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Bruna Rosalem: 'Tudo começa pela dúvida: a incansável busca de Descartes'

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Bruna Rosalem

COLUNA PSICANÁLISE E COTIDIANO

Tudo começa pela dúvida: a incansável busca de Descartes

Inegavelmente, o princípio da dúvida hiperbólica

exige um esforço ímpar. Além de muita determinação e paciência.

Já teve momentos em sua vida em que você ficou tomado por muitas dúvidas? Dúvidas sobre estudos, carreira, emprego, relacionamentos, casar, ter filhos, e por aí vai. E dúvidas existenciais? Vida, morte, tempo, infinito, universo… Certamente, você em alguma oportunidade da vida parou para refletir sobre estas questões. Ou teve que que parar.

Como já nos dizia Freud, a sabedoria começa pela dúvida. E quando nos permitimos abrir a mente para novos questionamentos, parece que muita coisa se move, se transforma, sai do lugar.

Existiu no século XVI, um grande pensador francês que elevou a dúvida a algo complexo, amplo e incansável. E mesmo hoje, na contemporaneidade, ainda ouvimos falar muito de seu nome, cuja contribuição intelectual perdura por séculos.

René Descartes é considerado o filósofo do pensamento moderno, talvez pelo fato de ter sido o precursor de um movimento intelectual que coloca em questão todas as crenças que em sua época eram consideradas verdadeiras e inquestionáveis, dominadas pelo dogmatismo da Igreja.

Além de filósofo de destaque, Descartes foi matemático, nasceu em Haye, uma província francesa, em 31 de março de 1596. Ficou órfão de mãe quase um ano após seu nascimento, e herdou do pai, funcionário público, recursos suficientes para manter uma vida confortável. Dedicou-se à busca intensa do conhecimento das ciências e a conhecer culturas e costumes de vários países através de suas viagens.

De 1604 a 1614, frequentou o colégio Royal Henry Le Grand, seminário dirigido por jesuítas no Castelo de La Flèche onde estudou Matemática e Ciências Humanas. No ano de 1637 escreveu o que se tornaria uma de suas maiores obras no campo da Ciência e da Filosofia e que até hoje é referencial de estudos, nos despertando inúmeras reflexões: “O Discurso do Método”. Em 11 setembro de 1650, em uma de suas viagens para a Suécia, Descartes veio a falecer vítima de uma forte pneumonia. No ano de 1663, a Igreja Católica proíbe alguns de seus livros, principalmente “Meditações metafísicas”, por explorar assuntos de cunho teológico.

A primeira coisa a se considerar no método cartesiano é o princípio da dúvida hiperbólica, ou seja, uma dúvida exagerada que coloca as próprias crenças em questão. Partindo desse princípio é como se fossemos começar novamente desde os fundamentos de tudo que acreditamos para que assim pudéssemos estabelecer algo de firme de constante nas Ciências, diria Descartes.

A dúvida para o filósofo não é cética, ao contrário, ela se torna o ponto de partida para se chegar ao caminho da verdade. Para isso o pensador francês dedica-se a criar um método para se chegar à verdade das coisas de maneira a ser tão exata e tão categórica como a própria Matemática. Para ele, esta disciplina é o próprio conhecimento universal (mathesis universalis) una e idêntica, isto é, não produz contradições, nem divergências ou dubiedades e através deste caminho é possível guiar o espírito humano.

Interessante colocar que as primeiras formulações de sua teoria, Freud estava bastante imerso no método cartesiano, buscava uma psicanálise enquanto ciência. Em sua primeira tópica referente ao aparelho psíquico: inconsciente, pré-consciente e consciente, havia uma ideia de lugar, topos, em que estas instâncias estariam na mente, como se fosse um mapeamento. Claro que, passados cerca de vinte anos, essa lógica foi se modificando para algo mais dinâmico, mais pulsional, com menos rigidez.

Voltando a Descartes, partindo de suas provocações iniciais, comentarei em breves linhas sete regras de seu método.

A primeira delas remete-se justamente a buscar o caminho da verdade começando do particular para o entendimento geral das coisas. O francês então coloca que, como princípio, deve-se usar todo potencial de conhecimento que as ciências trazem, pois estão entrelaçadas, têm mútua dependência e constituem a sabedoria humana, aconselhando estudá-las ao mesmo tempo, sem separá-las.

