Irremediável separação
O gosto acre na boca prenunciava o momento tão adiado. Sua decisão atribulada não poderia passar daquele dia. A ansiedade a dominava há semanas e havia chegado, finalmente, o fatídico sábado: último dia para resolver suas pendências…
Laura estava com o coração dilacerado. Teria que fazer escolhas muito difíceis. Era extremamente sofrido o processo pelo qual passaria. Sabia que era inevitável, mas não podia deixar de padecer…
Estava em seu acalentado e espaçoso escritório, com vasta biblioteca, divagando com seus ‘diletos amigos’ – assim considerava cada livro seu – sobre a resolução a ser tomada. Estava sentada numa confortável poltrona, abraçada a almofadas, no seu ‘cantinho da leitura’, tomando coragem para iniciar sua árdua tarefa. Precisava começar de algum ponto. Já havia definido que precisaria deixar seu lar. Viver ali já não era mais possível.
Então, depois de anos de convivência harmoniosa, a separação era irremediável.
Começou a embalar seus livros, em caixas que já havia separado. Primeiro, eles! Sua prioridade, sempre! Começou a suar frio: era sua conturbada tarefa que, finalmente, começara: selecionar os que levaria consigo daqueles que precisaria doar. Tinha ciência que doar livros era um ato generoso e que disseminava cultura. Destarte, sabia que estava sendo egoísta ao não disponibilizar parte de sua coleção. Mas não se sentia culpada por isso.
Sem perceber, após muito esforço, soluços e lágrimas, havia virado a noite acordada. Já era manhã de domingo: dia marcado para a mudança. Passara horas a fio a separar seus queridos livros. Pronto. Acabara sua missão. O novo imóvel era menor e não comportaria toda sua biblioteca. Sentiu um misto de orgulho, por ter enfrentado a empreitada, e alívio, por terminar a dificultosa tarefa.
Assim, a irremediável separação aconteceu: centenas de seus ‘diletos amigos’ foram morar em bibliotecas escolares e apenas parte deles lhe acompanhou na nova etapa de vida!
Patrícia Alvarenga
patydany@hotmail.com
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Natural do Rio de Janeiro/RJ, é escritora e poeta. Trabalha como Analista (área processual) do Ministério Público do estado do Rio de Janeiro. É Bacharel em Letras (UFRJ) e Direito (Uerj), pós-graduada em Educação (UFRJ). Dra.h.c. e Pesquisadora em Literatura. É autora do livro de poemas ‘Tatuagens da Alma – Entre Versos e Reflexões’, editora AIL, publicado neste ano, que foi escolhido como semifinalista do concurso ‘Livro do Ano 2021’, pela Literarte (o resultado do certame ainda não foi divulgado até a presente data). Participou do projeto ‘Parede dos Imortais’, na Casa dos Poetas, em Petrópolis-RJ, através da Associação Internacional de Escritores e Artistas. É coautora de, aproximadamente, 25 coletâneas. Detentora de prêmios literários, títulos e comendas, é também Embaixadora da Paz da Organização Mundial dos Defensores dos Direitos Humanos – OMDDH.
Membra vitalícia de seis academias literárias: ACILBRAS, FEBACLA, AIML, AIL, ALSPA (fundadora) e AILAP (fundadora). É ativista cultural nas redes sociais e participa de inúmeros saraus literários. Redes sociais:
Instagram: @patriciapoeticamente. Facebook: Patrícia Alvarenga