‘A importância da ferrovia no contexto geral: Cruzeiro foi terra de abate bovino e feminino’
Nas décadas de 40, 50, 60 e … 70, o Frigorífico Cruzeiro, da cidade de Cruzeiro/SP, foi um dos maiores da região, do estado e acredito, até mesmo do país. A empresa recebia bovinos de todo o Sul das Minas Gerais e Vale do Paraíba para o abate, comercialização e distribuição de suas carnes.
Nessa época tivemos também, em proporção igual a zona de meretrício”, outro destaque nacional, instalado no local que ficou conhecido como “Bairro do Norte” pelo fato das prostitutas pioneiras terem chegadas em Cruzeiro, a maioria, do “norte do país”, muitas, jovens viúvas ou abandonadas pelos maridos, convocados para servir fileiras na Guerra do Paraguai, ocorrido por volta de 1860.
O transporte de gado vivo era feito em grande escala pelas ferrovias que serviam e servem a cidade. A carga do Sul de Minas chegava em gaiolas de longas composições, e até mesmo em “trens mistos” (Compostos de vagões de carga e carros de passageiros!), pela Rede Mineira de Viação (bitola de 1 metro). Essas gaiolas tinham como destino final uma pequenina estação rural conhecida por Rufino de Almeida, há dez km antes de chegar no centro de Cruzeiro, onde havia rampa para o transbordo do gado, formando-se naquela localidade as famosas “boiadas” conduzidas por habilidosos cavaleiros, que vinham por dentro da cidade levantando uma nuvem de poeira infernal, passando pela hoje conhecida Lagoa Dourada, a Vila Paulo Romeu, adentrando pela famosa “Rua da Boiada”, nome dado por essa fato, antes da chegada no pasto do Frigorífico (onde hoje estão instalados todo o I e III Retiro da Mantiqueira e bairros adjacentes).
Já o transporte de gado vindo do Vale do Paraíba “fluminense” e “paulista”, chegava em vagões gaiolas pela ferrovia Central do Brasil (bitola de 1,60 m), e eram baldeados para dentro do Frigorífico, vez que existia um desvio apropriado para essa finalidade.
Nossas ferrovias foram também de grande importância para servir a “zona de meretrício” que tinha grande movimentação na época, pois, para quem não conhece, a nossa extinta e famosa “zona”, surgiu na cidade antes mesmo de Cruzeiro receber a sua certidão de nascimento, registro esse ocorrido no ano de 1901 (2 de Outubro). A zona se estabeleceu em Cruzeiro, salvo engano por volta de 1850, passando a servir os trabalhadores que por aqui se instalaram para trabalharem na construção das ferrovias do Rio de Janeiro/São Paulo (Central do Brasil) e em seguida a do Sul de Minas (Ferrovia Minas e Rio, nome inicial).
Vale ressaltar que haviam dois trens, ambos conhecidos por “noturno” e também “trem baiano”, da Central do Brasil, que estacionavam nas linhas secundárias da estação de Cruzeiro, um vindo do Rio de Janeiro, o outro, de São Paulo, que cruzavam e pernoitavam em nossa cidade, bem defronte a zona. A rapaziada do Vale do Paraíba Fluminense (Volta Redonda, Barra Mansa, Resende, Itatiaia e outros), vinha para a zona de meretrício de Cruzeiro, utilizando o trem noturno oriundo do Rio de Janeiro e que passava por suas cidades, com destino a São Paulo já a rapaziada que vinha do Vale do Paraíba paulista, utilizavam o “trem noturno” oriundo de São Paulo, da mesma forma, com destino ao Rio de Janeiro.
Ambos os trens chegavam em Cruzeiro por volta das 23 e “zero hora” e aqui pernoitavam até as 5h30 da manhã, quando cada uma das composições seguia o seu destino.
