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O renascer da estrela

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COLUNA CINEMA EM TELA

Marcus Hemerly:

‘O renascer da estrela, uma nova vida à obra de

Clarice Lispector’

Coluna Cinema em Tela. 'O renascer da estrela, uma nova vida à obra de Clarice Lispector'
Flyer da coluna Cinema em Tela.
O renascer da estrela, uma nova vida à obra de Clarice Lispector’

“Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre
limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa
quando não entendo.”
Clarice Lispector

Lançado originalmente em 1985, momento em que a estreante Marcélia Cartaxo no papel da protagonista chamava atenção por sua intensa interpretação, volta aos cinemas a adaptação da última obra escrita por Clarice Lispector, ‘A hora da Estrela’. Dirigindo com maestria pela saudosa Suzana Amaral (1932 -2020), conhecemos Macabéa, migrante nordestina que, a partir de sua simplicidade e ingenuidade – alguns diriam pureza -, é tocada pela indiferença e aspereza da cidade grande. 

Originalmente ambientada no Rio de Janeiro, a adaptação cinematográfica da novela de Lispector é transposta para a cidade de São Paulo, onde Macabéa, subempregada e morando em uma pensão com outras trabalhadoras, conhece o também retirante Olímpico, (José Dumont). Tratada com rudeza pelo pretenso namorado e relativa condescendência e menosprezo pelos chefes e colegas de trabalho, se encanta com o metrô e toma aspirinas para aliviar a dor constante que sente.  Uma dor que nem ela mesmo explica, aquela que paira sobre o corporal e o existencial; aliás, a personagem em certo momento se pergunta “Será que eu, sou eu?”. Como se não pudesse ela mesma identificar sua função ou lugar no mundo. 

Nesse tom melancólico e, não raro, onírico, a personagem gravita em torno de sua vida – ou existência, a pergunta ecoa –, ouvindo as músicas e curiosidades no rádio, enquanto sonha em ser artista/estrela de cinema. Ao passo que o expectador se compadece pelas mazelas da protagonista, cotejando até mesmo um paralelo quase angelical de alguém por demais ingênuo em contraposição a seu derredor, reflete-se ainda sobre os reflexos da migração desordenada. A promessa ilusória de uma cidade aparentemente de mãos abertas como amoroso receptáculo, mas que cerra os olhos à sorte de seus novos habitantes, ao revés do que se exalta no famoso ‘São Paulo, Sociedade Anônima’, (1965), de Luiz Sérgio Person, que retrata o período de florescência industrial brasileira. 

Filmado numa época peculiar do cinema nacional, anos antes da extinção da Embrafilme – Empresa Brasileira de Filmes S.A, e das leis de reserva de mercado, observava-se a continuidade de realizações cariocas e daquelas sedimentadas pela aludida Estatal, visto que no final dos anos oitenta amoldava-se a derrocada do ciclo de produções paulistas. Tão somente a partir dos anos 2000, com o fenômeno rotulado de ‘retomada’ do cinema brasileiro, seja a partir produções milionárias ou por realizações independentes, novamente se testemunharia um impulsionamento mais denso de nosso cinema. 

Além de estreantes como a própria Cartaxo, capaz de transmitir a história sofrida de Macabéa a partir de um ‘mero’ olhar, interpretação que lhe rendeu a o Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim, o longa conta com veteranos em papéis secundários, como Fernanda Montenegro e Humberto Magnani. Após quatro décadas de seu lançamento, o filme incluído na lista dos 100 melhores pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), retorna às salas de cinema em circuito reduzido, após restauração digital em 4K. Para os que ainda não são familiarizados com o destino da protagonista, seja pela obra literária ou sua representação fílmica, a experiência coroa a ideia de que, mais do que a hora,  celebra-se a Ressurreição da Estrela, e de sua criadora.


Marcus Hemerly

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