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Tempo de não permanência

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PSICANÁLISE E COTIDIANO

Bruna Rosalem: ‘Tempo de não permanência’

Bruna Rosalem
Bruna Rosalem
" A vida acontece, ela não para. Mas ela exige que seja sentida!"
Imagem criada por IA do Bing - 30 de junho de 2025, às 23:26 PM
” A vida acontece, ela não para. Mas ela exige que seja sentida!”
Imagem criada por IA do Bing – 30 de junho de 2025, às 23:26 PM

Não se pode criar experiência, é preciso passar por ela.
Albert Camus

Em um mundo em que as informações estão tão atropeladas, imediatistas, palavras rápidas no julgamento de pessoas e situações altamente conclusivas, superficiais, chegando como uma avalanche que atravessa nosso cotidiano, minuto a minuto, impulsionado pela velocidade e amplitude que as redes sociais alcançam, ao simples deslizar de dedo na tela, passando de notícia em notícia, eventos, ocorrências, agenda cultural para o final de semana, cotação do dólar, o destino de viagem do momento, ou ainda, notícias de guerras em outros países, desastres, acidentes, mortes e assassinatos, isso tudo em fração de segundos, diante dos olhos, o que então permanece? Apenas fragmentos, restos, resquícios completamente esquecíveis, descartáveis. Não há tempo e espaço  para que algo se torne uma experiência marcante, sentida, significada.

Este ritmo frenético colocado em cena nos permite refletir sobre a dificuldade dos tempos atuais com relação à duração de algo que nos atravessa e faz efeito, marca, move, transforma. E para que isso aconteça é necessário voltar a sentir, pensar, meditar na preciosidade das palavras e suas significações e entregar-se à observação, contemplar, imaginar, divagar. Nem que seja por algumas horas, deixar de filmar, postar, repostar, curtir, compartilhar e comentar. 

A intenção aqui não é ditar como as coisas deveriam ser, mas propor que não percamos a capacidade que temos de inferir significado às experiências e ser transformados por ela. Mesmo passageiras, o importante é apontar para que o fica impresso e elaborar sobre isso.

Afinal, tudo o que vemos neste mundo não perdura, é finito. Porém, a sensação que se tem é de que o tempo de permanência parece estar mais encurtado do que nunca, e isso pode afetar nossa inscrição de maneira subjetiva na narrativa de nossa história enquanto segmentação passado/presente/futuro como pressuposto de existência e continuidade do ser.

Somos seres feitos de encontros, perdas, memórias. De experiências, vivências boas e ruins, que podem nos ensinar a cada ciclo. Muitas vezes é fazer da dor uma nova maneira de enxergar as coisas e as relações ao redor. O sujeito precisa sofrer. Não transpassar, não saltar, não fugir do que gera sofrimento, mas tentar tornar o tormento passageiro em aprendizagem.

Freud escreveu certa vez sobre a ideia de transitoriedade (1916). Enquanto dialogava com um poeta, este dizia estar triste pela constatação de que toda a exuberância da paisagem natural que observava, assim como toda a beleza criada pelos humanos, estaria fadada à extinção, à finitude. Continua ele, diz que tudo aquilo que um dia foi amado e admirado ao longo de sua vida parecia-lhe desprovido de valor por estar fadado à transitoriedade.

Freud contesta esta afirmação colocando que justamente pelas coisas não serem eternas é que as fazem privilegiadas. Atribuímos mais valor àquilo que um dia deixará de existir. Por serem efêmeros, os objetos e as relações objetais que estabelecemos durante a complexa jornada da existência, podem se tornar valiosos. É, muitas vezes, na contingência que reside o belo, o surpreendente, o admirável. Freud nos traz a relação da transitoriedade com a escassez do tempo onde a possibilidade do fim eleva o valor da fruição. 

Diante desta passagem, é possível dizer que para atribuir realmente valor de experiência e fruição é necessário que exista, mesmo que ilusória, a ideia de permanência para que isto marque, imprima e gere efeitos de significação. Então, será que a ideia de transitoriedade defendida por Freud e contestada pelo poeta se aplicaria na contemporaneidade? 

Será que há espaços de vivência, de entrega, de experimentação, de sentir na carne e na alma? Para residir o belo, o surpreendente e o admirável assim apontado por Freud durante o percurso da vida, trazendo para os tempos atuais, será necessário refletir sobre a maneira como construímos nossas relações com o outro, com as coisas, com a natureza?

Afinal, retomando ao início deste texto, o que de fato está permanecendo em nós? Estamos vivendo apenas de dejetos espalhados por onde passamos? Ou apenas replicando o que escutamos? Imitando fazeres? Vomitando palavras vazias? Expurgando? Medicando-se em demasia para esquecer, soterrar, ‘desmemorizar’ nossos processos de luto, frustrações e decepções? 

A questão que se coloca é: o que estamos fazendo com nossa existência para que ela seja valiosa, valorosa? 

Fernando Pessoa nos diz:

           Eu amo tudo o que foi,
          Tudo o que já não é,
          A dor que já me não dói,
          A antiga e errônea fé,
          O ontem que dor deixou,
          O que deixou alegria

           Só porque foi, e voou
          E hoje é já outro dia. 

O tempo passa, outro dia chega, o sol é sempre pontual e a lua inaugura mais uma noite.  A vida acontece, ela não para. Mas ela exige que seja sentida! 



Bruna Rosalem

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