setembro 18, 2024
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Andreia Caires: 'Um dia frio'

Andreia Caires

Um dia frio

Visto uma jaquetinha um pouco mais grossa e uma ‘segunda pele’ para enfrentar a chegada do inverno. Acomodo as minhas ‘asas azuis’ na poltrona da sala e tenho novamente sensação chata do abandono. Massa não é nada sério pois, as coisas velhas ficaram para trás.

Os dias frios fazem isso, são cruéis conosco e nos transportam para lembranças que queremos evitar.

Preciso de munição! Livros! Livros e mais livros! Não sei porquê, mas dá a impressão que livros aquecem, consolam, e a sensação desse abandono vai saindo.

Eu reparo nisso quando percebo que as livrarias ficam lotadas nessa época do ano, mais do que nas outras estações.

Mais um inverno sozinha, mas eu já não me debulhava mais em lágrimas; àquelas alturas, eu já compreendia que a luta que eu travava contra os meus próprios sentimentos era de um verdadeiro gladiador. Era hora de me poupar um pouco. Deixar de me colocar no papel de principal responsável pelas coisas terem dado errado e por aquele imensurável gelo em meu coração. Eu já havia entendido que precisava renascer. Sair da casca! Mesmo eu ainda experimentando o amargo de um ponto de interrogação, não sobre o que não deu certo na minha vida mas o que eu faria dali por diante com ela.

Sabia que a partir dali, não fazia o menor sentido insistir numa história velha. Sim, a minha história já estava se deteriorando por si só e, alimentar esperanças de uma possível volta só me faria regredir e secar minhas asas que estavam prontas pra voar. Agora, fora da crisálida, as possibilidades são infinitas e eu estava ansiosa em recomeçar uma nova história.

O vento entrava atrevido pela janela, e volta-e-meia as lembranças tentavam me apanhar. A falta do sol e o tempo nebuloso entristece qualquer um. Enquanto o chá fervia, mudando rapidamente a cor da água, eu aquecia meu rosto no vapor, sentindo-o formigar. Eu sempre amei fazer pequenas coisas que me remetiam à infância.

Volto à poltrona segurando a xícara com as duas mãos e dando goles bem grandes, na esperança de que aquele líquido verde acalme minha mente tão agitada; senti uma vontade boba de chorar. Já não mais um choro de revolta, mas sim de alegria por eu estar vencendo grandes batalhas.

Então, olhando pela janela, eu lembrava da criança curiosa, que fazia fumacinha no vidro do carro, e que desenhava com os dedos uma casa, gato, peixe, ou simplesmente um coração com uma flecha no meio. Depois apagava passando rapidamente as mãos fechadas no vidro para poder olhar as pessoas na rua. Reparava na elegância que cada uma tinha nessa época. Era um desfile de blazers, casacos, cachecóis, guarda-chuvas, botas, luvas que faziam da estação mais fria e difícil de suportar, mas também a estação mais elegante.

Aprendi a gostar do inverno. Aprendi a viver esses dias e eles tornaram-se leves pra mim. O ar perfumado, os sons tímidos e distinguíveis da chuva na telha;  ora a barulheira dos pássaros protegendo-se do frio, ou do simples farfalhar das folhas que caiam estalando no chão. Já presenciei pessoas indignadas, limpando desesperadamente o quintal por causa das folhas secas, dizendo que no outono e parte do inverno as árvores dão muito trabalho por causa disso.

Mas será que essas pessoas não percebem que a beleza do frio está exatamente nisso? Assistir as folhas dançando ao vento e formando enormes tapetes marrom-dourado no chão? Recuso-me ficar limpando chão de outono, pois é lindo!

O alívio do frio tirava a sensação de deserto. Aliás, aquele deserto pra mim já não existia mais. Essa borboleta azul aqui, já esteve em diversos lugares e sobreviveu a um deserto imenso. Sobreviveu às dunas e tempestades de areia…

A borboleta azul hoje, já consegue ler o silêncio. Na sua luta, esforça-se revigorando suas asas. Ainda sim, voa baixo e cautelosa. Amo ficar quietinha, lendo ou escrevendo, ouvindo o barulho do vento bater na janela e formar pequenos redemoinhos no quintal, que levam folhas e gravetos. O mesmo vento que leva as folhas pra bem longe no outono, traz o pólen que fertiliza as flores, floresce e perfuma o jardim na primavera onde a borboleta azul irá pousar!

Não sei dizer ainda se nesse ou, talvez, no próximo inverno, eu poderei apreciá-lo, não apenas da janela de casa, com a caneca de chá nas mãos, mas sim fazendo parte do cenário mágico lá fora, sem aquela tristeza que insiste em aparecer; mas que eu possa participar do inverno, feliz e e totalmente recuperada, deixando os meus sapatos pintarem de neve, não em casa protagonizando a música do Djavan, ‘Nem um dia’.

“Um dia frio, um bom lugar pra ler um livro…”

 

Andreia Caires

andreiacairesrodrigues@gmail.com

 

 

Claudia Lundgren
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