Uma boa entrevista para entendemos o que ocorre na Grécia é a do novo ministro da Educação, Cultura e Religião, o septuagenário filósofo Aristides Baltas, um dos fundadores do Syriza –o qual, segundo ele, constitui-se numa “coalizão de várias organizações de esquerda, parte vinda do tradicional eurocomunismo”.
Ele próprio se inclui nesse grupo, pois provém do Partido Comunista, “que teve grande atuação em 1968”. A diferença é que, lá, a esquerda optou pela união, ao invés da competição canibalesca por nacos de poder:
“E se juntaram a isso trotskistas, maoistas e novas forças, como grupos feministas, de meio ambiente e antiglobalização. São grupos que sempre perderam eleições e reconheceram a necessidade de unir forças“.
Sobre o temor que o exemplo grego inspira à Europa, ele explica:
“As principais forças, com a Alemanha capitalizando isso, empurram alguns países em direção à esquerda, como aqui, na Espanha e na Itália. Há uma atmosfera diferente na Europa. Forças estão se aliando em busca de uma negociação mais efetiva, com chances de implementar o que querem para seus países.
Símbolo: Tsipras adota a saudação do Poder Negro… |
[As medidas de austeridade fiscal] foram impostas pela Europa [à Grécia] sem levar em conta o que fazer se essas medidas dessem errado. O governo apenas seguiu essas ordens. Esse é o grande problema. Algo imposto de fora, que, no fundo, destruiu a Grécia. Esse programa tem sido um desastre“.
Quanto à aliança com o partido Gregos Independentes para governar, ele ressalta tratar-se de um agrupamento “que tem sido consistente no discurso contra as medidas de austeridade”, ao contrário de outras agremiações direitistas, que se colocam “absolutamente a favor da posição da Europa”.
Realmente, numa Grécia triturada pelo capital sem fronteiras, faz todo sentido os nacionalistas apoiarem um governo que se elegeu exatamente com a proposta de mudar tal estado de coisas. No que realmente importa, há convergência.
A VITÓRIA DO SYRIZA É UM
TRAILER DO QUE ESTÁ POR VIR
A comparação com o Brasil é inevitável. Focarei dois aspectos.
…e seus partidários também. |
A enorme decepção em que hoje se constitui a presença da esquerda na Presidência da República começou a se desenhar em 1979, quando lulistas e brizolistas decidiram criar partidos separados, idem as forças menores, travando batalha encarniçada para imporem-se aos antagonistas do seu próprio campo.
O PT saiu vencedor, mas a que preço! Tem governado em aliança com direitistas e fisiológicos, o que lhe acarreta terrível desmoralização, pois precisa recorrer aos mensalões, petrolões e ao loteamento de cargos para recompensar seus pantagruélicos parceiros. Tão escandalosa quanto a roubalheira na Petrobrás é a existência de nada menos que 39 ministérios, cabides para se pendurarem todos os parasitas desocupados de uma miríade de partidecos constituídos ao sabor de apetites.
A solidão na qual se encontra no Planalto obriga o PT a escorar-se no poder econômico, submetendo-se repulsivamente às exigências do grande capital, como a de promover o ajuste recessivo atual.
Quando alertei os petistas de que não deveriam satanizar uma aliada natural como a Marina Silva, tinha exatamente isto em mente: face às dificuldades econômicas que atravessaríamos em 2015 (e ainda não dá para sabermos por quantos anos mais), seria fundamental contarmos com uma base sólida de esquerda.
A atitude mesquinha e inaceitável de hostilizar uma adversária do próprio campo como se fosse uma inimiga figadal do campo inimigo minou qualquer possibilidade de entendimento posterior. E Dilma, tendo a esquerda não fisiológica unida contra si, não está conseguindo resistir à força econômica e de mídia da burguesia, acabando por ceder até a seus meros caprichos (caso dos ministros sinistros que lhe enfiaram goela abaixo).
Mas, em sua capitulação incondicional à ortodoxia capitalista, a antiga guerrilheira não percebe um segundo aspecto: neste exato instante, os povos já foram saqueados e sacrificados demais por um sistema que, até o final deste ano, garantirá a 1% da população mundial a posse de 50% das riquezas produzidas pelo trabalho humano.
As tensões e mobilizações que vêm se avolumando ao longo da atual década desembocarão necessariamente
Tem sido desde o final da II Guerra Mundial: alternam-se períodos de distensão e contração, de conquistas sociais e de austeridade rígida. Pois, se os povos fossem tratados durante todo o tempo como estavam sendo tratados os gregos, a revolução mundial seria inevitável.
