COLUNA PSICANÁLISE E COTIDIANO
Ano novo, metas novas. Será mesmo?
Todo início de ano parece que um fenômeno se repete: o famoso ‘temque’.
Tem que cumprir as promessas. Tem que fazer uma lista de coisas a realizar. Tem que melhorar em algo. Tem que estabelecer metas e sonhos a todo custo. Tem que ter esperança, pensamento positivo, renovação. Tem que buscar ser uma pessoa bem-sucedida (cada um com seu entendimento do que seria isso). E por aí vai, ‘temque’ pra lá, ‘temque’ pra cá. Somado a este fenômeno, vem a pressão da família, dos amigos, dos parentes, colegas de trabalho, cônjuges, e de quem estiver no entorno. Quase que não sobra tempo e espaço para realmente pensar, ou melhor, refletir sobre o que verdadeiramente se almeja, se deseja, se quer.
Fato é que este ‘ritual’ de passagem de um ano para o novo que se inicia se torna inevitável. Somos levados pela vibe de que algo inédito surgirá, novas energias no ar, aquela emoção de “agora vai dar certo!”, de que tudo será diferente do ano que se despede. E lá estamos nós renovando os planos, fazendo outros, construindo metas.
Não há mal nenhum nisso. Porém, já se questionou se aquilo que planeja para si lhe pertence? Algo que realmente persegue? Luta? Anseia? Ou seriam idealizações dos outros que colocaram para você? E no intuito de agradar as pessoas que ama e ficar tudo bem, você vai lá e corre atrás de realizações que, no final das contas, não lhe fizeram sentido algum. No decorrer deste percurso, há fracassos, cobranças, muitas demandas a atender, perda do foco, inúmeras outras opções no meio do caminho que poderiam mudar os rumos. Aquele sentimento de estar perdido, de não ter saído do lugar.
Parece trivial perguntar-se sobre o que, de fato, se quer, porém isto não é tarefa fácil. E muitas vezes passam-se anos sem realmente conseguir responder a este questionamento.
Aqui vale a reflexão: somos seres humanos, não coisas fixas e imutáveis, podemos nos reinventar, ressignificar, tomar outro caminho, decidir, parar, recomeçar, desistir de algo, errar. Logo, aquela listagem de coisas a cumprir nem sempre precisa obrigatoriamente fazer parte de sua vida. É claro que ter objetivos é interessante para uma organização cotidiana a médio e longo prazo. Não precisa viver como a música do Zeca Pagodinho: “Deixa a vida me levar. Vida leva eu…”; contudo, ao estabelecer novos propósitos, atente-se em como você os interpreta, como vê o seu próprio movimento e constrói a sua história. Afinal, no enredo da sua vida, você é figurante, coadjuvante ou protagonista? Quem escreve seu roteiro? Permite editá-lo?
Lembre-se, mais importante que zerar seu check-list, é aprender a frustrar-se todos os dias e em como lidará com as dificuldades, os obstáculos, com as circunstâncias adversas que inevitavelmente surgirão. Muita coisa pode dar certo, como também, mais do que você poderia imaginar, pode dar errado.
A questão é: o quanto a sua vontade sustenta seu desejo. Precisa esperar uma nova virada de ano para começar ‘do zero’ ou acredita que tem a liberdade de mudar quantas vezes você quiser?
Ficamos com as palavras do escritor Rubem Alves: “Todo mundo gostaria de se mudar para um lugar mágico. Mas são poucos os que têm coragem de tentar”.
Isso mesmo. Coragem e ousadia para criar e recriar.
Feliz ano novo!
Bruna Rosalem
Psicanalista Clínica
@psicanalistabrunarosalem
www.psicanaliseecotidiano.com.br
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Psicanalista e professora. Natural de Campinas/SP, porém, atualmente reside em Balneário Camboriú/SC. Seu percurso na psicanálise começou na época do Mestrado, participando de dois grupos de estudo em Educação, Ciência e Psicanálise: Grupo PHALA (UNICAMP) e Grupo Universal (USP), desde então segue os estudos na Associação Psicanalítica de Itajaí, onde atua como professora. É mestra em Educação e Práticas Culturais (Unicamp) e Pós-graduada em Filosofia, Psicanálise e Cultura (PUC/PR). Realiza atendimentos e supervisão. Escreve para o Jornal Cultural ROL as colunas Psicanálise & Cotidiano, Cinema & Psicanálise e Crime & Psicanálise, sendo estas últimas em parceria com o escritor Marcus Hemerly. Também participa de Antologias, escrevendo contos e crônicas.