A Águia da Imperatriz
Um dos grandes lugares-comum do tarot quando o assunto é o terceiro Arcano Maior, o da Imperatriz, é falar de seu escudo. Sendo o Tarot de Waite o baralho mais famoso dos dias atuais, vemos lá e cá falarem do escudo da Imperatriz com o símbolo do feminino, que também representa o glifo astrológico do planeta Vênus, como sendo a principal chave para entender a mensagem desta carta.
Assim, todo mundo gosta de falar da energia yin da Imperatriz, de sua fecundidade e criatividade, mas também de sua indecisão e volatilidade. Logo, muitos começam a dar aulas sobre Afrodite e, óbvio, sua contraparte romana, Vênus.
No entanto, o que esquecem é que o símbolo de Vênus foi posto, de propósito, por Arthur E. Waite, na elaboração de seu tarot para ‘reforçar’ esse lado yin do arcano, complementando com o lado yang do arcano seguinte, o Imperador.
Só que, o que muitos esquecem, é que no Tarot mediterrâneo do Renascimento, seja da Itália ou da França, o escudo da Imperatriz oferece uma outra mensagem, mais obscura para o ideário atual dos tarólogos de plantão.
Usando o Tarot de Marselha como exemplo, o mais popular hoje dos baralhos renascentistas mediterrâneos, o escudo da Imperatriz apresenta uma águia. Em Marselha, essa águia é dourada em um fundo dourado, o que seria um erro heráldico, mas muito significativo para entendermos esse arcano do tarot.
A mudança entre o Símbolo de Vênus para o Símbolo da Águia Dourada possui uma influência gigantesca em termos de mitologia grega. Afinal, a Águia é símbolo de Zeus e quem seria a Imperatriz dele?
Sim, ela: Hera, deusa da família e inimiga de Afrodite.
A ideia de que a Imperatriz no Tarot de Marselha seria Hera, se reforça pelo significado da cor dourada na heráldica. O dourado representa a fidelidade, uma das principais marcas de Hera (bem como sua notória cobrança para todos os deuses). Afinal, foi por causa da infidelidade sistemática de Zeus, bem como a de Afrodite com Ares, que Hera armou os maiores de seus planos.
Para a sociedade ateniense e romana, que era nada conservadora em costumes sociais (e especialmente sexuais), Hera era a deusa menos venerada do Olimpo e a mais satirizada como ‘mulher amarga’ ou mesmo ‘mal-amada’, em contraposição à ‘mulher mais mulher de todas’, ou seja, a ‘bem-amada’ Afrodite.
No entanto, se observarmos em um escopo maior da Antiguidade, em sociedades helênicas onde o culto à família e à fidelidade era valorizado (tais como Samos e Micenas), Hera era a deusa que mais ganhava honras, superando até mesmo os três irmãos supremos (Zeus, Poseidon e Hades).
Ao retirar a referência à Hera e transformando a carta da Imperatriz em um arcano dedicado à Afrodite (tal como os Amantes), Waite prestou, de certa maneira, um desserviço interpretativo para a ambiguidade posta por esse arcano maior.
Afinal, tal como eu disse no começo dessa crônica, a Imperatriz é fecundidade e criatividade, mas também volatilidade e indecisão. Esse ‘8 ou 80’ ou ‘luz e sombra’ da Imperatriz, se apresenta tanto na carta retirada da maneira direta ou invertida, uma característica única desse arcano. Esse ‘8 ou 80’, de toda e qualquer maneira, é Hera em sua mais pura essência.
Hera é fertilidade porque ela é mãe de um panteão de deuses que já nasceram olimpianos.
Hera é criatividade porque, até mesmo em seus castigos, ela o faz de maneira elaborada e mirabolante (e não simplesmente punitiva). Lembrem-se sempre que os 12 trabalhos de Hércules saíram de sua mente.
Hera é indecisão porque ela, por sua fidelidade à família, não pode cumprir o que deseja de fato (por exemplo, ‘acabar com a raça’ de Zeus, aquele ninfomaníaco…).
Hera é volatilidade porque ela é cíclica, que são as mulheres com seus ciclos hormonais, lunares e místicos.
Ah, mas o tarólogo chato que me lê pode perguntar: “Onde está o amor em Hera?’. “Esse amor feminino é essencial na leitura da fecundidade da Imperatriz”, continua o expert a querer me corrigir…
E eu apenas respondo com outra pergunta: “Sabe de onde vem a palavra Hera em grego?”. “Não? Pois, segundo Platão, Hera vem de eratê, ‘amada’. Isso é reforçado pelo nome romano dela, Juno, que vem de diove, ‘amor’. Para os romanos (especialmente aqueles de pequenas comunidades ou de baixa classe social), Juno era a deusa do amor e da fecundidade, não Vênus.
Assim, tal como Hera e Juno, a Imperatriz é amada, por isso é fecunda. Tanto é assim que, no Tarot de Marselha, ela possui um visível ventre de grávida junto com o seu belo escudo de águia.
Então, fica a minha dica: quando observar a carta da Imperatriz não caia na artimanha de Waite e apenas faça como os romanos, saúde-a!
Ave Juno Regina! Salve Juno Imperatriz!
Rafael Venancio
rdovenancio@gmail.com
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Natural de Teresópolis (RJ), é poetisa, escritora e Educadora Infantil. É Acadêmica da ACILBRAS, da AIL e da FEBACLA; é Acadêmica Correspondente da Academia Caxambuense de Letras e da Academia de Letras de Teófilo Otoni, e Membro Efetivo da Sociedade Brasileira dos Poetas Aldravianistas (SBPA). Também pertence à ALB e a ABC, ambas virtuais. Recebeu Menção Honrosa no I Concurso de Poesia Junina e obteve o 9º lugar no XXXIV Concurso de Poesia Brasil dos Reis, (Ateneu Angrense de Letras e Artes). Foi homenageada com a Comenda Acadêmica Láurea Qualidade Ouro, a mais alta comenda da FEBACLA – Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes e com o Prêmio Cidade São Pedro de Aldeia de Literatura. Participou de dezenas de Antologias Poéticas. No início de 2019 lançou seu primeiro livro solo, ‘Alma de Poeta’ (Editora Areia Dourada), que recebeu o Troféu Monteiro Lobato como o melhor livro de poesia, no evento ‘Melhores do ano 2019’ (LITERARTE), e recentemente, lançou seu segundo , ‘Simplesmente Poemas’, com o selo AIL.