Rannie Cole: Amor, Guerra e uma Paranóia
– Se continuar assim, você vai se perder amigo – ela me disse pouco antes que eu acordasse encharcado em meu próprio suor.
Já não sabia ao certo até onde era sonho, mas eu a conhecia. De outra vida, talvez? Ou de algum mundo paralelo?
– Para! Para! Nada disso existe – eu repetia para mim mesmo enquanto milhares de cogitações passavam pela minha cabeça como vozes amigas de pessoas que eu nunca tinha visto ou conhecido.
Mas era uma guerra, e eu sabia que precisava seguir em frente, e sobretudo não confiar em ninguém, nem mesmo nela…
Um cheiro fétido de urina exalava do banheiro e se misturava ao de podridão. Eu precisava abandonar aquela casa imediatamente antes que fosse descoberto. Os cadáveres do quarto ao lado ainda assombravam minha memória, cada tiro dado, as crianças implorando por seus pais, mas era nós ou eles, era a guerra…
Só ela, sim ela, quando eu fechava os olhos eu a via: clara, alva, limpa e pura. Só ela tornava tudo isso suportável… Infelizmente parecia um clichê hollywoodiano: loira de olhos azuis… E suas palavras eram sempre as mesmas: Você está perdendo! Você está se perdendo… Volte, por favor! Acorde amor…
Abri os olhos e, após escovar os dentes, cuspi sangue e sai as pressas daquele lar agora habitado apenas por mortos.
– É uma guerra! É uma guerra! – eu repetia constantemente minutos antes – eu não sou um assassino, eu não sou um ladrão – dizia para mim mesmo enquanto esvaziava a geladeira com a consciência pesada, carregando tudo que me pudesse ser útil pelos próximos dias. Eu não era um ladrão assassino, eu não era um pária! Eu não era! Eu não tinha escolha, era uma guerra.
Não havia uma casa por perto, o que constituía uma vantagem para mim, pois poderia me embrenhar no mato e desaparecer antes que qualquer um me visse e pudesse me delatar parra os inimigos. Agora todos eram o inimigo… Eu havia desertado fazia duas semanas, e já não sabia com quem poderia contar: os antigos aliados me levariam para a prisão, e os inimigos provavelmente também. Nos dois casos, a pena provável, seria de morte. E era a sobrevivência da humanidade que estava em jogo…
– Filho, espera, não faça isso, está tudo bem… acalme-se, largue essa arma, vem vamos pra casa…
Aquela voz me era conhecida, mas meus pais estavam mortos, os inimigos haviam os assassinado ainda nos primeiros dias da invasão. E desde então estourara uma guerra.
Ouvi um disparo, olhei em minha barriga, havia sangue em meu flanco: – Não se aproximem, vocês querem me enganar, eu sei – eu disse. Você não é meu pai, vocês não são amigos!
– Filho, por favor, largue essa arma amor, você está ferido… nós cuidaremos de você, vai dar tudo certo, você vai ficar bem…. – fiquem longe de mim! Desgraçados!
Minha mãe, aquela voz era dela, mas não poderia ser ela, ela estava morta… muitas outras vozes vinham de todos os lados, e a mata parecia ser substituída por um asfalto a medida que as vozes embaralhavam e confundiam minha mente. Era como se eu estivesse em uma matrix, mas não, eu estava na guerra e eles ainda não haviam dominado tudo… Deveria ter algum alucinógeno naquela comida que eu roubara. Não era possível! Nada daquilo era possível! Eu estava delirando, precisava ter cuidado…
Corri até o outro lado da rua, os carros não paravam de ir e vir frenéticos. Eu queria paz. Ouvi uma sirene, foi quando soube que estava emboscado… “Se você continuar assim, vai acabar se perdendo…” Não! Eu não podia me entregar, não agora… Então vi a chance: ela parecia ter uns cinco anos de idade, era tão bela, quase parecia real… Atirei naqueles que a acompanhavam, sabia que era tudo uma farsa, ela, provavelmente como todos os outros alienígenas, tinha muito mais idade que eu. Tudo aquilo era um disfarce.
