outubro 05, 2024
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Paulo Roberto Costa: 'O apagão'

“A noite ficou barulhenta, com os sons do trânsito congestionado por toda a cidade, dos gritos das pessoas pelas ruas e do ir e vir de ambulâncias e viaturas de polícia. À parte disso tudo, na verdade a cidade parecia estranhamente calma.

 

Era uma noite quente de verão, por volta das 20h00 de um dia de todo comum.

Confortavelmente esparramado em um sofá, eu recebia do telejornal minha dose diária de más notícias, quando, improvisamente, as luzes se apagaram. Embora esse não fosse um acontecimento frequente, tinha já ocorrido algumas vezes. Fiquei esperando que as luzes voltassem, um tanto aborrecido pela inconveniência, mas contente por já estar em casa, pensando no caos que isso deveria causar ao já complicado trânsito da cidade.

As luzes voltaram alguns minutos mais tarde, mas muito fracas, com a metade da energia, para, em seguida, desaparecerem novamente. Olhei pela janela do apartamento e percebi que esse não era, como eu pensava, somente um problema da vizinhança, uma vez que toda a cidade estava às escuras.

Com o passar do tempo, tendo perdido já toda a esperança que a luz fosse retornar logo, comecei a procurar por fósforos, lanternas e velas, um pouco preocupado por todas as atividades que eu tinha me proposto a fazer naquela noite. Encontrar qualquer daquelas coisas provou não ser algo tão fácil, afinal eu sequer conseguia me lembrar da última vez que tinha precisado de uma lanterna – embora tenha cinco ou seis delas – para não falar de velas, que não tinha sequer ideia de que existisse uma em casa. Depois de alguma busca no palheiro dos armários, tendo encontrado finalmente os fósforos, consegui encontrar um pedaço de vela e, com ela, achar minha última aquisição em matéria de lanternas, apenas para constatar que não tinha pilhas e que o único lugar onde poderia consegui-las, àquela hora, seria no supermercado, a algumas quadras de distância, no meio daquele terrível e escuro mundo lá fora.

Uma hora mais tarde, tendo já tinha desistido de me preocupar com luzes ou de fazer qualquer outra coisa, fiquei à janela, pacientemente olhando do décimo andar, a cidade lá embaixo, mergulhada na escuridão, tentando imaginar o que poderia estar acontecendo.  Por meio de um radinho de pilhas, descobri que o “apagão” não era um problema isolado e restrito, mas algo que estava afetando todo o estado ou até mesmo todo o país! Não pude deixar de imaginar um ato de terrorismo, a explosão de uma guerra contra um inimigo desconhecido, uma invasão alienígena ou o início do apocalipse.

A noite ficou barulhenta, com os sons do trânsito congestionado por toda a cidade, dos gritos das pessoas pelas ruas e do ir e vir de ambulâncias e viaturas de polícia. À parte disso tudo, na verdade a cidade parecia estranhamente calma. Nenhuma explosão, nenhum bombardeio, tiros, invasões, nenhuma daquelas fantasias que minha fértil imaginação e meu desespero por quebrar a monotonia de vida tinham construído.

Percebendo que na verdade aquilo não passava de uma queda de energia, provável resultado da incompetência da nossa companhia elétrica, coloquei de lado minhas preocupações e comecei a apreciar aqueles momentos de escuridão. Ela tinha causado uma pausa forçada no turbilhão do meu dia a dia. Tive que ficar quieto, incapaz de ler, escrever ou fazer qualquer outra coisa, exceto esperar e contemplar o céu, que se mostrava inusitadamente estrelado; uma imagem rara por aqui e que me reportou à minha infância no interior, quando costumávamos deitar à noite no chão das calçadas em frente de casa e ficar por horas contemplando as estrelas, tentando reconhecer alguma constelação ou simplesmente buscando alguma estrela cadente.

Essas lembranças trouxeram-me uma sensação de paz e tranquilidade que eu não sentia há muito tempo. Até aquele momento eu não tinha sequer consciência de que necessitasse tanto dessa sensação. Isso me fez refletir sobre esse louco jogo de dar e tomar que jogamos em nossas vidas diárias, como consequência do nosso estilo de vida; os preços que temos que pagar pelo sucesso, desenvolvimento profissional e todas as demais exigências da vida moderna.

Fiquei a imaginar quão pacífica deveriam ter sido as noites sem luz das antigas gerações. Imaginei que até mesmo os laços familiares deveriam ter sido mais fortes e estreitos, uma vez que tendo muito pouco a fazer à noite, as pessoas deveriam passar mais tempo juntos, compartilhando suas ideias, pensamentos, sentimentos, sonhos, temores e esperanças, sem ter nenhuma das armadilhas modernas que interferem tanto nos relacionamentos, como televisão, celulares, rádios, computadores, cinemas, teatros, shows e assim por diante.

Quando as luzes finalmente retornaram, ouvi os gritos de comemoração da vizinhança e em questão de minutos a vida pareceu voltar ao normal. Da minha janela eu podia ver nos prédios vizinhos as televisões sendo religadas, as pessoas acendendo todas as luzes de seus apartamentos como que para compensar as horas de escuridão e expulsá-la definitivamente e, paulatinamente, retornar para suas insípidas atividades caseiras.

Permaneci ainda por um longo tempo à janela, pensativo e até um pouco desiludido por tudo ter voltado ao “normal”, embora me sentisse calmo e relaxado, observando ao longe os arredores da cidade, que parecia de alguma forma tão diferente e estranha agora sob aquele lindo céu, cujas maravilhosas estrelas tinham desaparecido novamente.

 

Paulo Roberto Costa – paulocosta97@gmail.com

Sergio Diniz da Costa
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