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Élcio Mário Pinto: 'Liliane e o enterro'

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Élcio Mário Pinto: ‘LILIANE E O ENTERRO’

Uma homenagem à Liliane Barboza, de Taperoá/PB

 

A coragem da moça era conhecida e ninguém duvidava. Nem mesmo os valentões das terras de Batalhão se atreviam a dizer que Liliane sofria daquilo que se evitava: um enterro.

Embora muita gente se disponha a passar por velório, o assunto é sempre evitado. Mais do que tristezas e saudades, falar de enterro parece trazer para mais perto de quem fala e de quem ouve aquilo que ameaça todo vivente. Para quem respira, não há o que se compare à morte. Como diziam os mais velhos da terra: é definitivo demais!

Liliane, naquela segunda-feira, um dia que já era difícil por sua própria natureza, pensava no inevitável assunto. Dizia para si mesma:

– Talvez seja a melhor das decisões do Criador, afinal, ninguém está acima dela ou possa se sentir melhor do que qualquer outra criatura. Se há uma verdade que não se pode negar é esta: todos morrem! Então, pode abaixar esse nariz empinado!

Foi com estes pensamentos em voz alta, como era de seu costume, que a moça encontrou-se com um fato desconhecido, estranho e interessante, tudo ao mesmo tempo:

– Não é que vocês têm mais solidariedade do que a Humanidade!

Aquela conversa, sem a participação de outra pessoa, acontecia entre ela e uma centena de formigas.

E se alguém dissesse a ela:

– E tu, fala com formiga, é?

A resposta não seria outra:

– Falo sim, por quê? Quer aprender o que já deveria saber?

Se era uma pessoa dedicada aos amigos e prestativa em tudo o que dela dependesse, também não gostava de perguntas que considerava “sonsas”. A sonseira para Liliane era a atitude de quem se faz de inocente mas, no fundo, quer ridicularizar alguma coisa que não aprova. Então, usa de uma situação para zombar da pessoa com que fala.

Pelo que se sabe, alguns até queriam perguntar do que se tratava. Só faltava mesmo era coragem para questioná-la.

O que a impressionou, verdadeiramente, naquela visão que tirava o véu que cobria toda a Natureza, foi a ação das formigas diante de um bicho-pau que já estava morto. Era um inseto comum em sua região, por sinal, com uma curiosa capacidade de se misturar aos gravetos de madeira e à vegetação.

Ao ver o que faziam as formigas, Liliane, por algum momento, abaixou-se, observou cuidadosamente e chorou!

– Não é possível que tenham tantos cuidados com o falecido!

As formigas, em fila, carregavam o bicho-pau. Estavam numa procissão, ela não teve dúvida.

– Quer dizer então, que a procissão é uma tradição de formigas?

Ao se perguntar, a resposta foi uma só, afinal, todos sabemos que na Terra, as formigas existem há muito tempo, aliás, muito antes dos humanos. Então, ou a Humanidade inventou a tal da procissão ou aprendeu com as formigas. E, como sabemos e aprendemos na escola, na Natureza as coisas não se acabam, mas se transformam. Aí, a moça respondeu à sua própria pergunta:

– Sem dúvida, nós aprendemos com vocês!

Naquela sua caminhada pela manhã de uma segunda-feira, Liliane descobria um dos grandes mistérios da existência: a procissão na morte é um agradecimento pela Vida.

– É claro que é! – Disse em voz alta a moça, que parecia conversar com as pequenas e sabidas criaturas, todas conhecedoras do subterrâneo e tão cuidadosas com os mortos.

Longe de ser o final da inexplicável experiência, ela viu que as formigas não levavam o bicho-pau para dentro do formigueiro.

– Que coisa mais estranha!

Insetos carregam insetos mortos. Ora, isso todo mundo sabe, todo mundo já viu! O que ninguém nunca viu, até aquele dia, foi o que os olhos de Liliane puderam contemplar: as formigas, em procissão, uma parte na frente, outra parte carregando o falecido e a terceira parte atrás, não levaram o inseto para o formigueiro. Num ponto da caminhada, todas pararam. As operárias, então, cavaram, na terra fofa do chão, o que só podia ser uma cova. Aquelas que carregavam, adiantaram-se e depositaram o bicho-pau na cova pronta. Em seguida, todas começaram a plantá-lo na terra, a enterrá-lo.

Ao ver o movimento e encantada com o presente de uma visão que jamais esqueceria, a mulher forte do Cariri teve tempo de colocar uma pequeninha folha verde para cobrir o bicho-pau.

Quando o fez, viu que as formigas se afastaram, mas não correram. Na verdade, deram-lhe espaço para agir, como acontece na Natureza. Ela, que tão sabida continua a oferecer espaços e oportunidades para cada criatura viva! É só uma questão de perceber, entender e fazer, não perder oportunidades para aprender a viver e a conviver.

Ali, naquele enterro de um bicho-pau pelas formigas, Liliane aprendia uma convivência que toda a Natureza oferecia: na morte, a vida se despede para conhecer outra Natureza!

A segunda-feira estava longe de se acabar. Ainda era cedo, não passava das 7h00. Mas, o que Liliane entendeu é que para a convivência, a união das boas forças ajudam até no consolo da mais difícil verdade que todos sabemos e evitamos…

Para contar o que aconteceu às crianças na escola do bairro, ela começou dizendo:

– E não é que as formigas foram para o velório e cuidaram do enterro também!

 

ÉLCIO MÁRIO PINTO – elcioescritor@gmail.com

12/10/2017

Sorocaba/SP

Sergio Diniz da Costa
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