Então, Dilma resolveu ser Thatcher na vida exatamente quando o espírito da dama de ferro está prestes a tirar férias. Por não ter aproveitado a passagem pela esquerda para aprender a decifrar a dinâmica da economia mundial, está engolindo desnecessariamente esse sapo descomunal chamado Joaquim Levy.
Em Eu, Claudius, imperador, o escritor Robert Graves coloca na boca do seu imperial personagem um primor de embromation: “Faltam-me as palavras, mas nada que eu pudesse dizer igualaria a intensidade dos meus sentimentos a este respeito”.
Eu poderia dizer o mesmo a respeito do artigo Luzes, enfim, do filósofo Vladimir Safatle –mas não como uma saída pela tangente, e sim num exercício de humildade. Quando deparo com um texto que diz exatamente aquilo que eu pretendia dizer e da forma como me preparava para fazê-lo, opto sempre por arquivar meu projeto pessoal e apenas reproduzi-lo, prestando o merecido tributo a seu autor.
Talvez por um pouco de preguiça (ninguém é sexagenário impunemente…), talvez por um certo preciosismo de minha parte: havendo um similar perfeito, nunca me conformaria em produzir algo inferior. Então, se percebo tratar-se de tarefa quase impossível, dou a mão à palmatória: o importante é sempre oferecer o melhor aos leitores deste blogue, seja ou não da minha lavra.
Alexis Tsipras: um novo Allende? |
E o texto do Saflate realmente acende luzes, permitindo-nos vislumbrar uma saída das trevas que se adensam na política brasileira.
Parafraseando o bordão das monarquias, é hora de nós, esquerdistas que ainda honramos nossos ideais e nossos valores, proclamarmos: O PT está morto, viva o Syriza!
Pois nunca isto ficou tão evidenciado quanto nas propostas ousadas de Alexis Tsipras, em contraposição à absoluta falta de propostas positivas de Dilma Rousseff. Um quer livrar seu povo da canga que o capitalismo putrefato lhe impôs, a outra dá carta branca a seu ministro neoliberal para maximizar a austeridade e agravar a penúria.
Eis Luzes, enfim, na íntegra:
“Uma das propostas do partido grego Syriza, que venceu as eleições gregas neste domingo, consiste em religar a luz das casas que tiveram a eletricidade cortada por falta de pagamento. Só entre janeiro e setembro de 2013, 240 mil residências tiveram sua eletricidade cortada. Hoje, 1 milhão estão com a conta de luz atrasada, ou seja, 10% da população da Grécia.
Esta é uma bela metáfora do que pode significar a vitória do primeiro partido de esquerda radical na história a governar um país da Comunidade Europeia.
A dita racionalidade econômica aplicada na crise grega levou boa parte da população de volta à era das trevas, isto enquanto a banca internacional aplaudia as “reformas” implementadas pelo antigo governo conservador de Antonis Samaras com sua taxa de 25% de desemprego.
Pouco importa se as políticas de “austeridade” e de “responsabilidade fiscal” jogam a população no breu e na fome, desde que as obrigações das dívidas sejam todas corretamente pagas aos bancos internacionais –os mesmos que costumam extorquir seus países quando entram em rota de falência.
Syriza será a primeira expressão, na forma de um governo, de um radical sentimento de recusa a este capitalismo de espoliação e acumulação rentista.
É fruto de um movimento de indignação que apareceu a partir de 2009, que passou pela Primavera Árabe e pelos Occupy.
Trata-se de um partido que não tem nenhuma semelhança com os partidos tradicionais de esquerda. Não é por acaso que o Partido Comunista Grego os odeia.
Sua lógica não é dirigista, nem centralista. Ela é uma frente multipolar composta por múltiplos grupos, de ecologistas a trotskistas, maoístas, nacionalistas e sociais-democratas radicais.
Se há algo na história da esquerda próximo à vitória grega é a experiência chilena de Allende com sua frente de Unidade Popular.
Quarenta anos depois, a história de um socialismo democrático e transformador será jogada novamente. Dessa vez, será aos pés do monte Olimpo.
Representante de uma nova geração política, Syriza tem neste momento a tarefa de sobreviver e ser bem-sucedido contra as tentativas de impedir que o fantasma do descontentamento que assombra a Europa saia de sua forma meramente espectral e ganhe, enfim, corpo político. Um corpo que poderá contaminar outros países e modificar o cenário de inanidade atual.
A favor dos gregos, há o espírito do tempo e o desejo de todos os que cansaram da escuridão, do medo e da miséria, seja miséria econômica, seja miséria de ideias“.
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É fundador e um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Internet Jornal. Foi presidente do IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga por três anos. fundou o MIS – Museu da Imagem e do Som de Itapetininga, do qual é seu secretário até hoje, do INICS – Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e do Instituto Julio Prestes. Atualmente é conselheiro da AIL – Academia Itapetiningana de Letras.