outubro 05, 2024
Línguas e linguagens
Meta – Linguagem
Desalento
Averso
Uma linha férrea, um córrego, muita nostalgia
Márcio Castilho lança De Todos os Tons
No Jornal ROL, a alma fluminense de Augusto Damas!
Últimas Notícias
Línguas e linguagens Meta – Linguagem Desalento Averso Uma linha férrea, um córrego, muita nostalgia Márcio Castilho lança De Todos os Tons No Jornal ROL, a alma fluminense de Augusto Damas!

Paulo Roberto Costa: 'Correr ou lutar?'

 “O horário era propício para o tipo de foto que eu queria fazer, embora um tanto quanto inadequado para quem vive em uma megalópole onde a segurança é apenas uma vã promessa de políticos que não sabem sequer soletrá-la.”

 

Passava da meia-noite. Uma noite clara e agradável. Depois de meditar durante alguns dias tinha me decidido finalmente a fotografar um monumento à noite, majestosamente iluminado, que fica próximo à minha residência. Algumas quadras apenas. A fotografia é um dos meus hobbies prediletos, que me ajuda a manter um pouco da sanidade que o dia a dia insiste em querer afetar.

O horário era propício para o tipo de foto que eu queria fazer, embora um tanto quanto inadequado para quem vive em uma megalópole onde a segurança é apenas uma vã promessa de políticos que não sabem sequer soletrá-la.

As ruas estavam relativamente desertas e, enquanto caminhava, ficava me questionando se esta tinha sido realmente uma boa ideia. Pensava em quanto tinha gastado com os equipamentos que estava levando em minha mochila e em todas as histórias de roubos e assaltos que ocorrem pela cidade. Escolhi o caminho com cuidado e atenção, olhando atentamente às poucas pessoas que passavam  e refletindo se eu não estaria simplesmente exagerando, tendo como base apenas as estatísticas e notícias ruins que abundam os noticiários que envenenam nosso combalido espírito com doses diárias de desgraças.

Conforme caminhava, ia, aos poucos, me acalmando e aproveitando a noite e o relativo silêncio das ruas que, paulatinamente, recolhiam todo o trânsito, de carros e de pessoas.

Comecei a convencer-me da minha quase neurose, lembrando-me da quantidade de pessoas que caminhavam sozinhas por essas ruas a essas horas, por obrigação ou necessidade. Elas não podem se dar ao luxo de sentir medo. Foi quando me dei conta que estava em uma rua bastante deserta. Vi, um pouco adiante, na calçada oposta, três indivíduos que vinham em sentido contrário. Senti imediatamente certo desconforto nas minhas entranhas e uma sensação estranha que percorreu todo meu corpo. Lembrei-me instantaneamente da minha experiência de estar do lado errado de uma arma durante um assalto. Nada agradável. As cenas jamais deixaram a minha mente.

Instintivamente minhas glândulas suprarrenais jogaram um jato de adrenalina na corrente sanguínea. Como resultado, minhas pupilas se dilataram mais que as lentes da minha câmera, aguçando minha percepção visual. Meus músculos se retesaram, prontos para uma ação de emergência. Minha respiração se acelerou, pois eu precisaria aumentar a captação de oxigênio necessário para os músculos. Meu coração disparou para aumentar o fluxo de sangue aos órgãos vitais. A boca secou como se eu tivesse acabado de sair de um deserto onde tinha ficado dias procurando inutilmente por água.

Tentei parecer o mais calmo e despreocupado possível enquanto o trio se aproximava. Meu cérebro, normalmente tão racional quanto meu signo capricorniano alardeia, trabalhava em uma velocidade supersônica avaliando todas as alternativas… Correr ou lutar? Foi quando os indivíduos atravessaram a rua! E vieram diretamente em minha direção! Correr já não era uma alternativa. Lutar? Com o quê? Apesar dos meus noventa quilos distribuídos em um metro e oitenta de altura, lembrei-me de um ditado comuns nos salões de jogos: “um 38 ganha de quatro ases”. Assim, nem correr, nem lutar. Continuei caminhando como se eles não existissem ou fossem uma simples miragem pela qual eu pudesse atravessar despercebidamente.

Foi quando eles me abordaram. Um deles estava de boné e era quase do tamanho de um armário que tenho em casa. O outro, nem vi direito pois só olhava para a rua. Mais espreitava que olhava. O terceiro, um pouco mais franzino, deu uma espécie de sorrisinho mostrando os poucos dentes que ainda tinha e me perguntou: “E ai mano, cê sabe onde fica a estação do metrô?” Tentei desgrudar os lábios secos para dar alguma resposta, lutando contra a lógica que dizia que àquela hora as estações já estariam fechadas. Que a pergunta tinha sido meramente retórica. Balbuciei algo como “virando aquela esquina ao final da rua” e apontei para o lugar mais longe de mim que pude encontrar. O indivíduo, com o mesmo sorrisinho congelado, me agradeceu e os três seguiram na direção que eu havia indicado. Enquanto se afastavam senti que meus olhos se reviraram nas órbitas querendo olhar pela nuca. Todo o meu ser acompanhava cada um daqueles passos. Alguma coisa parecia errada… Permaneci estático esperando o que julgava inevitável. Depois de um tempo, que eu não soube precisar, respirei profundamente, consegui despregar meus pés do chão e voltei a caminhar, sem a menor intenção de olhar para trás. Atravessei mais algumas ruas, que pareciam mais escuras ainda e cheguei finalmente até o monumento, que, agora, já não me parecia mais tão bonito ou majestoso assim. Só maravilhosamente iluminado.

Sentei-me em uma mureta revivendo cada um daqueles últimos momentos. Sentia um misto de alivio e surpresa. Pensei até tirar algumas fotos, mesmo que somente para registro. Foi quando, então, me lembrei que teria que fazer o mesmo caminho de volta para casa…

 

Paulo Roberto Costa – paulocosta97@gmail.com

Sergio Diniz da Costa
Últimos posts por Sergio Diniz da Costa (exibir todos)
Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial
Pular para o conteúdo