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Carlos Carvalho Cavalheiro: 'Pelé'

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Carlos Cavalheiro

Pelé

Dois fatos movimentaram a primeira semana do ano de 2023: a posse do Presidente Lula e o velório e enterro de Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, considerado o atleta do século e o maior jogador de futebol de todos os tempos.

Como Pelé faleceu no dia 29 de dezembro, a repercussão de sua morte ocupou significativa parte da programação televisiva por vários dias. Nessas oportunidades, o público, especialmente o mais jovem, que não teve o privilégio de vê-lo jogando, pôde acompanhar o seu desempenho de jogador nos campos. Algo, de fato, extraordinário e que, de certa forma, dado o distanciamento temporal, tínhamos nos esquecido.

Aliás, somos conhecidos pela falta de memória acerca de nós mesmos. Desconhecemos fatos cruciais de nossa História e coisas corriqueiras que deveriam compor a nossa identidade. Ano passado, circulou pela internet o cartaz afixado na porta de uma escola, assinado pela direção, afirmando que no dia 7 de setembro não haveria aula em decorrência da comemoração da “Proclamação da República”! Se isso ocorre dentro de uma escola, o que se espera dos demais?

O nome Pelé não foi esquecido. Mas, a grandeza de seus feitos como jogador sim. Tanto é verdade que repetidamente os comunicadores da televisão repetiam o número espantoso de títulos que ele alcançou enquanto jogador de futebol. Só para se ter uma ideia, Pelé foi o único jogador a ganhar três Copas do Mundo: 1958, aos 17 anos, 1962 e 1970. Seria até cansativo, depois de toda a exposição midiática dos últimos dias, repetir aqui todas as outras conquistas alcançadas pelo “Rei do Futebol”. E, da mesma forma, elencar todas as honrarias por ele recebidas.

Mas alguns fatos passam despercebidos ou minimizados em sua biografia. Como o fato de, na qualidade de Ministro Extraordinário dos Esportes, ter criado a chamada Lei Pelé (Lei 9.615 de 24 de março de 1998) que deu mais dignidade ao profissional dos esportes.

Como toda personalidade pública, Pelé teve explorado alguns fatos tidos como negativos em sua vida. Em 1997, foi a ele recusado o Título de Cidadão Honorário de Brasília, pelos deputados da Câmara Distrital (correlata das Assembleias Legislativas Estaduais), por votação de 12 a 8, sob a alegação de que “ele não é militante do movimento negro e só reconheceu na Justiça a paternidade da filha Sandra” (O ESTADO DE S. PAULO, 5 mar 1997, p. 32).

Pelé não participou mesmo de organização do chamado “Movimento Negro” (o que, a princípio, não justificaria a recusa do título de cidadania). Porém, relacionar essa não participação com a conivência ao preconceito e ao racismo é um abismo bastante largo e profundo. Um fato esquecido foi a polêmica de uma declaração de Pelé, dada em 1995, sobre a representatividade política do negro. Pelé teria dito que os políticos são corruptos e que “o negro não carrega essa marca”, e que, portanto, “Se o negro quer que se tenha uma melhora na sua posição social e uma melhora do Brasil de uma maneira geral, temos de botar a gente no Congresso para defender a nossa raça”.[1]

A generalização do político como corrupto, a despeito de ser uma percepção da população como um todo, irritou políticos da época como o presidente da Câmara dos Deputados Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA) e do Partido dos Trabalhadores, na época, o deputado José Dirceu (O ESTADO DE S. PAULO, 21 nov 1995, p. 2).[2] Direita e esquerda revoltadas com a fala de Pelé sobre políticos envolvidos em corrupção… Ironia da História!

Porém, essa irritação teve um preço alto: Pelé não recebeu o título de cidadão honorário e teve sua imagem vendida como a de um alienado das questões ligadas ao negro. A sua fala em favor de uma maior participação política da população negra foi esvaziada.

Sobre o não reconhecimento da paternidade de Sandra, embora seja verdade – e de ter maculado a imagem do “Rei” na década de 1990 – um fato que não teve muita repercussão ocorreu nos últimos dias de Pelé. De acordo com a reportagem do jornal Folha de São Paulo, a pedido de Pelé, os seus netos, filhos de Sandra Arantes do Nascimento Felinto, viajaram dos Estados Unidos, onde residem, para passar os últimos dias de vida do avô junto com os demais familiares. Conforme a mesma reportagem, os netos perdoaram o avô. [3]

Essa passagem comprova o que já deveríamos saber. Apesar de toda a sua genialidade enquanto esportista, e de todas as coisas boas e inacreditáveis que Pelé realizou, ele não era, como afirmaram, uma divindade ou um ser extraterreno. Era apenas um ser humano, com todos os seus defeitos e qualidades. Um ser que acerta em alguns momentos e erra em outros. Apenas humano. Um extraordinário ser humano.

Carlos Carvalho Cavalheiro

04.01.2023

[1] https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/11/15/brasil/31.html Acesso em 4 jan 2023.

[2] Um dos poucos defensores de Pelé, à época, foi o articulista do jornal O Estado de São Paulo, José Nêumanne, que num artigo sóbrio, trouxe à tona a hipocrisia dos detratores do Rei (O ESTADO DE S. PAULO, 21 nov 1995, p. 2).

[3] https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2023/01/filhos-de-sandra-falaram-com-pele-no-hospital-a-gente-conseguiu-finalizar-perdoando.shtml#:~:text=Sandra%20Regina%20morreu%20em%202006,processos%20contra%20ela%2C%20mas%20perdeu.

Carlos Carvalho Cavalheiro
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