“… algumas histórias resultam em uma rede de solidariedade e de colaboração convertendo-se em verdadeiras metáforas dos contos fabulosos”.
Publicar um livro nunca foi tarefa fácil. Especialmente para os escritores iniciantes que, em geral, não costumam receber apoios e nem mesmo a atenção das grandes editoras. Nesse sentido, o autor independente busca alternativas para que a sua criação seja divulgada e conhecida, objetivo maior de uma produção cultural.
No entanto, algumas histórias resultam em uma rede de solidariedade e de colaboração convertendo-se em verdadeiras metáforas dos contos fabulosos. Esse é o caso do escritor angolano Orlando Rafael Ukuakukula, nascido em Luanda, e que recentemente publicou seu primeiro romance “Dias de Expiação”. O inusitado de toda essa história é que o escritor, nascido e residente em Angola, conseguiu esse feito publicando seu livro em uma editora brasileira e recebendo apoios de empresas e de agentes culturais do Brasil.
Essa extraordinária história mantém viva a chama da esperança de que a solidariedade ainda é um dos valores prezados pela humanidade.
O início de tudo
Orlando Rafael Ukuakukula começou a publicar seus textos no Jornal Cultural ROL, uma iniciativa inovadora surgida na década de 1990 já com a pretensão de se tornar uma referência como portal de cultura na internet (num momento histórico em que esse instrumento estava praticamente surgindo e se consolidando no Brasil). A ideia partiu do jornalista Hélio Rubens de Arruda e Miranda que, como visionário, previu que a internet seria uma potência inestimável de divulgação de informações.
Alguns escritores angolanos começaram a entrar em contato com o jornal ROL nos últimos tempos, especialmente porquanto colaboradores desse veículo de informação também colaboravam com a imprensa angolana, como é o caso do escritor e historiador sorocabano Carlos Carvalho Cavalheiro que escreve para o Portal Marimba Selutu.
Em contato com o editor do Jornal ROL, Sergio Diniz da Costa, o escritor Orlando Ukuakula comentou que seu sonho era a publicação de um livro. Esse foi o primeiro passo para que Sergio Diniz estreitasse os laços de Orlando com a editora Crearte, localizada na cidade de Sorocaba, estado de São Paulo. A Editora Crearte, ao receber essa informação, se dispôs a auxiliar na concretização desse sonho. Nesse sentido, a proprietária da Editora, Míriam do Carmo Rangel compartilhou com os escritores Élcio Mário Pinto e Adriana da Rocha Leite que imediatamente se predispuseram, por meio da empresa Lexmediare, em apoiar a publicação de cem exemplares do livro de Orlando Ukuakula.
O sonho do escritor angolano estava a se consolidar amiúde. O romance “Dias de Expiação” recebeu ainda a cuidadosa revisão do casal de escritores Élcio Mário Pinto e Adriana da Rocha Leite.
“A Crearte Editora vibra nesse momento por fazer parte da realização do sonho de Orlando Ukuakukula (primeiro livro do escritor, primeira publicação da Crearte além-fronteira, como ele o diz), por saber que esse tipo de sonho (a escrita), movimenta forças que são bem maiores do que nós e que, juntos, sempre podemos fazer mais e melhor. O que desejo deixar aqui é a palavra Ubuntu (Eu existo porque tu existes), ou seja, todos somos um”, resume a proprietária da Editora, Míriam Rangel.
Uma pedra enorme no caminho
Mas essa era apenas uma parte da realização do sonho. Impresso o livro, teria de atravessar o Oceano Atlântico para que pudesse chegar às mãos do autor. O sentimento inenarrável do prazer que todo autor tem ao ver pela primeira vez em suas mãos o livro impresso ainda teria de esperar o seu momento.
Ocorre que o custo do transporte desses exemplares para Angola é infinitamente mais caro que a própria impressão do livro! Chegou-se a esse impasse, que beirou à frustração. Parafraseando o poema de Carlos Drummond de Andrade, havia uma pedra no caminho.
Mas a insistência e a força dessa rede de solidariedade não deixariam o sonho morrer assim, depois que ele ganhou carne. Não. Fazer esses livros chegarem às mãos de Orlando era o objetivo que não seria abandonado.
Por intermédio da Editora foram feitos contatos com diversas empresas de transportes. A maioria surtiu em negativas, até que Thalyta Alvim, da empresa DHL Express trouxe a boa nova: os livros seriam transportados para Angola!
Sensível à história de Orlando Ukuakukula, o rapaz que tinha o sonho de publicar seu primeiro livro, e dentro de um espírito imbuído de consciência de seu papel social, a empresa DHL Express apoiou o projeto, possibilitando o transporte dos livros até o seu autor.
Nas palavras da a vice-presidente da DHL Express, Patricia Starling, “Ficamos muito felizes e satisfeitos em poder ajudar. Com a doação do frete esperamos incentivar a leitura que é tão importante para a vida e formação cultural de qualquer indivíduo”.
Orlando Ukuakukula resume sua epopeia – e teria algum termo que melhor se ajustasse a essa história? – “é uma reticência falar da realização do meu sonho pela Crearte Editora, na pessoa de Miriam Rangel, e através dos professores e escritores Élcio Mario Pinto e Adriana da Rocha e, seguir seguindo, Marcelo Corrêa, Gabriela Lopes e Sergio Diniz, e, finalmente, a embaixadora Thalyta Alvim (que fez os livros voarem). São essas as pessoas que participaram activamente no todo processo da efectivação da obra até chegar às minhas mãos, portanto, a realização completa do sonho”.
Como disse um poeta brasileiro do século XIX, Castro Alves: “Oh! Bendito o que semeia livros à mão cheia. E manda o povo pensar!”.
Carlos Carvalho Cavalheiro
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Natural de São Paulo (SP, atualmente reside em Sorocaba. É professor de História da rede pública municipal de Porto Feliz (SP). Licenciado em História e em Pedagogia, Bacharel em Teologia e Mestre em Educação (UFSCar, campus Sorocaba). Historiador, escritor, poeta, documentarista e pesquisador de cultura popular paulista. Autor de mais de duas dezenas de livros, dentre os quais se destacam: ‘Folclore em Sorocaba’, ‘Salvadora!’, ‘Scenas da Escravidão, ‘Memória Operária’, ‘André no Céu’, ‘Entre o Sereno e os Teares’ e ‘Vadios e Imorais’. Em fevereiro de 2019, recebeu as seguintes honrarias: Título de Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça e Medalha Notório Saber Cultural, outorgados pela FEBACLA – Federação dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes e o Título Defensor Perpétuo do Patrimônio e da Memória de Sorocaba, outorgado pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos. É idealizador e organizador da FLAUS – Feira do Livro dos Autores Sorocabanos