COLUNA PSICANÁLISE E COTIDIANO
Mãe suficientemente boa? Contribuições do psicanalista D. Winnicott para uma compreensão do desenvolvimento humano
Ter mãe é ótimo, porém excesso de mãe é prejudicial.
Nasce em 1896, Donald Woods Winnicott, em Plymouth, sudoeste da Inglaterra. Ele cresceu em uma família com muitos recursos e tinha duas irmãs mais velhas. Diante da ausência de seu pai, dizia ele que ficava na companhia de suas “diversas mães”.
Por volta de 1923, Winnicott leu um livro de S. Freud e aos 27 anos passou a fazer análise com James Strachey durante dez anos. Neste período iniciou-se como clínico pediatra no Paddington Green Children’s Hospital (onde ficaria por 40 anos). Tornou-se psicanalista da Sociedade Britânica de Psicanálise em 1935, quando iniciou supervisão com Melanie Klein, até 1940. A partir deste ano fez uma segunda análise, também de cerca de dez anos, com Joan Riviére. Neste período foi psiquiatra das Forças Armadas na II Guerra Mundial. Neste contexto, em 1987 escreveu um livro muito interessante acerca do tema Privação e Delinquência, onde discorreu sobre atos delinquentes cometidos por jovens desamparados durante o período pós guerra. Winnicott faleceu em 25 de janeiro de 1971, em decorrência de uma doença pulmonar e cardíaca.
Enquanto pediatra, ele já evidenciava suas preocupações relativas aos aspectos emocionais de seus pequenos pacientes na interação com suas respectivas mães. Prova disso, quando criou técnicas para “brincar” com as crianças sendo possível constatar vários sintomas que os pequenos manifestavam.
De acordo com a visão de Winnicott, o ser humano é uma amostra atemporal da natureza. A criança nasce indefesa, desintegrada diante dos estímulos exteriores, a tarefa da progenitora é oferecer um bom suporte para que as condições inatas do bebê alcancem um desenvolvimento harmônico.
Os adeptos à escola winnicottiana, dizem que o psicanalista quebrou paradigmas: em Freud o maior desafio para o ser humano seria resolver o conflito edípico, já para Winnicott o maior conflito do ser humano em desenvolvimento é o próprio existir, isto é, o grande problema do bebê reside em sustentar sua própria existência e inaugurar-se neste mundo.
Ele percebeu que havia ainda mais problematizações a serem investigadas quanto ao surgimento das neuroses. Para ele existem problemas iniciais da vida humana que podem ser claramente descritos e identificados, mas que não são suficientemente superáveis por meio da teoria edípica. Ele então denominou esses problemas de angústias ou agonias impensáveis e que, segundo o psicanalista, surgem antes mesmo do início da atividade mental e de forças instintuais. Por ser impensáveis, não poderiam ser entendidas a princípio.
Logo nos primórdios da vida de um bebê, as forças instintuais são para ele como fenômenos externos que mais o ameaça do que o move. Seu motor é o próprio fato de ele estar vivo. O bebê ocupa um espaço que não é algo nem interno, nem externo, ele é subjetivo, antecede a qualquer situação que haveria como conflitante entre o “dentro” e o “fora”. Assim também é o entendimento quanto ao seio da mãe, ou seja, algo nem interno, nem externo, para Winnicott este é na verdade uma técnica que tem a pretensão de alcançar determinadas funções puramente maternas: apresentação do objeto (seio), holding e handling.
O seio para o bebê cria uma sensação ilusória de que este objeto vem prontamente quando há necessidade, quando ele invoca a mãe. É como se o bebê pudesse produzir o seu próprio alimento e garantir a sua satisfação. Em razão de seu estado vital a criança passa a “esperar” algo, e esse algo surge e ele, naturalmente, aceita o objeto oferecido. É como se o objeto adquirisse existência real quando desejado e esperado à medida que a mãe vai sempre estando à sua disposição. Esta ilusão vai sendo reforçada e, ao mesmo tempo, protege-o a fontes de angústia que seriam insuportáveis.
Holding seria o ato de sustentar, não somente o corpo da criança, mas também de modo psíquico. E handling seria o manusear, o introduzir o bebê ao mundo. Dessa forma, a junção destas funções especificamente maternas realizadas com sucesso torna a figura da mãe suficientemente boa, ou seja, boa o suficiente para que o bebê possa conviver com ela sem prejuízos psíquicos. Ela representa o “ambiente bom” e permite que a criança coloque em prática sua tendência inata ao desenvolvimento e continuidade da vida fazendo emergir o verdadeiro self.
As necessidades que o bebê vai apresentando e os problemas fundamentais surgem da interação com outros elementos. São questões como sentir-se real, ser integrante de um mundo, o próprio nascimento, a distinção entre a realidade interna e externa, tempo e espaço, saber usar seu próprio corpo e as coisas que estão ao redor. É justamente a partir deste ambiente, o próprio conceito de mãe ambiente e sua dependência que surgem as falhas que ameaçam a solução das tarefas impostas ao bebê nos estágios do processo de amadurecimento e de integração. O ambiente falha não por frustrar ou ameaçar, mas por se tornar algo que não seja confiável e suficiente para assegurar que todo o seu desenvolvimento e evolução sejam saudáveis.
Dentre os destinos psicopatológicos do sujeito, Winnicott, coloca que o surgimento das psicoses não advém das vicissitudes da função sexual, em sintonia ao que Freud apresentava, mas sim da teoria geral da tendência inata em direção a independência e a autonomia.
