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O leitor participa: Renata Rodrigues nos apresenta sua tia Nena em: ‘Dizia minha tia…’ 8

 Tia Nena

(…) Curiosa, esperou que a abrissem e, como os demais, pôde ver em seu conteúdo apenas uma lata um pouco maior que uma tradicional lata de pó Royal…

 

Dizia minha tia, do alto de sua sabedoria que “a ignorância é uma benção!”

Concordo de todas as maneiras e já vivi e ouvi situações onde era melhor não ter o conhecimento da causa.

Uma delas se passou com um amigo chamado Pascalle, mais velho que eu uns vinte anos,  descendente de italianos e que veio com os pais e os irmãos mais velhos para o Brasil nos anos 50.

Durante sua infância era comum receberem pacotes vindos da terra mãe com os mais diversos sortimentos: de brinquedos a remédios, alimentos e documentos. As remessas demoravam meses para chegar à sua casa, pois vinham de navio, ou por conhecidos que voltavam de viagem vez ou outra. Telefone era coisa de gente rica e o correio funcionava como a principal comunicação entre as partes da família, porque para um bom italiano todos são família: avós, tios, primos e até cunhados.

Um dia ao chegarem a casa, a vizinha lhes entregou uma caixa que o carteiro havia trazido pela manhã. Curiosa, esperou que a abrissem e, como os demais, pôde ver em seu conteúdo apenas uma lata um pouco maior que uma tradicional lata de pó Royal. Ao abrirem encontraram um pó assim, parecido com pimenta do reino. Seu pai mexeu a latinha e, soltando o conteúdo já compactado, molhou o dedo indicador na língua, molhou no pó e voltando o dedo à língua disse:

─ Parece condimento… tio Pepê deve estar vendendo a prezzo del’ouro na Toscana!

Apesar de família, seu pai se mordia pelo sucesso do cunhado nos negócios de gastronomia nessa cidade da Itália.

Procuraram por toda caixa e nenhuma identificação, rótulo ou bilhete explicando do que se tratava. Educadamente, deram um pouco da especiaria para a prestativa vizinha e seguiram com a vida, testando o pó “vindo de lá” em vários pratos preparados daquele dia em diante.

Mas, nada da iguaria dizer a que veio: nenhum sabor especial ao molho de tomate, ao recheio do ravioli ou tampouco à sopa de capeletti. E seu pai a reclamar da suposta fortuna do marido de sua irmã com algo tão insonso: era mesmo um impostore a ganhar a vida com a boa-fé dos outros.

Passado algum tempo a lata foi abandonada na dispensa com quase nada ao fundo e sua mãe decidiu não falar mais do assunto para o bem dos humores e estômagos de todos. Nem mesmo a vizinha tão prendada conseguiu fazer bom uso do presente e, quando ninguém mais se importava com isso, o carteiro deixou embaixo da porta de entrada um envelope todo amassado com um pequeno bilhete escrito em italiano e com data antiga que sua mãe leu em alto e mal português:

Querido irmão: com tristeza lhe envio parte das cinzas de nossa mãe, que faleceu no último domingo de Páscoa. Assim que a receber, por favor, mande rezar uma missa em sua memória. Com amor, Giordana!

Sim. A ignorância é uma benção, meu amigo poderia ter vivido em paz sem saber que tinha comido sua avó depois de morta!

 

Sergio Diniz da Costa
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