se em evidências oferecidas por estudos, pesquisas, dados coletados e analisados. Exige rigor, daí a dificuldade de se adaptar ao ambiente das redes sociais, pois requer demonstração sobre o que é relatado. Assim concebido, cabe ao discurso demolir fake news e narrativas de pós-verdade, o que não é nada fácil. Quem se propõe a fazer discursos está perdido, sem saber lidar com a nova realidade das narrativas nas redes sociais.

Quando se enfrenta a situação de confusão, olhar ao passado é procedimento interessante. Na Grécia Antiga, os sofistas foram os primeiros sujeitos considerados como professor. Apesar de importantes ao desenvolvimento da filosofia, no contexto da democracia grega antiga, eles vendiam o saber que tinham, ensinavam os cidadãos a persuadirem os demais nas assembleias que definiam os rumos das cidades (pólis); buscavam sucesso, sem compromisso moral com a verdade dos fatos. Foi por isso que Sócrates, considerado o pai da filosofia ocidental, os recriminou. E, assim, o sofisma é entendido até hoje como sinônimo de argumento ou raciocínio concebido com vistas a produzir a ilusão da verdade e o sofista como aquele que utiliza habilidade retórica para defender argumentos e raciocínios inconsistentes.

Considerando o passado sofista e as redes sociais digitais, pode-se dizer que hodiernamente todos estão imersos em um mar de narrativas de sofismas, que reverberam fake news e/ou pós-verdades. Urge, então, resgatar os discursos, ousar saber, e se se for para apelar às narrativas, que seja para o deleite que a literatura nos proporciona.

Prof. Dr. Marcos Francisco Martins (17/04/2020)

Professor da UFSCar e pesquisador do CNPq – marcosfranciscomartins@gmail.com

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sergio Diniz da Costa
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