A segunda regra consiste em somente pensar nas coisas que podem ser colocadas em dúvida, serem questionadas, daquilo que estiver ao alcance das faculdades humanas. Conhecimentos como política ou religião geram divergências, conflitos e/ou falsidades e não podem ser comprovados de modo absoluto pela ciência.

A terceira regra é usar a própria razão sobre as coisas. Não permanecer preso ao conjunto de pensamentos, conjecturas, costumes e culturas formuladas por outras pessoas. É usar da intuição (conceito de espírito puro e atento) de modo claro e evidente que não gere dúvidas, que nasça apenas da luz da razão para que assim, através de princípios verdadeiros e já conhecidos, seja possível deduzir para se chegar a algum conhecimento. Para Descartes, estes são os dois caminhos mais seguros: intuição e dedução.

A quarta regra é fazer uso do conhecimento universal, a mathesis universalis, como o próprio método para se chegar à verdade, ou seja, seguir por um caminho categórico, sistemático e seguro para que seja possível utilizar perfeitamente a intuição intelectual sem cair no erro contrário à verdade, e no percurso do caminho, deduzir corretamente. Para isso, Descartes coloca que as duas ciências que compõem os princípios inatos do método é a Aritmética e a Geometria, pois de nenhum outro tipo de conhecimento é possível extrair exemplos tão evidentes e verdades de qualquer assunto.

A quinta regra é o princípio da ordem. Todo método consiste numa ordem e na disposição das coisas. Para tal ordenamento é necessário começar destrinchando aquilo que é mais complexo e gradualmente obtendo as proporções mais simples. Depois, partindo da intuição das mais simples, eleva-se crescentemente ao conhecimento de todas as outras coisas que se seguem.

A sexta regra consiste na análise. Depois do ordenamento das coisas, é preciso que em cada série de coisas distintas as quais foram deduzidas verdades, seja possível saber o quanto uma categoria explica a próxima, isto é, quando houver uma dificuldade deve-se verificar a necessidade de se analisar as categorias que antecedem àquela na qual ainda se resta dúvida. Mas para que isso aconteça é necessário saber que as coisas que podem ser consideradas úteis ao propósito que se deseja devam ser comparadas entre si com o objetivo de serem compreendidas umas pelas outras. Estas tais coisas são classificadas em absolutas e relativas. As absolutas são unas, universais, simples, independentes, ou seja, como se fossem a base que permitirá fazer resoluções de questões primárias. Já as relativas vêm da natureza das absolutas, são dependentes e permitem fazer deduções conforme certa ordem natural, por isso é preciso saber os conhecimentos anteriores para se alcançar os mais absolutos, percorrendo todos os conhecimentos intermediários.

A sétima regra é a síntese ou enumeração. Depois de analisar todas as coisas e as suas relações entre as séries de coisas, deduzir acerca dos conhecimentos mais simples aos mais complexos, é preciso então reunir com um movimento contínuo do pensamento uma enumeração suficiente e ordenada. Isto significa proceder quantas revisões forem necessárias para se certificar de que os elementos foram considerados. Nem sempre a dedução parte dos princípios já sabidos imediatamente (vindos da memória, por exemplo), faz-se necessário revisar para que cada elemento anterior possa produzir o raciocínio contínuo. Portanto, o caminho pode ser percorrido inúmeras vezes até ser hábil suficiente para transitar da primeira relação para a última com precisão e rapidez, deixando a certeza que nenhum elemento ficou para trás, preservando assim a qualidade da conclusão.

Inegavelmente, o princípio da dúvida hiperbólica exige um esforço ímpar. Além de muita determinação e paciência. Nos parece, ao longo dos anos de nossa existência, tão caro duvidar daquilo que acreditamos e tomamos como legítimo. Tão doloroso questionar nossas verdades “inabaláveis”! Para muitos, um exercício quase que impossível. Para outros, é a possibilidade de vislumbrar novos caminhos, construir novas metas, acessar culturas diferentes e descobrir um mundo inexplorável, palpável, renovando a alma sedenta por conhecimento, acendendo a paixão pela vida.

Duvida?

Bruna Rosalem

Psicanalista Clínica

@psicanalistabrunarosalem

www.psicanaliseecotidiano.com.br

 

 

 

 

 

 

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