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Ivete Rosa de Souza: 'Quando a vida nos surpreende'

Ivete Rosa de Souza

Quando a vida nos surpreende

Eu nos meus sessenta e sete anos de vida, recebi uma notícia desagradável ontem. Não que eu já não soubesse, afinal é o meu corpo, e eu o conheço muito bem.

Cheguei ao consultório já com a suspeita, na consulta o médico me disse que eu estava equivocada; que minha dor de ouvido era provocada por minha mandíbula estar deslocada, por falta de alguns dentes. Corri ao dentista; lá ele me disse que não havia nenhuma possibilidade de meu maxilar provocar a dor que eu sentia, e que apesar da rejeição dos implantes, por falta de dois dentes, não haveria causa para a dor.

O otorrino me passou um exame de audiometria; fiz e retornei ao otorrino; ele me perguntou se fui ao dentista; com o envelope do resultado nas mãos, eu disse que sim, e que estava  fazendo o tratamento ortodôntico. Ele ouviu, sorriu e abriu o envelope. Ficou sisudo e foi explicando: “Olha, a senhora está com uma perda auditiva no ouvido direito –  isto eu já desconfiava, por isso fui ao otorrino – uma perda significativa de um terço, e o ouvido direito tem uma perda menor.”. Não explicou a causa, mas disse que eu vou ficar surda, e que iria ser necessário usar aparelho corretivo. Perguntei qual a causa, ele deu de ombros e disse: “A idade.”. Para mim não era suficiente esta resposta, e ao tentar saber mais, ele me deu uma receita e um cartão, de uma determinada clínica ali por perto, dizendo: “A senhora vai até lá, eles vão medir, e providenciar o aparelho; e precisa ser logo, viu? A partir daí, se não se cuidar direito, vai ficar completamente surda. Não tem cura, cirurgia e remédio que dê jeito.”.  Agradeci, e disse ‘boa tarde’ ao doutor.

Saí da clínica perplexa e assustada. No quarteirão seguinte, achei a tal clínica. Aí outro pesadelo me esperava: toquei a campainha, uma moça atendeu dizendo que só atendia com horário marcado. Então respondi: ‘Marque um horário para mim então.’. Ela, com muita má vontade, disse que iria consultar a agenda. Após alguns cliques no computador, marcou para o dia 3 as l4h. Consenti;  tirou cópia dos exames, do pedido médico e do meu RG. Agradeci e antes de sair, perguntei: ‘Qual o valor médio dos aparelhos, ouvido direito e esquerdo?’; ela sorriu e respondeu: “Cada um a partir de cinco mil reais, ou seja, 10 mil; mas ainda vamos ver qual a sua necessidade.

Saí desta outra clínica, agora com o coração palpitando. Minha cabeça girando em torno dos 10 mil dos aparelhos, se eu tiver ouvidos para ser só isso, e mais o tratamento dentário em torno de 7 mil.

Não sei como vai ser o pagamento, se vai parcelar, estourar meu cartão de crédito, ou recorrer ao SUS, esperando o milagre de conseguir me enquadrar e ganhar na loteria dos aparelhos de surdez.

Nunca precisei pesquisar por aparelhos de surdez, nem me passou pela cabeça ter de usar algum deles. Mas fiquei completamente apavorada com os valores absurdos. Pesquisei e encontrei outras clínicas, vou passar em outro otorrino e procurar outros valores de aparelhos.

Absurdamente eu não me preocupei em não ouvir. Mas quando entrei em casa e meus cachorros latiram ao me ver, caiu a ficha. Fiquei imaginando, chegar em casa e não poder ouvir os latidos, ou acordar pela manhã e não ouvir os passarinhos, ou o som da chuva no telhado. Meu filho é músico; cada vez que compõe uma nova melodia, toca para mim e canta. Deitei e fiquei olhando o teto, escutando longe o barulho da rua. Os carros, buzinas, a chuva veio e caiu solene e apressada; deitada chorei. Se chegar o momento de não mais ouvir, não vou culpar a ninguém, nem sofrer, guardarei todos os sons no meu coração.

 

Ivete Rosa de Souza

iveterosad@gmail.com

 

 

Ivete Rosa de Souza
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