Sergio Diniz da Costa: ‘Mariposas e borboletas’
O centro das cidades, nos dias úteis e no horário comercial, concentra uma quantidade significativa da população que, em sua roda-viva diária, dirige-se ao trabalho, às compras, para realizar algum negócio específico ou, ainda, simplesmente, como alguns aposentados, sentar nos bancos da praça para prosear ou apreciar a movimentação das pessoas.
Eu sempre gostei de andar pelas ruas do centro da minha Sorocaba. Principalmente após a aposentadoria e, com ela, me dedicar exclusivamente à carreira literária.
Uma das vantagens de não precisar mais ‘matar um leão por dia’ ─ prática essa metaforicamente incorreta, aliás! ─ é, justamente, ter a liberdade de se fazer o que mais gostamos. No meu caso, observar as pessoas, tentando captar o que pensam ou sentem. Um verdadeiro trabalho de ‘investigador da alma humana’!
Há algum tempo, comecei a observar uma, em particular. Uma mulher! Postada sempre na mesma esquina, da mesma rua. Todavia, sem qualquer produto visível, supostamente sendo colocado à venda.
Idade imprecisa, nem jovem ou velha, demais.
O corpo, muito longe do que, hoje, parece ser ─ ou fazem-nos acreditar que o seja ─ o ‘ideal’, ditado pela Moda.
As roupas, aparentemente de grife nenhuma e um tanto quanto exíguas, deixando à mostra um pouco mais aquilo que pessoas mais recatadas e conservadoras considerariam ‘aceitável’.
O rosto, carregado com uma maquiagem feita sem arte, talvez por ter sido produzida com produtos baratos ou por pura falta de conhecimentos desse ofício.
O rosto, refletindo um brilho no olhar que me pareceu enigmático, e um sorriso que, num primeiro momento, me pareceu malicioso.
E ali, na mesma esquina, da mesma rua do centro, ela parece mais um detalhe da paisagem urbana. Um detalhe que, provavelmente, poucos notam ou se detêm nele.
O olhar brilhante e o sorriso, misteriosos, maliciosos, porém, aos poucos foram me mostrando que se detinham em algumas pessoas em especial: os homens!
Ao ter essa percepção, finalmente percebi a realidade de sua presença: ela era o próprio produto colocado à venda! E, imediatamente, lembrei-me da primeira vez que ouvi um adjetivo aplicável a esse tipo de mulher: ‘mariposa’!
Mariposa! Mariposa!… Uma mariposa ali, no centro da cidade.
E em plena luz do dia!
Passei, então, a refletir sobre a palavra e do inseto que a representa. E me lembrei de uma aula de Biologia, quando estudávamos os insetos.
As mariposas ─ as de maior tamanho, também conhecidas como ‘bruxas’ ─, fazem parte da ordem científica Lepidoptera, que significa ‘asas escamosas’. O nome deriva das escamas que caem das asas em forma de pó quando tocadas. A maioria delas tem hábitos noturnos.
Lembrei-me, também, que as mariposas têm muito em comum com as borboletas. Ambas fazem parte da mesma ordem científica e começam suas vidas como lagartas famintas antes de se transformarem em suas versões adultas, voadoras. E ambas se alimentam do néctar das flores.
As mariposas e as borboletas, todavia, têm algumas diferenças. Uma delas é o comportamento das mariposas de voar em círculo em torno das luzes (fototaxia), particularmente as artificiais, comportamento esse ainda não totalmente explicado pela ciência.
Ademais, há diferenças, entretanto, de natureza simbólica. A borboleta é considerada o símbolo da transformação, da felicidade, da beleza, da inconstância, da efemeridade da natureza e da renovação. E, para a psicanálise moderna, é o símbolo do renascimento. A mariposa, por sua vez, por ser um inseto geralmente de hábitos noturnos, simboliza a morte, bem como a força destruidora da paixão.
Voltando dessa ‘aula de reminiscências’, observei, mais uma vez, aquela mulher. Olhei mais atentamente para seu rosto. E, de repente, tive a impressão de que aquele olhar ainda detinha um brilho, mas era uma cintilação diferente, distante. E o sorriso já não mais me parecia malicioso, porém, ingênuo.
Nesse momento, parecia que não via mais uma mariposa, mas uma lagarta; uma lagarta que talvez um dia poderia ter escolhido se transformar numa borboleta. Uma borboleta leve, multicolorida, admirada!
E a única luz, em direção à qual voejaria, seria a do sol.
Aquela esquina, daquela rua, seria tão somente um lugar por onde ela passaria e, momentaneamente, pousaria, até que algum transeunte, um poeta a notasse.
E sobre ela escreveria ‘O Poema da Libertação’!
Sergio Diniz da Costa
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Natural de Sorocaba (SP), é escritor, poeta, revisor de livros e Editor-Chefe do Jornal Cultural ROL. Acadêmico Benemérito e Efetivo da FEBACLA; membro fundador da Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA e do Núcleo Artístico e Literário de Luanda – Angola e membro da Academia dos Intelectuais e Escritores do Brasil – AIEB. Autor de 8 livros. Jurado de concursos literários. Recebeu, dentre várias honrarias: pelo Supremo Consistório Internacional dos Embaixadores da Paz, o título Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça; pela Augustíssima e Soberana Casa Real e Imperial dos Godos de Oriente o título de Conde; pela Soberana Ordem da Coroa de Gotland, o título de Cavaleiro Comendador; pela Real Ordem dos Cavaleiros Sarmathianos, o título de Benfeitor das Ciências, Letras e Artes; pela FEBACLA: Medalha Notório Saber Cultural, Comenda Láurea Acadêmica Qualidade de Ouro, Comenda Ativista da Cultura Nacional; Comenda Baluarte da Literatura Nacional e Chanceler da Cultura Nacional; pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos os títulos de Doutor Honoris Causa em Literatura, Ciências Sociais e Comunicação Social. Prêmio Cidadão de Ouro 2024
Texto magistral, nobre amigo Sérgio Diniz. Me senti navegando em suas palavras. Parabéns!
Maravilhoso texto caríssimo amigo. Eu também não fugi dessas aulas de biologia. Acho as borboletas mágicas ou enigmáticas. Talvez nos dê essa sensação devido as suas fases de metamorfose, elas são muito distintas. Ficou belo essa composição poética da mulher e os lepidópteros. Parabéns!
Gratíssimo pelo comentário, poetíssima Evani!
Quando estudante do ensino médio, nunca imaginei que, um dia, viria a ser escritor. E, menos ainda, que algumas disciplinas iriam ser objetos de algum texto meu.
A propósito desta colocação, tenho outra crônica (O vento dos papagaios) em que uso a disciplina de Geografia para falar sobre os tipos de vento. E outra ainda, (Morrer ou desencarnar?), uma dica prática do professor de Química.