Alexandre Rurikovich Carvalho
“Nasci para consagrar as Letras e as Ciências”: ‘O Humanismo Científico do Imperador Dom Pedro II’


Resumo. A frase “Nasci para consagrar as Letras e as Ciências”, atribuída ao Imperador D. Pedro II, condensa sua visão de mundo e sua autocompreensão enquanto monarca intelectual. Este artigo analisa o significado histórico da expressão, contextualizando-a na formação educacional do soberano, em seu engajamento com o desenvolvimento científico e cultural brasileiro e nas políticas públicas que implementou ao longo de seu reinado (1840–1889). Fundamentado em estudos historiográficos recentes e em documentação da época, o trabalho demonstra que a frase representa um programa de vida baseado no iluminismo tardio, na valorização da educação e no mecenato científico, características que consolidaram o Império do Brasil como centro de produção intelectual no século XIX.
Palavras chaves: Dom Pedro II; Letras; Ciências; Império do Brasil; História Intelectual.
1. Introdução
O Imperador Dom Pedro II (1825–1891) ocupa um lugar singular na história política e intelectual do Brasil. Educado desde cedo para o exercício da monarquia, foi instruído rigorosamente nos princípios do Iluminismo, da filologia, das ciências naturais e das artes liberais. Em diversos documentos, cartas e declarações, o monarca expressou sua profunda inclinação pelos estudos, sendo célebre a frase: “Nasci para consagrar as Letras e as Ciências”.
Essa afirmação, longe de figurar como mero recurso retórico, revela a identidade intelectual do imperador e seu projeto civilizatório: construir um país moderno, instruído e capaz de dialogar com os centros científicos da Europa e dos Estados Unidos. O presente artigo busca analisar essa frase como síntese do humanismo científico de Pedro II e como chave interpretativa de seu governo.
2. Contexto histórico e intelectual da formação do monarca
A educação de Dom Pedro II foi marcada por forte influência de pensadores liberais e humanistas. Seus professores – entre eles Silvestre Pinheiro Ferreira, Manuel Inácio de Andrade Souto Maior (Visconde de São Leopoldo) e Monsenhor Joaquim Gonçalves de Azevedo – estruturaram sua formação a partir de disciplinas como linguística, literatura, moral, filosofia, matemática, geografia, astronomia e história universal.
Aos 15 anos, o jovem imperador já dominava diversas línguas, entre elas francês, inglês, alemão, árabe, grego e latim, além de demonstrar interesse peculiar pela literatura clássica, paleografia, geologia e etnografia. Seus diários de leitura revelam uma rotina intelectual intensa, que incluía não apenas leituras sistematizadas, mas também resenhas, reflexões e traduções de textos antigos.
No século XIX, em que a ciência avançava rapidamente – com a ascensão do positivismo, da medicina higienista, da física experimental e dos estudos evolucionistas -, Pedro II posicionou-se como um mediador entre o Brasil e o mundo científico emergente.
3. A frase como expressão da identidade intelectual do imperador
A frase “Nasci para consagrar as Letras e as Ciências” funciona como síntese do ethos intelectual do soberano. A partir dela é possível observar:
3.1. Autopercepção como monarca ilustrado
Dom Pedro II via-se não apenas como governante, mas como estudioso. Há inúmeros registros de visitantes estrangeiros que se surpreenderam ao encontrá-lo em bibliotecas, observatórios e instituições de pesquisa, em vez de palácios ou cerimônias de caráter exclusivamente protocolar.
3.2. Missão civilizadora da instrução pública
Para Pedro II, a educação era instrumento de transformação social e motor do progresso nacional. Sua frase denota compromisso com a difusão do conhecimento, compreendido como condição essencial para o desenvolvimento de uma sociedade livre, moderna e racional.
3.3. Culto ao saber como fundamento moral do reinado
O imperador demonstrava profundo respeito pelos professores, cientistas e literatos, frequentemente afirmando que a figura do educador era mais nobre do que a do próprio imperador. Assim, a frase simboliza sua convicção de que o exercício do poder deveria estar subordinado ao conhecimento.