Assim, a ideia de progressão das zonas erógenas vai sendo redescrita em termos da teoria do amadurecimento da pessoa humana. Assim, para ele, o que há de mais inato no desenvolvimento humano é o amadurecimento. O bebê não estabelece uma relação à três, bebê, mundo e mãe, seria um dois-em-um, pois ele nem mesmo se daria conta de saber sobre a sua própria existência.
Winnicott nos coloca que para que o bebê tenha um amadurecimento saudável, a mãe precisa ser suficientemente boa e atender as necessidades integrais da criança. Do contrário, uma série de complicações poderão surgir. Isto ocorre quando a mãe não se identifica com as necessidades do filho, não responde aos seus gestos ou não está à disposição para detectar as demandas, de adquirir a sensibilidade necessária capaz de identificar os sinais que o bebê manifesta. Surge daí uma “adaptação falha ao bebê” devido à divisão da mãe em “pedaços”. Nesse caso, trata-se mais de uma mãe ausente e cujo apego à criança é simplesmente comum, não de modo singular, significativo, prazeroso, identificatório.
A mãe suficientemente boa permite o desenrolar do verdadeiro self, como dito anteriormente. Porém, o contrário, pode ocorrer a constituição de um falso self, que seria justamente a manifestação do bebê diante das falhas da mãe. O bebê renuncia à esperança de ver suas necessidades atendidas e vai adaptando-se aos cuidados que não lhe agradam. Numa escala mais patológica, este sentimento de frustração, de desamparo, de distanciamento é acompanhado geralmente por uma sensação subjetiva de vazio, futilidade e irrealidade. O bebê acaba criando uma fantasia para, ao invés de naturalmente desenvolver a criatividade, vai caminhar com esta irrealidade como uma maneira de sobreviver a aquele ambiente insustentável e insuportável. Como se fosse uma espécie de refúgio.
Conforme a criança vai amadurecendo, Winnicott nos apresenta o conceito de objeto transicional que representa a primeira posse da criança como algo “não-ego’ e que tem a função de intermediário entre o mundo interno e externo. Fala-se então em transição, algo que não está nem dentro, nem fora da criança. Este processo serve para que o indivíduo possa experimentar as sensações e demarcar seus próprios limites mentais entre o eu interno e externo.
Na fase inicial, a criança tem a sensação de criar seus próprios objetos de satisfação, agora por volta do segundo semestre de vida, vai descobrindo que ela e sua mãe são separadas e que continua a depender da mãe para suas necessidades, no entanto, agora não mais “produz o seu próprio alimento”. É uma fase de desilusão, a criança pode levar os dedos ou algum objeto à boca, como a ponta de um lençol ou fralda, se agarrar a bichinhos de pelúcia, começar a puxar as coisas, a fazer sons com a boca, balbucios, etc. Estas atividades se darão em momentos onde poderia surgir a angústia de separação da mãe, com o objetivo de suavizar o choque da conscientização de uma realidade.
Vemos então a possível existência de um espaço transicional onde ocorrem fenômenos transicionais que podem, ou não, envolver algum objeto. Se há um “objeto”, ele sempre representará a mãe nos momentos mais serenos. O bebê passa de onipotente quando “materializa” algo para sua imediata satisfação, para a de controle pela manipulação.
Segundo Winnicott, o surgimento deste espaço é sinal de que a mãe da fase inicial foi suficientemente boa. Porém, mesmo neste ponto, é possível detectar distúrbios psíquicos, quando, por exemplo, a mãe se ausenta por um determinado tempo que vai além da capacidade da criança mantê-la viva em sua lembrança, pode ocorrer neste momento um desinvestimento do objeto. A criança necessita, a princípio, conseguir “investir” em objetos e espaços transicionais para que ocorra a superação da ausência da mãe. Gradualmente, a criança necessita se desvencilhar de uma dependência absoluta da figura materna, para uma dependência parcial. Assim, aos poucos, conquistando sua autonomia.
Winnicott nos provoca quando diz que ter mãe é ótimo, porém excesso de mãe é prejudicial. E ele foi mais além, quando considerou para o entendimento das neuroses que até então ficariam num “plano intrapsíquico”, para um “interpsíquico”, ou seja, a questão ambiental patogênica poderia ensejar grande sofrimento. E estudar as questões relativas ao ambiente, para Winnicott, instaura a necessidade de novas linhas terapêuticas para os casos em que este mesmo ambiente fracassa no desenvolvimento dos aspectos físicos, psíquicos, afetivos e emocionais sadios e equilibrados para nossas crianças.
Bruna Rosalem
Psicanalista Clínica
@psicanalistabrunarosalem
www.psicanaliseecotidiano.com.br
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Psicanalista e professora. Natural de Campinas/SP, porém, atualmente reside em Balneário Camboriú/SC. Seu percurso na psicanálise começou na época do Mestrado, participando de dois grupos de estudo em Educação, Ciência e Psicanálise: Grupo PHALA (UNICAMP) e Grupo Universal (USP), desde então segue os estudos na Associação Psicanalítica de Itajaí, onde atua como professora. É mestra em Educação e Práticas Culturais (Unicamp) e Pós-graduada em Filosofia, Psicanálise e Cultura (PUC/PR). Realiza atendimentos e supervisão. Escreve para o Jornal Cultural ROL as colunas Psicanálise & Cotidiano, Cinema & Psicanálise e Crime & Psicanálise, sendo estas últimas em parceria com o escritor Marcus Hemerly. Também participa de Antologias, escrevendo contos e crônicas.