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Marcus Hemerly: 'Provocações sobre o sentido da vida e da morte'

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Marcus Hemerly

Provocações sobre o sentido da vida e da morte

Max Von Sydow joga xadrez com a morte, no filme “O Sétimo Selo” de 1957

 

“Quem não sabe o que é a vida, como poderá saber o que é a morte?” Confúcio

 

O leitor já se perguntou se caso não existisse, que diferença faria? Esta é a inquietante proposição principal do livro “Viver em Paz Para Morrer Em Paz”, de autoria do professor Mário Sergio Cortella, ideia que, consoante se exporá no curso deste singelo ensaio, desperta-nos agudo incômodo. Provavelmente em algum estágio na vida, seja num momento de fragilidade, insegurança, tristeza ou mágoa, fazemo-nos tais questionamentos, os quais, a princípio, são salutares, como exercícios de autoconhecimento e autocrítica que se transformarão em mudanças/aprimoramentos de conduta, tal qual a inteligência se transforma em política e curso de ação. Ao menos, é o que se esperaria. A vida, decerto, é um vetor linear pelo qual se busca o prazer, mas também se almeja o progresso e desenvolvimento pessoal. À obviedade, vida é um conceito diverso de existência. Um objeto inanimado existe, mas não é dotado de consciência; uma planta, existe e vive, mas não interage cognitivamente com o espaço a seu derredor.

E quanto a nós humanos, como seres dotados da racionalidade e complexidade, qual seria nossa definição de vida e morte? Decerto, são ideias indissociáveis, as mais básicas, e ao mesmo tempo, mais complexas antíteses da humanidade. À sombra desse raciocínio, deparamo-nos com o princípio da identidade, originalmente concebido por Parmênides, pois de forma similar à proposição do filósofo pré-socrático, se algo é, ou seja, está dentro do ser, assume-se que não está fora do ser, isto é, o não ser. Logo, numa concepção direta, do ponto de vista existencial, a vida é a negação da morte e a morte a ausência/inexistência de vida. A propósito, já dizia Oscar Wilde, “as pessoas devem viver, a maioria delas apenas existe”. Tecido este introito, passemos a uma investigação mais densa do tema proposto.

Distanciando-nos por um momento das incursões religiosas ligadas às interpretações teológicas e teosóficas, o conceito biológico de vida, do latim vita, é definido como um processo em curso no qual os seres vivos estão inseridos, englobando o espaço de tempo entre a concepção e a morte de um organismo, objeto de reações químicas e metabólicas que viabilizam sua existência, evolução, manutenção e hereditariedade. O que nas palavras de Jean Baptiste Lamarck, seria “… uma ordem ou um estado das coisas das partes componentes de um corpo, que torna o movimento orgânico possível e que efetivamente têm êxito, conforme persiste, em se opor à morte”. Trata-se de conceito científico, exato, empírico, dissociado do subjetivismo dirigido ao enfoque metafísico da vida como palco de interações interpessoais, passíveis de análises diversas no plano ontognoseológico.

Traçadas as diferenças entre vida e existência, voltemos o olhar em paralelo para as concepções de vida e morte, pois, repise-se, ainda que realidades opostas, são incindíveis quando estudadas mesmo que isoladamente, inclusive, para fins de conceituação. A morte para a medicina legal –  investigação incluída na tanatologia forense, que estuda a morte e seus efeitos, o que se chamará de problemas médico legais – é a cessação dos fenômenos vitais com a parada das funções cerebrais, sem a possibilidade de ressuscitação. De forma símile, o reconhecimento da morte pelo ordenamento jurídico, seria a cessação das atividades encefálicas, abrangendo o cérebro, o cerebelo, os pedúnculos, a protuberância anular e o bulbo raquiano, donde se autoriza, inclusive, a remoção de tecidos e órgãos uma vez constatada, despicienda a parada das atividades pulmonares.

O tema não foi negligenciado pelo conhecimento filosófico, ao revés, segundo Schopenhauer, a morte seria a musa da filosofia, que na visão socrática, atuaria como uma preparação para a morte. O idealizador da máxima “conhece a ti mesmo”, quando trabalhando o tema da imortalidade da alma, reflete que os ideais de vivência nutridos no curso da história individual terrena – ações praticadas em vida – terão reflexos na “existência” post mortem. Por tal razão, a morte em si, é fundamental naquele espaço de reflexão, pois o distanciamento da matéria física guiaria o alcance o verdadeiro conhecimento.

