— Não me julgo superior, e nunca me julgarei superior a ninguém, por que sei que todos, criados pela Mão Divina, temos o nosso valor. Não sou melhor, nem pior, sou a melancia.”
Numa fazenda bem grande, lá no sertão de Goiás, nasceram, perto do milharal, a dona Abóbora e dona Melancia. Eram pequenas e redondinhas. Bem bonitas, umas gracinhas. A terra onde elas nasceram era muito boa, e o clima quente e úmido favorecia para que elas crescessem rapidamente. Logo, logo, ficaram grandes e redondonas, gorduchas, maiores que as bolas de futebol. Todos que por ali passavam elogiavam-nas.
— Que lindas!… Como cresceram… Até dá dó de colhê-las…
Mas, entre os visitantes da fazenda, não havia unanimidade de opiniões. Uns diziam que a melancia era mais bonita e mais importante para o ser humano, porque ela era mais vermelha e bem doce. Outros, porém, discordavam dizendo que a abóbora era muito mais bonita, com sua casca mais robusta e de muito maior utilidade para os homens, porque dela faziam-se doces e compotas, como também, pratos salgados de origem africana, como o quibebe, e servia, ainda, para a alimentação dos animais da fazenda.
Estas manifestações parciais, que menosprezavam uma e engrandecia a outra criavam um clima de disputa entre elas.
Dona Abóbora, cheia de complexos de inferioridade, exteriorizava este infeliz sentimento, com o seu ar de superioridade, enaltecendo as suas próprias qualidades, repetindo as frases que ouvia dos transeuntes a seu respeito; claro, que sempre acrescentando algo mais:
— Ouviste, dona Melancia, o que aquele senhor alto, de bigode, falou a meu respeito? Ele disse que eu sou mais robusta e consistente, não sou aguada como Vossa Senhoria, dona Melancia! Sou mais útil na culinária, tanto para doces quanto para salgados.
Dona Melancia, humilde e singela, que não tinha o tal complexo, silenciosamente ouvia tudo o que sua adversária alardeava e, simplesmente, respondia:
— Não me julgo superior, e nunca me julgarei superior a ninguém, por que sei que todos, criados pela Mão Divina, temos o nosso valor. Não sou melhor, nem pior, sou a melancia.
Estavam nesta infrutífera discussão, quando passou por elas um homem de Deus que, ouvindo-as, disse:
— Posso entrar nessa conversa?
— Pois não, Homem de Deus, respondeu toda cheia de empáfia, dona Abóbora, julgando que ouviria muitos elogios a seu respeito.
Acudiu, então, o Homem de Deus:
— Perdoem-me por me intrometer na conversa alheia, mas, o que nós, criaturas do Deus Eterno, devemos levar em conta que não são as nossas diferenças físicas, nossas qualidades ou eventuais defeitos, porque todos, desde os bilhões de estrelas e os milhões de galáxias, ao mais ínfimo dos seres, somos a manifestação da Sua glória, e devemos servir uns aos outros. Assim como o lavrador cavou a terra, adubou-a e lançou as sementes de sua espécie, donde nasceram vocês, para admirar-se de suas virtudes, assim nos fez o Criador que tem prazer em vê-las crescer e servir aos homens. Amem-se, mesmo que sejam abóbora ou melancia.
Glossário:
Unanimidade – Todos com a mesma opinião;
Robusta – Forte, vigorosa, consistente, dura;
Menosprezavam – Do verbo menosprezar = ter em menos conta, pouco apreço, desprezar;
Complexos – (Psicol.) Sentimentos total ou parcialmente reprimidos, que determinam atitudes, ou comportamentos;
Exteriorizava – Do verbo exteriorizar = Tornar exterior; dar a conhecer; manifestar, externar, colocar para fora;
Enaltecendo – Do verbo enaltecer = Exaltar, engrandecer;
Transeuntes – Os que passavam pelo local;
Culinária – Relativo a cozinha, cocção de alimentos;
Singela – Simples;
Alardeava – Do verbo alardear = ostentar, publicar com vanglória, gabar-se;
Empáfia – Orgulho vão; soberba, altivez;
Eventuais – Por acaso, fortuito, ocasionais;
Galáxias – Aglomerado de estrelas;
Ínfimo – O menor de todos;
Espécie – Conjunto de indivíduos muito semelhantes entre si e aos ancestrais;
Virtudes – Qualidades
Nicanor Filadelfo Pereira – nicanorpereira@gmail.com
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Natural de Sorocaba (SP), é escritor, poeta, revisor de livros e Editor-Chefe do Jornal Cultural ROL. Acadêmico Benemérito e Efetivo da FEBACLA; membro fundador da Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA e do Núcleo Artístico e Literário de Luanda – Angola e membro da Academia dos Intelectuais e Escritores do Brasil – AIEB. Autor de 8 livros. Jurado de concursos literários. Recebeu, dentre várias honrarias: pelo Supremo Consistório Internacional dos Embaixadores da Paz, o título Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça; pela Augustíssima e Soberana Casa Real e Imperial dos Godos de Oriente o título de Conde; pela Soberana Ordem da Coroa de Gotland, o título de Cavaleiro Comendador; pela Real Ordem dos Cavaleiros Sarmathianos, o título de Benfeitor das Ciências, Letras e Artes; pela FEBACLA: Medalha Notório Saber Cultural, Comenda Láurea Acadêmica Qualidade de Ouro, Comenda Ativista da Cultura Nacional; Comenda Baluarte da Literatura Nacional e Chanceler da Cultura Nacional; pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos os títulos de Doutor Honoris Causa em Literatura, Ciências Sociais e Comunicação Social. Prêmio Cidadão de Ouro 2024