É preciso viver o luto
Vivemos numa sociedade em que a palavra luto é pouco vivenciada. Restringe-se a um termo usado e encarado, cada vez mais, de forma excepcional. Hipocritamente e, num crescente, passou a ser um tabu. Mas é necessário encarar o luto. E digo o luto clássico: a perda de um ente querido.
Em tempos não muito longínquos, respeitava-se toda uma (necessária) tradição: isolar-se, sofrer, chorar, até não haver (tantas) lágrimas a derramar. E isso requer tempo. Dor, vazio e perda exigem elaboração para serem transformados em saudades.
É preciso abraçar o travesseiro daquele que se foi. Suas roupas, seus lençóis e toalhas… Para relembrar sua presença pelo cheiro. Ver fotos, filmes, objetos e tudo mais que traga recordações.
Sumir de tudo e todos pelo tempo que se entender suficiente. Tempo esse que a frenética sociedade em que vivemos não nos permite mais usufruir. O tempo demandado varia bastante: de apenas semanas a alguns anos. Cada pessoa deve viver o processo do luto até o fim, para elaborá-lo e permitir que ele se encerre. Caso contrário, mais tarde o corpo cobrará o preço. Você adoece. Ou, simplesmente, nunca supera a perda do ente querido. Pontuando: superar não é esquecer, mas retomar a vida com a saudade.
Ouve-se de todos os lados: “Você tem que ser forte!”; “Descansou “; “Foi melhor assim, sofria muito”; “Vida que segue!”; “O tempo cura, siga com a vida“. Deve-se segurar o desejo de dar esses “conselhos” e apenas demonstrar afeto e atenção. Mostrar-se disposto a ouvir ou simplesmente estar disponível. É preciso tempo – quase uma raridade, hodiernamente – para viver o luto. E ele tem e deve ser vivido. Não deve ser evitado!
Numa falsa realidade, ilustrada por postagens em redes sociais, em que todos devem ser (ou precisam mostrar-se) felizes, viver o luto, não é sequer permitido. A cobrança para retomar a vida “normal” é imensa. E as dores são subestimadas. O choro, sufocado. A tristeza, encoberta.
Respeitar a perda alheia: esse comportamento tem que ser reassumido! As pessoas que sofrem não são fracas! Apenas sentem muito a falta de quem partiu! É natural do ser humano sentir dor! Não cobre do outro aquilo que ele não pode oferecer! Deixe o luto acontecer e ser realizado. Assim, a pessoa enlutada crescerá, amadurecerá essa perda e poderá reorganizar sua vida e construir novos significados para outros traumas.
Finalizo esta singela crônica com o pensamento do genial filósofo alemão Arthur Schopenhauer: “A dor profunda, que é sentida pela morte de cada alma amiga, tem origem no sentimento de que existe algo inexprimível em cada indivíduo, peculiar a ele próprio, e está, portanto, absoluta e irremediavelmente perdido”.
Patrícia Alvarenga
patydany@hotmail.com
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Natural do Rio de Janeiro/RJ, é escritora e poeta. Trabalha como Analista (área processual) do Ministério Público do estado do Rio de Janeiro. É Bacharel em Letras (UFRJ) e Direito (Uerj), pós-graduada em Educação (UFRJ). Dra.h.c. e Pesquisadora em Literatura. É autora do livro de poemas ‘Tatuagens da Alma – Entre Versos e Reflexões’, editora AIL, publicado neste ano, que foi escolhido como semifinalista do concurso ‘Livro do Ano 2021’, pela Literarte (o resultado do certame ainda não foi divulgado até a presente data). Participou do projeto ‘Parede dos Imortais’, na Casa dos Poetas, em Petrópolis-RJ, através da Associação Internacional de Escritores e Artistas. É coautora de, aproximadamente, 25 coletâneas. Detentora de prêmios literários, títulos e comendas, é também Embaixadora da Paz da Organização Mundial dos Defensores dos Direitos Humanos – OMDDH.
Membra vitalícia de seis academias literárias: ACILBRAS, FEBACLA, AIML, AIL, ALSPA (fundadora) e AILAP (fundadora). É ativista cultural nas redes sociais e participa de inúmeros saraus literários. Redes sociais:
Instagram: @patriciapoeticamente. Facebook: Patrícia Alvarenga