Nesse passo, pertinente se faz citar o lindo diálogo de Platão intitulado Fédon, pelo qual se retratam os últimos 40 dias de Sócrates após ter sido condenado ao suicídio pelo tribunal de Heliastas, no ano 399 antes da era cristã, acusado de corromper a juventude e renegar os Deuses do Estado. Naquele escrito, a ideia de imortalidade da alma e imprescindibilidade da morte defendida por Sócrates, é reforçada pela constante admoestação à libertação dos vínculos terrestres a fim de alcançar a eternidade plena e a consciência de Deus, em constante preparação, emelete thanatou, em transliteração, aprendizado de morte, ou exercício de morte. Inclusive, para Michel Montaigne, filosofar é aprender a morrer.

Uma miríade de questionamentos perpassam as mentes racionais, não amiúde inquietas, acerca da satisfação com as escolhas e posturas empreendidas em sua vivência, seja em família, no trabalho, ou consigo próprios. Afinal, a vida é feita de escolhas, e quando se vive um considerável lapso temporal, se vislumbram feições de arrependimentos, as quais descortinam fisionomias mais malcontentes quando se detém a consciência de que em meio a esses arrependimentos, foi oportunizada a escolha de se enveredar por outro caminho. À sombra dessa ideia, trabalhemos com três filmes que se revestem de similitudes patentes, uma vez que retratam crises existenciais de personagens de diferentes faixas etárias, inseridos em diferentes contextos, mas que ilustram os conflitos que permeiam atores anônimos da vida cotidiana.

No filme As confissões de Schimidt (2002), Jack Nicholson interpreta um recém-aposentado e viúvo que decide dirigir seu novo trailer até o casamento de sua filha. Frustrado com a escolha marital da jovem, associado à conscientização de sua substitutividade no trabalho, que até então, era o centro de sua vida, ele inicia uma reflexão acerca de seu histórico como pai e marido, agora já velho, revisitando seus próprios conceitos até então nunca questionados acerca de seu papel no mundo. Num segundo simulacro, atentemo-nos ao enredo da película Beleza Americana (1999), na qual o personagem Lester Burham interpretado por Kevin Spacey, se descobre com meia idade “nel mezzo del cammin di nostra vita” tal qual o peregrino Dante, na Divina comédia. Nesta fase, indiferente a tudo, ele vaga letárgico como um autômato até que, encantado com uma amiga de sua filha, representativa da jovialidade por ela já ignorada, ressurge em epifania de amor à vida numa odisseia em busca do tempo perdido, rumo a uma fatídica catarse.

Num terceiro momento, atentemo-nos à produção intitulada O Sol de Cada Manhã (2005), na qual Nicolas Cage personifica David Spritz, o homem do tempo de um telejornal local, alvo de arremessos constantes de gêneros alimentícios por transeuntes insatisfeitos. David é um homem bem-sucedido, apesar de tudo, com um ótimo salário e uma proposta de novo emprego em outro canal, ele busca incessantemente impressionar seu pai, um escritor de renome mundial, que parece indiferente às realizações do filho. O personagem inicia uma série de questionamentos e explorações que o levarão a um plano superior de conhecimento próprio e aceitação, terminando sua narrativa afirmando “agora as pessoas não jogam mais coisas em mim”. Afinal, o senso de propósito é uma força motriz estupenda para o fomento da potência de agir, pois como já escreveu o famoso autor estadunidense Mark Twain “Os dois dias mais importantes da sua vida são: O dia em que você nasce, e o dia em que você descobre o porquê”

O que estas três películas têm em comum e justificam seu sucesso, é a retratação de situações afetas ao homem comum. Em estilo de voice over – técnica de narrativa cinematográfica de voz sobreposta – tal recurso de roteirização nos permite uma visão da trama pela ótica do personagem, reforçando a proximidade com a audiência, robustecendo a ideia de que as aludidas dúvidas, conflitos, inquietações e tormentas interiores, são vicissitudes as quais podem ser, e o são, por todos nós vivenciadas.

Enveredando para um desfecho, imperioso aquiescer com o pensamento socrático; de fato, a vida – e aqui não se faz referência à definição biológica, mas ao emaranhado complexo físico e psíquico da vivência individual – é um caminho certo para a morte. Mas a fim de coexistir pacificamente com a “linha do tempo” de sua existência, o ser pensante – não raro masoquista – deve conviver em paz, primeiramente com suas ações e escolhas em um controle político, o que Maquiavel denomina Virtú, em contraposição às ocasiões e acontecimentos que não se encontram em nossa esfera de domínio ou autonomia, ou seja, Fortuna. Ora, se dotados de livre arbítrio e racionalidade, a fim de atingir o crepúsculo da existência com paz de espírito e mente, impõe-se agir de acordo com a aplicação da retidão ética, pois o legado deixado no mundo é tão importante quanto a vivência completa e harmoniosa. Por isso, quando se revelar a proximidade da finitude e a conscientização de que o tempo não pode retroceder, como você se sentirá?

 

Marcus Hemerly 

marcushemerly@gmail.com

 

 

 

 

Marcus Hemerly
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