Pressionei a arma contra sua cabeça e a levei comigo. Ela chorava como uma criança de verdade que vê seus pais morrerem… Bobagem! Eles haviam dominado o mundo, ela não era humana… Até alienígenas tem sentimentos! Mas eles não mereciam piedade… A rua estava cercada, e eles apontavam suas armas para mim. Era uma questão de minutos até que eu estivesse morto, mas eu não ia deixar que me escravizassem. Eu não poderia deixar. Morreria com dignidade levando o máximo deles comigo.
Aniquilar o maior número de alienígenas que eu pudesse. Esse era meu último mantra… E era divertido, comecei a rir atirando naquela falsa criança, e depois nos homens vestidos de branco que se aproximavam e naqueles de azul… levei um tiro no ombro, tentei disparar novamente, mas minhas balas acabaram.
Então eu cai. Era sangue para todo o lado: sangue verde! Alienígenas! Eu sabia! Nesse instante senti algo como uma formiga em meu pescoço: – Acabou! – pensei pouco antes de desmaiar.
Acordei com várias pessoas me observando através de um vidro, eles me lembravam antigos parentes e amigos. Estavam tristes. Eu estava morto? Ou eles ainda queriam me enganar?
Uma voz tranquilizadora sussurrou no meu ouvido: “está tudo bem agora, acabou.”
Então olhei para o lado e a vi! Não era um sonho: era ela, loira, de olhos azuis, e sua voz era a mesma: suave e amiga… Mas meus braços e minhas pernas estavam atados a uma cama.
Eu estava imobilizado, queria dizer para ela que não se fosse, que não me deixasse ali sozinho. Mas estava grogue, mal conseguia mover minha boca. Tudo estava confuso. Eu a amava, eu sabia que a amava. De onde eu a conhecia? Ela era humana? Ou era um deles? Eu não sabia…
Perdi a noção do tempo em que fiquei naquele local antes de ser levado para outra sala. Estava com as pernas e os braços acorrentados. Eu era um prisioneiro. Só que ela… por que ela não era? Como é que ela estava ali?
Na sala onde fui deixado haviam pessoas babando ou falando como lunáticos. Éramos suas cobaias, só poderia ser isso. Por isso eu ainda estava vivo… Eu não conseguia coordenar muito meus movimentos — “lobotomia” — ouvi alguém falar –“Amanhã…” – agora estava claro, mas por quê? Porque me pouparam? A TV era a única distração naquele ambiente tétrico, passava uma novela acho, e depois o noticiário…
No jornal, estavam dando destaque a um assassino em massa que fora finalmente capturado. Ele havia matado a sangue frio mais de dez famílias nos últimos dias, antes que fosse imobilizado e preso pela polícia. Era um milagre que tenham conseguido capturá-lo com vida. – Algum psicopata louco, deviam tê-lo matado – pensei. Mas fiquei feliz que ele estivesse finalmente fora de circulação. Fiquei mesmo horrorizado com aquilo: – Como alguém poderia ser tão cruel? Era um louco, só podia. Ele matou a sangue frio uma criança na frente das câmeras! Comecei a chorar… pela criança, e porque o mundo havia sido dominado definitivamente pelos alienígenas, e todos fingiam que nada aconteceu. A humanidade estava no fim… Talvez eu fosse um dos últimos.
Ela se aproximou, e fechei então os olhos depois de tomar uma injeção. E ela sussurrou em meu ouvido: “Acabou querido, acabou… agora tudo ficará bem”
E é tudo que lembro antes do dia de hoje.
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É fundador e um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Internet Jornal. Foi presidente do IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga por três anos. fundou o MIS – Museu da Imagem e do Som de Itapetininga, do qual é seu secretário até hoje, do INICS – Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e do Instituto Julio Prestes. Atualmente é conselheiro da AIL – Academia Itapetiningana de Letras.