Após se esbaldarem na esbórnia cruzeirense, a rapaziada retornava para suas cidades de origem, trocando de composições. Isso aconteceu todos os dias e por anos a fio. Muitas vezes embarcamos, minha família e eu, ainda criança ou meninote, fosse para São Paulo ou para o Rio de Janeiro, nesses trens conhecidos por “baiano” e a algazarra predominava por igual, algumas vezes se tornando desagradável, com jovens “zoneiros” bêbados, rindo, falando alto e até mesmo besteiras, isso quando não provocavam discussões que tornavam o clima tenso, mas graças ao bom Deus nunca soube de gravidade maior. Era comum esses baderneiros terem a atenção chamada por passageiros.
Já a rapaziada do Sul de Minas que queria se divertir na “noitada eletrizante” de Cruzeiro, utilizada o TREM MISTO, que chegava em nossa estação entre 22 e 24 horas, e retornava impreterivelmente para os solos mineiros às 5h20 da madrugada.
E a nossa ferrovia não se fez importante apenas pelo fato de servir o Frigorífico e a “zona de meretrício”, teve participação efetiva na Revolução Constitucionalista de 1932, e também na Revolução de 1964, sendo Cruzeiro o ponto de transbordo de soldados e de material bélico, por ser o eixo de inªtegração do Rio de Janeiro/São Paulo/Minas Gerais.
Lembro-me que quando deflagrou a revolução de 64, eu completaria 9 anos de idade no final desse ano. Papai que era ferroviário, exercendo nessa época a função de Agente de Estação, me levou com ele e eu assisti, tanques de guerra, caminhões, metralhadoras sobre rodas, caixas e mais caixas de “tudo um pouco”, sendo baldeadas de vagões pranchas da Estrada de Ferro Central do Brasil para a Rede Mineira de Viação (Sul de Minas). Lembro-me ainda de inúmeros soldados em cima do telhado da estação, com metralhadoras em riste, vivendo eu todo aquele clima de apreensão pois, para onde seu nariz apontava havia soldados do Exército armados até os dentes.
Arrisco a dizer que a ferrovia mineira, surgida com o nome “Estrada de Ferro Minas e Rio”, passando a “Rede de Viação Sul Mineira”, depois “Rede Mineira de Viação” e ainda “Viação Férrea Centro Oeste” e encerrando suas atividades como “5ª Divisão Centro Oeste”, foi mais importante ainda, pois atendeu a Revolução de 32 durante todo o período de conflito, transportando soldados, alforges e material bélico para os “fronts de combates”, no alto da serra (tendo o grande tunel como pivô) e da mesma forma retornava a Cruzeiro trazendo os soldados feridos e mortos vitimados pelo confronto..
Mas não podemos esquecer que a cidade de Cruzeiro foi conhecida e admirada nacionalmente pelas suas carnes de primeiríssima qualidade, BOVINAS e …, FEMININAS, defumadas pelas brancas e densas fumaças das nossas sempre saudosas e queridas locomotivas a vapor, nossas singelas e belas MARIAS FUMAÇAS!
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Natural de Sorocaba (SP), é escritor, poeta, revisor de livros e Editor-Chefe do Jornal Cultural ROL. Acadêmico Benemérito e Efetivo da FEBACLA; membro fundador da Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA e do Núcleo Artístico e Literário de Luanda – Angola e membro da Academia dos Intelectuais e Escritores do Brasil – AIEB. Autor de 8 livros. Jurado de concursos literários. Recebeu, dentre várias honrarias: pelo Supremo Consistório Internacional dos Embaixadores da Paz, o título Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça; pela Augustíssima e Soberana Casa Real e Imperial dos Godos de Oriente o título de Conde; pela Soberana Ordem da Coroa de Gotland, o título de Cavaleiro Comendador; pela Real Ordem dos Cavaleiros Sarmathianos, o título de Benfeitor das Ciências, Letras e Artes; pela FEBACLA: Medalha Notório Saber Cultural, Comenda Láurea Acadêmica Qualidade de Ouro, Comenda Ativista da Cultura Nacional; Comenda Baluarte da Literatura Nacional e Chanceler da Cultura Nacional; pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos os títulos de Doutor Honoris Causa em Literatura, Ciências Sociais e Comunicação Social. Prêmio Cidadão de Ouro 2024