A Academia
“Lindaiá, ó Lindaiá!
Minha flor de aguaí,
tu nasceste pra me amar
e eu fui feito para ti.”
Assim vivia ele no mundo trocando trovas por cafunés, trocavam carícias a toda hora, ele cego de amor, loucamente apaixonado e ela o correspondia com afeto profundo.
Ele, aedo e trovador. Ela, exímia sambista que havia sido rainha da bateria da escola de samba do seu bairro. Mas não levava mais às passarelas a sua exuberante formosura, nem mais frequentava as rodas de bamba. Dizia que era por própria vontade, mas, Petronio, este dileto companheiro a havia imposto: “Ou eu, ou o carnaval!” E ela afeita à sua consideração, não ia aos barracões nem participava do tríduo carnavalesco. Submetera-se bem à compleição do seu cônjuge que, apesar da boemia, não era mais chegado às festas momescas desde o dia em que teve no meio de um bloco afanada a sua carteira.
Era o mês de fevereiro. Não se chegava a imaginar qual a razão, mas ela se mostrava meio triste e enfadonha naqueles dias.
Logo ela que sempre o acompanhava tão faceira aos festivais lá, da agremiação e especialmente às sextas-feiras, quando da apresentação de repentistas, trovadores, cantores e cantadores.
Era uma academia de artes da qual ele era membro e onde declamava os seus poemas de amor, cantava loas à sua musa predileta.
Havia chegado a sexta-feira gorda e nesta noite ela não ia acompanhá-lo ao costumeiro festival que ela tanto alegrava. Desculpara-se por uma enxaqueca.
“Não há problema, minha “Pitchula”, vou só, mas voltarei logo”, confortou-a e para descontrair ainda contou algumas piadinhas.
Foi… E terminadas as apresentações, retornou para a sua cabana. Qual foi a sua surpresa ao encontrá-la vazia. Abandonada qual” uma lata de cerveja num piquenique de escoteiros.
Percorreu todos os cômodos e não encontrou a sua cara metade.
Pensativo lançou a vista ao vaso sobre o bufê e viu que de uma flor branca pendia-se um bilhete que dizia:
“Querido,
Estou partindo, amor, e sei que te parto e não perguntes porque parto, mas te digo que parto de coração partido. Adeus amor.
Lindaiá.”
“Não acredito!”… Resmungou. (Devia estar com saudade das patuscadas e dos préstitos carnavalescos) — Cismou.
Lançou-se à sua procura. Por quatro dias e cinco noites, indagou pelos quatro cantos de seu bairro, vasculhou blocos e escolas de samba, mas não encontrou sequer um rastro dela.
Volta para casa, e à noite, debruçando-se sobre o desolado leito, levanta o travesseiro, ao lado e viu um papel amassado. Abriu, era uma carta que o deixou estupefato nestas linhas amarrotadas:
“Lembras-te, Lindaiá, daquele dia?…
Dos carnavais desta vida, só um que me deixou tão triste: Foi quando no asfalto, tu escorregaste e caíste. Tu deixaste a pista, e eu mesmo em pé fiquei caído.
Deixaste o carnaval, e mais duro ainda para mim depois, foi a tua partida.
Quando eu mais te quis, tu também me abandonaste.
Era o dia da caça, foste para o final da lista naquele certame.
Não faz mal, hoje te convido, meu ex-amor, para lavar a tua alma, imprimindo na Avenida o nosso maior carnaval. Será o dia do caçador, ficas comigo e desta vez ganharemos na raça.
Espero-te no Barracão.
Jacinto”
Veio saber depois que aquela, que fora sua alma gêmea havia desfilado na Avenida escondida numa fantasia, que aquela Escola havia conquistado o troféu. E mais nada soubera.
Andava triste e desiludido, a cabeça lhe doía e os braços lhe pendiam.
Por vezes a melancolia em lágrimas amargas lhe escorria pelo rosto. Dos sonhos e das fantasias que criara, de tudo só lhe restara um amargo despertar e o peito triste a soluçar.
Agora, uma elegia forjava de cada história e levava para a Academia.
Por fim passou a imaginar que havia bebido veneno em vez do elixir do amor, que a maldade se vestira de amor só para lhe machucar.
O tempo avançou… e a chaga do seu coração sarou. Resignado, naquele silogeu, passou a compor e recitar só poemas humorísticos, contar causos e anedotas. No seu palco, era feito um saltimbanco. Ninguém conseguia entender como aquele cantador fazia tanta gente sorrir a até mesmo gargalhar.
Porém, um dia, durante uma de suas apresentações aberta ao público, citava um poema de humor e fazia uma de suas estripulias; de repente, na plateia, dois olhos insistentes lhe fitavam… Era aquela ilusão do passado. Ao vê-la, não pode conter, uma gargalhada rouca soprou no ar, e enquanto gargalhava dos seus olhos as lágrimas rolavam.
Antônio Fernandes do Rêgo
aferego@yahoo.com.br
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Natural de Sorocaba (SP), é escritor, poeta, revisor de livros e Editor-Chefe do Jornal Cultural ROL. Acadêmico Benemérito e Efetivo da FEBACLA; membro fundador da Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA e do Núcleo Artístico e Literário de Luanda – Angola e membro da Academia dos Intelectuais e Escritores do Brasil – AIEB. Autor de 8 livros. Jurado de concursos literários. Recebeu, dentre várias honrarias: pelo Supremo Consistório Internacional dos Embaixadores da Paz, o título Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça; pela Augustíssima e Soberana Casa Real e Imperial dos Godos de Oriente o título de Conde; pela Soberana Ordem da Coroa de Gotland, o título de Cavaleiro Comendador; pela Real Ordem dos Cavaleiros Sarmathianos, o título de Benfeitor das Ciências, Letras e Artes; pela FEBACLA: Medalha Notório Saber Cultural, Comenda Láurea Acadêmica Qualidade de Ouro, Comenda Ativista da Cultura Nacional; Comenda Baluarte da Literatura Nacional e Chanceler da Cultura Nacional; pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos os títulos de Doutor Honoris Causa em Literatura, Ciências Sociais e Comunicação Social. Prêmio Cidadão de Ouro 2024