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Herzog, assassinado no DOI-Codi em outubro de 1975 |
Dentre as centenas de cidadãos idealistas que, mesmo não tendo pegado em armas contra as ditaduras chilena e brasileira dos anos de chumbo, foram por elas bestialmente assassinados, os mais conhecidos eram, respectivamente, o músico Victor Jara e o jornalista Vladimir Herzog.
Enquanto nove militares responsáveis pela execução do primeiro acabam de ser condenados exemplarmente pela Justiça de lá, os carrascos de Herzog continuam desfrutando a impunidade eterna que lhes foi concedida pelo Legislativo e o Judiciário daqui.
Apesar da coragem e combatividade da viúva de Vladimir Herzog, as únicas vitórias de Clarice na Justiça brasileira foi conseguir em 1978 que a União fosse responsabilizada pela morte; e, em 2013, que se emitisse um novo atestado de óbito, com a causa mortis sendo alterada de “asfixia mecânica por enforcamento” para “lesões e maus tratos”.
Já a Corte Interamericana de Direitos Humanos aceitou a queixa de Clarice e iniciou o julgamento em maio de 2017, sem prazo para terminar. Mas, embora ela integre o sistema de proteção dos direitos humanos da OEA, o governo brasileiro não está obrigado a acatar a sentença que emitirá. Foi o que fez com a contundente decisão da corte, de novembro de 2010, sobre os extermínios no Araguaia. O peso moral de sua conclusão, contudo, será enorme.
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Jara, assassinado no Estádio do Chile em setembro de 1973 |
CONDENADOS POR SEQUESTRAR, MATAR E ACOBERTAR A EXECUÇÃO DE JARA
“O ministro encarregado dos processos de direitos humanos Miguel Vázquez Plaza condenou nove membros reformados do Exército por sua responsabilidade nos homicídios de Víctor Jara Martínez e do ex-diretor de prisões Littre Quiroga Carvajal, ocorridos em setembro de 1973 em Santiago”, informa comunicado desta 3ª feira (03/07) do Poder Judiciário chileno.
Vázquez condenou a 15 anos de prisão os oficiais Hugo Sánchez Marmonti, Raúl Jofré González, Edwin Dimter Bianchi, Nelson Haase Mazzei, Ernesto Bethke Wulf, Juan Jara Quintana, Hernán Chacón Soto e Patricio Vásquez Donoso como autores dos dois crimes.
Os militares –com patentes de tenente, coronel e brigadeiro– também receberam três anos de prisão pelo sequestro das duas vítimas.
O oficial Rolando Melo Silva foi condenado a cinco anos de prisão por encobrir os homicídios, e a 61 dias pelo acobertamento dos sequestros.
NA AUTÓPSIA SE ENCONTRARAM 44 BALAS CRAVADAS NO SEU CORPO
Um dos principais expoentes da chamada nueva canción chilena, movimento musical engajado às causas populares, Jara foi detido em 12 de setembro de 1973, um dia após a derrubada e assassinato do presidente socialista Salvador Allende.
Preso na Universidade Técnica do Estado, da qual era professor, foi conduzido ao Estádio Chile, convertido em campo de concentração e num dos maiores centros de detenção e tortura da ditadura de Pinochet. Lá estavam 5 mil prisioneiros, aproximadamente.
Havia controvérsias quanto às torturas sofridas antes de sua execução a tiros, quatro dias depois. No filme Chove sobre Santiago (d. Helvio Soto, 1975), ele é desafiado por um oficial a interpretar alguma de suas canções de protesto e o faz, cantando a Venceremos, sob os olhares de todos os presos sentados na arquibancada; matam-no, então, a coronhadas.
Correu também o boato de que ele haveria tido as mãos amputadas, mas, quando exumou-se o corpo de Jara em junho de 2009, ficou provado que suas mãos foram é esmagadas por golpes de coronha.
A causa da morte foram os tiros disparados contra ele (havia nada menos que 44 balas cravadas no seu corpo!). A autópsia também revelou que vários ossos estavam fraturados.
Em 2016, um tribunal da Florida julgou um processo aberto por parentes de Jara (a viúva Joan, a filha Amanda e a enteada Manuela) com base na Lei de Proteção à Vítima de Tortura dos EUA, que permite ações civis contra torturadores.
O ex-militar chileno Pedro Paulo Barrientos Nuñez, que para lá emigrou em 1990 e acabou adquirindo a cidadania estadunidense, foi condenado a indenizar em US$ 28 milhões a família.
Foi decisivo o testemunho de um antigo subalterno de Barrientos, o soldado José Navarrete, que relatou: “Ele se vangloriara de ter matado Víctor Jara. Costumava mostrar a pistola e dizer: ‘Matei Víctor Jara com isto’.
Outro ex-soldado do regimento comandado por Barrientos, Gustavo Baez, disse que teve de empilhar dezenas de cadáveres em caminhões.
Também depuseram dois antigos prisioneiros, que viram Jara ser reconhecido pelos militares, separado dos outros e violentamente espancado.
Um deles, Boris Navia, contou que Jara foi exibido como um troféu a outros oficiais, tendo um deles lhe esmagado a mão e partido o braço, enquanto dizia: “Nunca mais vais poder tocar guitarra”.
“Somos cinco mil
nesta pequena parte da cidade.
Somos cinco mil.
Quantos seremos no total,
nas cidades e em todo o país?
Somente aqui, dez mil mãos que semeiam
e fazem andar as fábricas.
Quanta humanidade
com fome, frio, pânico, dor,
pressão moral, terror e loucura!
Seis de nós se perderam
no espaço das estrelas.
Um morto, um espancado como jamais imaginei
que se pudesse espancar um ser humano.