Poesia entre gerações
Neste texto venho contar uma história de uma arte engolida pelo não olhar. Dentro de mim a arte sempre esteve presente, hoje sinto minha sensibilidade como algo grande e positivo, mas um dia ela já foi um peso, confundida com uma sensação de incapacidade. Eu não compreendia muito o porquê desta angústia, mas sempre coloquei para fora estes sentimentos através de desenhos; não eram desenhos perfeitos, mas feitos com que havia dentro do coração. O tempo foi passando e descobri a ‘arte de escrever’; sentia a necessidade de um grito e aos poucos fui transformando tudo em versos onde eu exibia minhas alegrias, angústias e tudo que surgia.
Os versos chegavam, eu experimentava uma necessidade grande de colocar para fora, acordava de madrugada inquieta, escrevia e sentia um grande alívio, voltando ao meu descanso com leveza. Neste período, eu estava descobrindo sobre a importância da escrita.
Certo dia, conversando com uma pessoa da família, uma tia, já na terceira idade, fiz grandes descobertas com relação a um escrever engolido pela vida. Gosto de escutar os mais velhos. Deparei-me com uma bela história de uma menina cheia de sonhos. Nesta oportunidade ela contou muito sobre suas memórias familiares. Eu não sabia que ela, inicialmente, escrevia músicas e poesias e tinha o grande desejo do reconhecimento. Usava as palavras de forma simples e singela, mostrava através desse dom a sabedoria que a vida lhe deu, sem muito recurso de estudos; do seu jeito, expressava seus sentimentos, dizia com a alma o que pensava e sentia. Entendi este dia que recebi uma ‘aula da vida’ e que escrever poesias é fazer magia, é criar um novo mundo, é expressar o que temos de mais oculto sutilmente.
Narrou morar em um lugar que ainda não tinha escola; neste período a mãe lhe ensinava. Quando surgiu a primeira escola ela tinha 8 anos. A primeira professora trabalhava muito com poesias, e minha tia, ainda menina, era a aluna sempre escolhida para recitar. No seu mundo infantil viajava, sonhava com a poesia. A vida engoliu este sonho de forma bruta por muito tempo.
Quando lancei meu livro, ela sentiu uma alegria imensa, recebi muitos elogios, mas percebi também uma agitação; era como se eu tivesse acendido algo dentro dela. Este período foi uma período de grande produção, a inspiração a desinquietava, sua voz que um dia foi calada, gritava através dos seus versos. Ela colocava para fora seus sentimentos, usando a escrita como recurso para acalmar sua alma desassossegada, ansiosa, que precisava transbordar o que ficou tanto tempo guardado. Mais ou menos uns oito meses depois do lançamento do meu livro, aos 74 anos, ela estava lançando seu primeiro livro, realizando o sonho de uma vida inteira. E mesmo em um história de grandes perdas familiares, conseguia novamente olhar para vida; era como se acendesse dentro dela uma luz que trouxesse força para olhar para a vida novamente.
Neste período, quando eu estava contando esta história a uma amiga, ela citou o fio de ouro de Ariadne, que na mitologia grega significa o caminho para sair do labirinto da morte. O fio de Ariadne guia também a transgeracionalidade ao caminho do horizonte, que deseja e oferta começos; fiquei muito emocionada e grata por isso. Sempre que encontro minha tia, ela recorda que, quando eu a presentei com meu livro, sentiu uma emoção muito forte; era como se tivesse renascido. Tem muito mais nesta história, mas vou finalizar com uma poesia que escrevi em homenagem ás mulheres da minha família.
Gerações
Somos de gerações diferentes
Com laços profundos a nos ligar.
Temos nosso lugar
Que necessitamos ocupar,
Mas sem pesos carregar.
Aprendi que, para obter amor,
Não é preciso sacrificar.
Ancestrais estão presentes através de nós.
Que possamos honrá-los saudavelmente,
No que o passado traz para nós.
Na minha família, vejo mulheres guerreiras,
Cada uma à sua maneira.
Observo uma nova geração começando,
E a cada dia decifrando o que não é saudável, e desemaranhando,
E levando valores que valem a pena serem transmitidos.
Contudo, guardo a força de um saudável amor
Que continuará e passará de geração em geração,
E hoje cobre meu coração com tanto vigor,
De tal modo que não tenho medo de transmiti-lo,
Podendo reconhecê-lo como um grande valor.
Rejane Nascimento
rejane.d@hotmail.com
- JARDINS DE ESPERANÇA - 31 de agosto de 2024
- RAZÕES PARA ESCREVER - 3 de maio de 2024
- PEDAÇO DE MIM - 24 de abril de 2024
Rejane Luzia do Nascimento Damasceno, mais conhecida como Rejane Nascimento, mineira nascida na cidade de Caratinga (MG), é Bacharel em Psicologia pelo Centro Universitário de Caratinga -UNEC, (2010). Especialista em Saúde Mental pelo Centro Universitário de Caratinga – UNEC (2012) e Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental pelo Centro Universitário Amparense – UNIFIA (2017). Possui também a Formação em Terapia do Esquema pelo Núcleo de Estudos em Psicologia –NEPSI(2019). Iniciou sua experiência profissional como psicóloga, dentro de uma escola, em 2011, atuando por cinco anos consecutivos nesta área, desenvolvendo um importante trabalho com grupos, enfrentando o desafio da atuação da psicologia na educação. Foi nesse cenário que a autora começou seus afazeres com o escrever, produzindo metáforas e poesias como forma de intervenção. É autora do livro de poesias ‘Para Escrever… Tenho Minhas Razões. Tem participação como coautora nos livros: Além Da Palavra – Volume V, Caratinga 170 anos: Múltiplos Olhares e na obra Rabiscos Confinados, promovida pelo cartunista Edra Amorim. É Acadêmica Correspondente da FEBACLA – Federação Brasileira das Ciências, Letras e Artes.