Fidel Fernando:
‘Leitura e escrita: Fundamentos do verdadeiro sentido do ensino da língua portuguesa’
As actividades de leitura e escrita são, sem dúvida, pilares fundamentais no processo de ensino e aprendizagem nas salas de aula. No entanto, é alarmante perceber que, ano após ano, mesmo após repetidos esforços, alguns alunos da 7ª a 9ª classe ainda enfrentam grandes dificuldades em escrever narrativas coerentes e significativas. E, quando se trata de leitura, a situação não é menos alarmante, já que muitos alunos mal conseguem listar cinco títulos de obras lidas e discutidas nas aulas durante o 1º Ciclo do Ensino Secundário. Essa realidade leva-nos a reflectir sobre o papel da leitura e da escrita na formação integral dos alunos, especialmente num país onde a Língua Portuguesa é, cumulativamente, língua veicular e disciplina curricular.
Como professores, observamos esse cenário com crescente apreensão. Enquanto a gramática tem o seu lugar e importância indiscutíveis, não podemos negligenciar a prática da leitura e da escrita. Afinal, de que adianta o aluno dominar regras gramaticais se não consegue aplicá-las de forma criativa e contextualizada nas suas produções textuais?
Reconhecemos que os professores têm a responsabilidade de cumprir um programa previamente estabelecido pelas autoridades educativas. Contudo, devemos questionar: qual o valor de correr para cumprir um programa se conteúdos essenciais não são plenamente explorados e assimilados pelos alunos? Ainda, será que os professores conseguem distinguir os conteúdos secundários dos essenciais para a formação dos alunos? E, mais importante, será que conhecem os objectivos da disciplina para a classe que lecionam?
Muitos educadores podem não distinguir os conteúdos principais dos secundários nos seus programas, bem como desconhecerem os objectivos da disciplina para a classe que leccionam, o que leva a uma abordagem superficial de temas que exigem uma atenção mais detalhada. Um exemplo claro é o ensino do texto narrativo. Não basta ditar conceitos e características, como se essa repetição exaustiva fosse suficiente para garantir a compreensão e a habilidade dos alunos. Na realidade, a mera memorização de informações sem uma prática significativa transforma o ensino em um processo estéril. O desafio é grande: como ensinar algo que já se tornou tão entediante para os alunos?
A resposta pode estar na adopção de uma abordagem mais interativa e social, como a teoria sócio-interacionista da linguagem, defendida por autores como Vygotsky e Bakhtin. Essa perspectiva propõe que o ensino da língua deve ser uma experiência rica em interação, onde se valorizam não apenas as competências técnicas, mas também o desenvolvimento emocional e social dos educandos. Assim, em vez de impor o conteúdo, por que não começar com uma avaliação diagnóstica que revele o que os alunos já sabem sobre o texto narrativo?
A partir daí, podemos desafiar os alunos em actividades práticas, tais como a produção de narrativas a partir de imagens ou a continuação de histórias iniciadas por outros. O desenvolvimento dessa tarefa pode ocorrer em jeito de trabalho em dupla. Afinal, o que um aluno escreve em conjunto com seu colega torna-se uma base sólida para que ele possa, eventualmente, escrever de maneira autónoma posteriormente.
Essas práticas não apenas incentivam a criatividade, mas também promovem a interação entre os alunos, permitindo que compartilhem visões do mundo, valores e conhecimentos. Ao aprender em grupo, os alunos desenvolvem habilidades que vão muito além da sala de aula, como a capacidade de comunicação, trabalho em equipa e inteligência emocional. Em síntese, a aula transforma-se num espaço de aprendizagem significativa.
Por fim, é importante ressaltar que o texto é o ponto de partida e de chegada de todo o ensino da língua. Autores renomados, como Geraldi, Antunes, Marcushi e Possenti, reforçam essa visão ao destacar que a leitura, a escrita e a interpretação são elementos cruciais no desenvolvimento linguístico dos alunos. Por isso, temos de adoptar abordagens alternativas que façam do ensino da produção textual um processo verdadeiramente producente.
Em jeito de conclusão, é urgente deixarmos para trás as antigas propostas de redacção escolar que não estimulam a criatividade dos nossos alunos. Ao invés de propostas repetitivas e desestimulantes, como “Fale sobre as suas férias”, que não incentivam a criatividade e não consideram o género textual, tampouco o público-alvo, devemos buscar formas que realmente engajem os alunos, instigando-os a escrever e a ler de facto.
Fidel Fernando
Contatos com o autor
- O reconhecimento que não alimenta professores… - 20 de novembro de 2024
- A leitura e a formação de professores leitores - 12 de novembro de 2024
- Leitura e escrita - 4 de novembro de 2024
Fidel Fernando reside em Luanda (Angola).
Academicamente, é licenciado em Ciências da Educação, no curso de Ensino da Língua Portuguesa, pelo Instituto Superior de Ciências de Educação (ISCED/Luanda), onde concluiu sua formação em 2018. Antes disso, obteve o título de técnico médio em educação, na especialidade de Língua Portuguesa, pelo Instituto Médio Normal de Educação Marista (IMNE-Marista/Luanda), em 2013. Profissionalmente, atua como professor de Língua Portuguesa, dedicando-se à formação e ao desenvolvimento de habilidades múltiplas nos seus educandos. Além das suas funções docentes, exerce a atividade de consultor linguístico e revisor de texto, contribuindo para a clareza e precisão na comunicação escrita em diversos contextos. Tornou-se colunista do Jornal Pungo a Ndongo, onde compartilha semanalmente sua visão sobre temas atuais ligados à educação e à língua.
Como ensinar a ler quem não dispõe de livros?! Como ensinar a escrever quem nunca foi estimulado a esse exercício?! O programa não está. aí virado. Os alunos são vítimas. Os professores, os soldados numa trincheira esquadrinhada por lobos famintos pela ignorância e cegueira daqueles. Precisamos de ter o livro disponível a todos como antigamente.