Ah… o amor! Um breve olhar psicanalítico
“Toda demanda é demanda de amor.”
Jacques Lacan
Passamos a vida toda desejando! Por sermos seres incompletos, faltosos, somos seres desejantes de tudo e de todos. Queremos ser amados, aceitos, acolhidos, pertencentes, e este movimento se manifesta em diversas demandas: pessoas, objetos, inteligência, poder, beleza, afetos.
Pensar o amor é um exercício complexo e controverso.
Todos os seres humanos concordam que este sentimento é algo bom, que vem do coração, da alma, que traz contentamento, uma sensação de conforto, de abrigo, de paz. Amar e sentir-se amado é uma constante busca.
Mas o que de fato é amor? Quais circunstâncias definem quando é amor? Quantos tipos de amor existem? Podemos falar em amor materno, paterno, fraterno, de amizade, amor entre casais, irmãos etc.
Agora, de que maneira definimos qual a qualidade e o objeto de desejo de nosso amor? Não tenho a intenção de responder todas estas perguntas, até porque falar em amor é algo puramente subjetivo e singular. Porém, o que certamente posso afirmar é que o amor é um sentimento complexo porque mobiliza diversos pensamentos e sentimentos que provocam sensações físicas e emocionais complicadas de se lidar. E é possível dizer ainda, que o amor é um sentimento controverso, pois ao mesmo tempo em que é consenso entre as pessoas que amar é algo bom, ao se mesclar com a volúpia e a luxúria da paixão, pode apresentar níveis de intensidade resultando, muitas vezes, em obsessão, possessão, aprisionamento e culminar numa tragédia.
Robert Sternberg, psicólogo americano, professor da Universidade de Yale, propôs que o amor poderia ser dividido em três partes: intimidade, paixão e compromisso. Sternberg coloca que intimidade é proximidade, é compartilhar, é estar junto numa mesma sintonia. Paixão é excitação, atração sexual e euforia, é o que mantém duas pessoas juntas. Compromisso é aquilo que motiva as pessoas a permanecerem leais e juntas por um longo tempo. Durante um relacionamento, o equilíbrio entre esses três elementos vai se alterando, e quando isso acontece, os amantes precisam se reorganizar identificando a causa ou as causas de algum sofrimento e rever a situação em que se encontram para tomar a melhor decisão.
Para S. Freud, todos os relacionamentos amorosos contêm sentimentos ambivalentes. Amor entre pais e filhos, amor entre casais, amor em família. Embora todas estas formas de relacionamento possam manifestar um amor genuíno e realista, inconscientemente habitam em todos nós fantasias e conteúdos imaginários que são negativos, de ódio e de destruição. A exemplo do bebê que ao eleger o seio da mãe como objeto de desejo, ao mesmo tempo, faz investidas violentas, como morder e machucar.
Freud reconheceu que essa mistura de amor e ódio que permeia entre os relacionamentos íntimos faz parte da própria natureza humana que envolve antes de tudo, os impulsos instintuais de posse, luta e voracidade. Assim é o ato sexual: voraz, intenso, animalesco e selvagem, também comporta sentimentos de carinho, cuidado e zelo pelo parceiro sexual. Portanto é possível pensar que amor e ódio caminham juntos em intensidade, enquanto amo, também odeio!
O ódio assim como o amor te prende a uma pessoa por longo tempo. Odiar alguém é escravizar-se, aprisionar-se, estar conectado em pensamento e sentimento que corroem. Amor também faz tudo isso, te suga, te engole, porém, é prazeroso, confortável e acalentador.
Se amor e ódio estão interligados, a paixão representa a pulsão que provoca o desejo de ter, de explorar ardentemente o corpo do parceiro como objeto de prazer sexual. A paixão é fogo envolvente, excitante, que anseia atingir o ápice da relação sexual, o orgasmo. A paixão desperta e mantém o desejo sexual, faz com que as pessoas se conectem para além do simples companheirismo, permite que os indivíduos ainda cobicem os corpos uns dos outros, mesmo estando juntos há longos anos. Como se diz, a chama sempre acesa.
Paixão embebida na medida certa com o amor faz com que os relacionamentos tenham equilíbrio. Ela não pode transbordar ao amor, pois é intensa, arrebatadora, e logo sem aviso, torna-se obsessiva e destrutiva. Entende o outro como posse, pertencente a um só corpo. O resultado dessa combinação de paixão e obsessão, sabemos que nunca termina bem.
Apesar de o amor ter inúmeras definições, amor amizade, amor romântico, amor de mãe, amor companheiro, etc. a capacidade de querer bem o outro e fazê-lo sentir-se amado e não o compreendê-lo como propriedade, talvez seja este o caminho para cultivar o amor a um outro ser e a si próprio. Diferente da paixão, com suas intensidades e explosões, o amor simplesmente vai acontecendo, emergindo, crescendo, aflorando, permanecendo. Amor é liberdade. Amor é refúgio. Amor é orgulho. Amor é dignidade.
Enfim, o amor é mesmo um labirinto, às vezes até incompreensível, no entanto é um sentimento inerente ao ser humano e torna-se central em nossas vidas. Talvez seja ele o fenômeno mais nobre que move o mundo e suas relações.
Bruna Rosalem
Psicanalista Clínica
@psicanalistabrunarosalem
www.psicanaliseecotidiano.com.br
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Psicanalista e professora. Natural de Campinas/SP, porém, atualmente reside em Balneário Camboriú/SC. Seu percurso na psicanálise começou na época do Mestrado, participando de dois grupos de estudo em Educação, Ciência e Psicanálise: Grupo PHALA (UNICAMP) e Grupo Universal (USP), desde então segue os estudos na Associação Psicanalítica de Itajaí, onde atua como professora. É mestra em Educação e Práticas Culturais (Unicamp) e Pós-graduada em Filosofia, Psicanálise e Cultura (PUC/PR). Realiza atendimentos e supervisão. Escreve para o Jornal Cultural ROL as colunas Psicanálise & Cotidiano, Cinema & Psicanálise e Crime & Psicanálise, sendo estas últimas em parceria com o escritor Marcus Hemerly. Também participa de Antologias, escrevendo contos e crônicas.