EU E O MEU CHUVEIRO
Diga-me, meu caro leitor, por um acaso você já teve ou ainda tem alguma relação de amor e ódio por algo ou por alguém?
Se a resposta for um sonoro ‘sim!’, sabe perfeitamente como se dá essa dependência. É, certamente, algo como a dependência por alguma droga: você a consome e ela, com o tempo, te consome, também. Um círculo vicioso. Um horror!
Pois eu tenho, infelizmente, uma relação dessa natureza. E, como o título desta crônica bem o indica, com o meu chuveiro!
Existe algo mais prazeroso do que tomar uma deliciosa ducha, principalmente depois de uma caminhada mais longa, ou uma corrida, ou, ainda, alguma atividade profissional que implique em grande esforço físico? E dormir, então, depois de um banho bem quentinho? Tudo de bom, né?
E, sobre tomar banhos, tem aqueles dos meses de verão e aqueles outros, de inverno.
Os dos meses quentes, impreterivelmente, com água fria. E, os dos meses de inverno… Bem, em primeiríssimo lugar, o ritual para eles já é um pouco mais complicado.
Levantar da cama, depois de uma noite inteira hibernando sob cobertores pesados e quentíssimos, requer uma vontade férrea, um esforço próprio de ‘Os Doze Trabalhos de Hércules’.
E esse esforço é redobrado se, pra piorar ainda mais a situação, o dia estiver frígido e chuvoso. Ninguém merece!
Mas, como o dever nos chama, lá vou eu, destemidamente, sair da cama, colocar os pés num par de chinelos gelados e, feito um guerreiro bárbaro, enfrentar o estimulante banho da manhã.
Entro no banheiro e, com
o meu apartamento não tem o luxo da calefação (próprio de países de regiões frias), tirar o pijama já é outra etapa da façanha heroica. Entretanto, a imagem do guerreiro bárbaro, do chefe viking à frente de seus guerreiros, em pleno campo de batalha, me impele avante.
E, aí, a coisa começa a complicar, pois é preciso anos de prática para se conseguir encontrar o ponto ideal da torneira, de modo que a água não fique nem quente e nem fria demais.
Esse processo se torna mais difícil ainda quando a torneira já é um tanto quanto usada e, por causa disso, mais um tanto quanto emperrada.
E vira daqui, vira de lá neste processo, e já enregelado, eis que, finalmente, o tal ‘ponto ideal’ da dita cuja é atingido e o calor da água atinge seu ponto ideal! Aleluia!
E lá vamos nós, agora mergulhados numa torrente de água quentinha, acolhedora…
Até que, inesperadamente, bem no meio daquele jato quente, surge um pingo gelado! Bem nas costas! E justamente no momento em que estou com o rosto coberto de espuma!
Rapidamente, retiro a espuma e passo a procurar a fonte daquele infortúnio.
Localizo-o! Vem pelo cano, provavelmente porque, ao colocar o chuveiro, faltou um tantinho de veda-rosca pra dar o aperto necessário para fixa-lo.
E ele, o tal pingo inoportuno, a partir daí, passa a fazer parte do delicioso banho quente.
Agora, nesta mescla de prazer e desprazer, resolvo terminar o banho o mais rápido possível.
Fecho a torneira e começo a me enxugar. Como o box é pequeno, fico praticamente embaixo do chuveiro e, mal terminando de enxugar as costas, eis que um pingo vindo diretamente da Antártida cai nelas, já secas.
Solto um mega palavrão! E passo a matutar o porquê de esse pingo aparecer justamente no inverno, nos dias mais frios, no banheiro mais frio, no corpo (e na alma) mais frio…
E, já envolto pelo vapor que sai do chuveiro, entre uma enxugada e alguns palavrões, fico a ‘viajar’ mentalmente. E passo a ver, na torneira, no chuveiro e no cano um conluio maquiavélico, hábil a me infundir um misto de raiva e desespero.
O chuveiro parece ter adquirido vida! E, de súbito, me lembro de Chuck, Hugo, Blade e outros bonecos assassinos.
Em meio ao vapor, que já tomou conta do box, sinto que vou enlouquecer! Até o momento em que escuto algumas pancadas na porta do banheiro.
Pra minha salvação, contudo, é apenas minha esposa, perguntando se está tudo bem, pois faz ‘apenas’ 40 minutos que estou tomando banho.
Alívio completo!
Tudo não passou tão somente de um mísero pingo de água gelada…
No meio da água quente havia um pingo gelado.
Havia um pingo gelado no meio da água quente…
E que vai durar o inverno todo!
Sergio Diniz da Costa
sergiodiniz.costa2014@gmail.com
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É fundador e um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Internet Jornal. Foi presidente do IHGGI – Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Itapetininga por três anos. fundou o MIS – Museu da Imagem e do Som de Itapetininga, do qual é seu secretário até hoje, do INICS – Instituto Nossa Itapetininga Cidade Sustentável e do Instituto Julio Prestes. Atualmente é conselheiro da AIL – Academia Itapetiningana de Letras.