4. As políticas públicas de promoção das Letras e das Ciências
Durante seu reinado, Dom Pedro II promoveu o fortalecimento das instituições científicas, a valorização da cultura e inúmeras iniciativas educacionais. Entre as principais:
4.1. Incentivo às instituições científicas
- Reestruturação do Museu Nacional, que se tornou referência em arqueologia, botânica e mineralogia.
- Apoio direto ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).
- Criação e financiamento do Observatório Astronômico do Rio de Janeiro.
- Patrocínio de missões científicas, como as expedições de naturalistas estrangeiros pelo território brasileiro.
4.2. Avanços na educação
Apesar das limitações estruturais do período, houve avanços notáveis:
- criação de liceus provinciais;
- ampliação da instrução primária;
- incentivo ao ensino técnico, militar e científico;
- envio de bolsistas brasileiros à Europa para especializações.
Pedro II defendia reformas educacionais mais profundas, muitas das quais só seriam implementadas no século XX.
4.3. Política cultural e literária
O imperador apoiou escritores, poetas, inventores e artistas. Manteve correspondência com nomes como Victor Hugo, Alexandre Herculano, Pasteur, Ernest Renan, Humboldt, Graham Bell e outros.
Sua aproximação com o universo artístico e acadêmico conferiu ao Brasil maior visibilidade cultural no cenário internacional.
5. Dom Pedro II no século da ciência
O século XIX foi marcado por grandes revoluções científicas, como a popularização da fotografia, a invenção do telefone, o avanço da física moderna, a consolidação da biologia evolucionista e a expansão do telégrafo.
Pedro II se envolveu pessoalmente em tais inovações. Foi um dos primeiros chefes de Estado a experimentar o telefone de Graham Bell. Adepto da fotografia, usou-a para registro documental e científico. Interessou-se por literatura oriental, arqueologia do Oriente Médio e estudos antropológicos, campos que ainda se estruturavam globalmente.
6. A dimensão simbólica e o legado da frase
O legado da frase “Nasci para consagrar as Letras e as Ciências” ultrapassa sua dimensão autobiográfica e se torna símbolo de um projeto nacional. Seu impacto pode ser observado em três níveis:
6.1. Histórico
A frase sintetiza um período de forte investimento cultural, científico e educacional, que posicionou o Brasil como centro intelectual da América Latina.
6.2. Político
Revela uma visão de Estado que reconhece a educação como instrumento de emancipação social.
6.3. Civilizacional
Materializa o ideal ilustrado: progresso, racionalidade, ciência e cultura como eixos do desenvolvimento.
Mesmo após a Proclamação da República, o imperador manteve seus estudos, demonstrando que sua dedicação ao conhecimento era componente intrínseco de sua identidade.
7. Considerações finais
A frase atribuída a Dom Pedro II reflete uma vida orientada pelo compromisso com a educação, a ciência e a cultura. Em um Brasil ainda politicamente instável e socialmente desigual, o imperador buscou construir instituições permanentes e fomentar a produção intelectual.
Seu legado permanece atual, sobretudo em um contexto em que a valorização da ciência e do pensamento crítico se mostra essencial para a consolidação de sociedades democráticas. Dom Pedro II tornou-se, assim, não apenas figura política, mas símbolo de respeito ao saber, ao humanismo e à construção de um país baseado na força da inteligência.
Alexandre Rurikovich Carvalho
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Natural de Nova Iguaçu (RJ), é licenciado em História, tecnólogo em evento, pós-graduado em História do Brasil, pós-graduado em História antiga, medieval e contemporânea, pós-graduado em ciências políticas, pós-graduado em Filosofia, pós-graduado em patrimônio histórico, artístico e cultural, jornalista, filósofo, produtor cultural, escritor, coautor de mais de 40 obras literárias, autor de dezenas de pesquisas e artigos históricos, Doutor em Filosofia Univérsica, Ph.I – Philosophos Immortalem, Doctor of Philosophy in Peace da International University of Higher Martial Arts Education, Agente de representação diplomática dinástico-cultural com status de Embaixador Honorário da Organização Internacional de Diplomacia Cultural, Detentor de centenas de títulos, medalhas e condecorações concedidas por instituições no Brasil e no exterior, Presidente da Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes – FEBACLA, Diretor do Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos e Grão-Chanceler Internacional da Paz.

