Sergio Diniz da Costa: ‘Eu e o meu chuveiro’
Diga-me, meu caro leitor, por um acaso você já teve ou ainda tem alguma relação de amor e ódio por algo ou por alguém?
Se a resposta for um sonoro ‘sim!’, sabe perfeitamente como se dá essa dependência. É, certamente, algo como a dependência por alguma droga: você a consome e ela, com o tempo, o consome, também. Um círculo vicioso. Um horror!
Pois eu tenho, infelizmente, uma relação dessa natureza. E, como o título desta crônica bem o indica, com o meu chuveiro!
Existe algo mais prazeroso do que tomar uma deliciosa ducha, principalmente depois de uma caminhada mais longa, ou uma corrida, ou, ainda, alguma atividade profissional que implique em grande esforço físico? E dormir, então, depois de um banho bem quentinho? Tudo de bom, né?
E, sobre tomar banhos, tem aqueles dos meses de verão e aqueles outros, de inverno.
Os dos meses quentes, impreterivelmente, com água fria. E, os dos meses de inverno… Bem, em primeiríssimo lugar, o ritual para eles já é um pouco mais complicado.
Levantar da cama, depois de uma noite inteira hibernando sob cobertores pesados e quentíssimos, requer uma vontade férrea, um esforço próprio de ‘Os Doze Trabalhos de Hércules’.
E esse esforço é redobrado se, para piorar ainda mais a situação, o dia estiver frígido e chuvoso. Ninguém merece!
Mas, como o dever nos chama, lá vou eu, destemidamente, sair da cama, colocar os pés num par de chinelos gelados e, feito um guerreiro bárbaro, enfrentar o estimulante banho da manhã.
Entro no banheiro e, como meu apartamento não tem o luxo da calefação (próprio de países de regiões frias), tirar o pijama já é outra etapa da façanha heroica. Entretanto, a imagem do guerreiro bárbaro, do chefe viking à frente de seus guerreiros, em pleno campo de batalha, me impele avante.
E, aí, a coisa começa a complicar, pois é preciso anos de prática para se conseguir encontrar o ponto ideal da torneira, de modo que a água não fique nem quente e nem fria demais.
Esse processo se torna mais difícil ainda quando a torneira já é um tanto quanto usada e, por causa disso, mais um tanto quanto emperrada.
E vira daqui, vira de lá neste processo, e já enregelado, eis que, finalmente, o tal ‘ponto ideal’ da dita cuja é atingido e o calor da água atinge seu ponto ideal! Aleluia!
E lá vamos nós, agora mergulhados numa torrente de água quentinha, acolhedora…
Até que, inesperadamente, bem no meio daquele jato quente, surge um pingo gelado! Bem nas costas! E justamente no momento em que estou com o rosto coberto de espuma!
Rapidamente, retiro a espuma e passo a procurar a fonte daquele infortúnio.
Localizo-o! Vem pelo cano, provavelmente porque, ao colocar o chuveiro, faltou um tantinho de veda-rosca para dar o aperto necessário para fixá-lo.
E ele, o tal pingo inoportuno, a partir daí, passa a fazer parte do delicioso banho quente.
Agora, nesta mescla de prazer e desprazer, resolvo terminar o banho o mais rápido possível.
Fecho a torneira e começo a me enxugar. Como o box é pequeno, fico praticamente embaixo do chuveiro e, mal terminando de enxugar as costas, eis que um pingo vindo diretamente da Antártida cai nelas, já secas.
Solto um mega palavrão! E passo a matutar o porquê de esse pingo aparecer justamente no inverno, nos dias mais frios, no banheiro mais frio, no corpo (e na alma) mais frio…
E, já envolto pelo vapor que sai do chuveiro, entre uma enxugada e alguns palavrões, fico a ‘viajar’ mentalmente. E passo a ver, na torneira, no chuveiro e no cano um conluio maquiavélico, hábil a me infundir um misto de raiva e desespero.
O chuveiro parece ter adquirido vida! E, de súbito, me lembro de Chuck, Hugo, Blade e outros bonecos assassinos.
Em meio ao vapor, que já tomou conta do box, sinto que vou enlouquecer! Até o momento em que escuto algumas pancadas na porta do banheiro.
Para minha salvação, contudo, é apenas minha esposa, perguntando se está tudo bem, pois faz ‘apenas’ 40 minutos que estou tomando banho.
Alívio completo!
Tudo não passou tão somente de um mísero pingo de água gelada…
No meio da água quente havia um pingo gelado. Havia um pingo gelado no meio da água quente…
E que vai durar o inverno todo!
Sergio Diniz da Costa
Contatos com o autor
- Vernissage de exposição artística - 20 de novembro de 2024
- Renascimento verde - 18 de novembro de 2024
- Mário Mattos, 100 anos de puro talento - 11 de novembro de 2024
Natural de Sorocaba (SP), é escritor, poeta, revisor de livros e Editor-Chefe do Jornal Cultural ROL. Acadêmico Benemérito e Efetivo da FEBACLA; membro fundador da Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA e do Núcleo Artístico e Literário de Luanda – Angola e membro da Academia dos Intelectuais e Escritores do Brasil – AIEB. Autor de 8 livros. Jurado de concursos literários. Recebeu, dentre várias honrarias: pelo Supremo Consistório Internacional dos Embaixadores da Paz, o título Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça; pela Augustíssima e Soberana Casa Real e Imperial dos Godos de Oriente o título de Conde; pela Soberana Ordem da Coroa de Gotland, o título de Cavaleiro Comendador; pela Real Ordem dos Cavaleiros Sarmathianos, o título de Benfeitor das Ciências, Letras e Artes; pela FEBACLA: Medalha Notório Saber Cultural, Comenda Láurea Acadêmica Qualidade de Ouro, Comenda Ativista da Cultura Nacional; Comenda Baluarte da Literatura Nacional e Chanceler da Cultura Nacional; pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos os títulos de Doutor Honoris Causa em Literatura, Ciências Sociais e Comunicação Social. Prêmio Cidadão de Ouro 2024
Fantástico, Sérgio!
Você descreveu um panorama que, em determinado momento, se tornou uma tortura ‘Frozen’… Deu até para sentir a ‘espetadela’ desse pingo gelado.
Saudações literárias!
Gratíssimo, meu queridíssimo amigo!
Parabéns pela crônica Sergio! Vivi seu drama na pele! Rs
Amigos, na alegria e na tristeza, Amanda! rs.rs.
Adorei essa crônica, Sérgio! Exatamente porque ela fala de situação que nos é muito comum. Também sofro com essa saga de encontrar o ‘ponto certo’ da temperatura do chuveiro. Você nos trouxe a realidade com humor. Parabéns!
Gratíssimo pelo comentário, Evani!
Pelo jeito, esse problema deve ser pandêmico! rs.rs.