George Harrison e o Bhakti Yoga para ocidentais
Quando me pedem para explicar alguns dos caminhos do yoga, eu gosto de utilizar alguns exemplos que estejam acessíveis ao imaginário ocidental que, nós brasileiros, indiscutivelmente somos criados. Para mostrar a ideia do Bhakti Yoga ou o Ioga Devocional (prefiro a tradução de ‘Ioga da Entrega’), eu gosto muito de começar a conversa mencionando ou escutando a música ‘My Sweet Lord’, composta e cantada por George Harrison, o mais silencioso dos Beatles.
Segundo seu biógrafo Simon Lang, George Harrison compôs ‘My Sweet Lord’ em 1970 como uma música contra o sectarismo religioso, bem como um cântico em inglês para Krishna, que é, para os saberes védicos, tanto um dos avatares de Vishnu como o representante da Supraconsciência Cósmica.
O que eu acho interessante é que, se prestarmos atenção à letra da música, ela mostra como um ocidental descobre a experiência da espiritualidade védica a partir de sua própria criação, ou seja, sob o marco das religiões abrâmicas (judaísmo, cristianismo e islamismo), expandindo sua consciência para além do marco religioso ocidental para uma espiritualidade ampla defendida pelo mundo oriental.
Vamos à análise da letra para entender isso: ela começa com a ideia do ‘My Sweet Lord’ ou seja, ‘Meu Doce Senhor’ para indicar uma divindade suprema; e logo encadeia a seguinte ideia: “Eu realmente quero te ver / Realmente quero estar com você / Realmente quero vê-lo, Senhor / Mas isso demora muito, meu Senhor”.
Aqui temos o religioso ocidental clássico da segunda metade do século XX (que não é muito diferente da maioria que vive nessa primeira metade do século XXI): acredita em Deus, mas se coloca na necessidade de ‘ver de fato’, como que sempre posto em questão pelo ateísmo que se julga ‘científico’, para acreditar. Além disso, há essa crença ocidental disseminada entre as religiões abrâmicas que o contato com a Divindade vem apenas após a morte, sendo a vida apenas uma espera.
Essa ideia é reforçada com os louvores de ‘Aleluia’ cantado pelos ‘backing vocals’. Aqui, ‘My Sweet Lord’ é uma música gospel ocidental tal como qualquer outra.
No entanto, há uma virada: a estrofe muda sutilmente: “Eu realmente quero te conhecer /Realmente quero ir com você / Realmente queria te mostrar, Senhor / Que não vai demorar muito, meu Senhor”. Aqui há uma virada, indicando a possibilidade de contato direto com a Divindade para você mostrar algo para ela (e não o contrário, que seria ortodoxamente mais apropriado).
Aqui há a virada da religião para a espiritualidade. Religião é você ter o contato com o transcendental através de dogmas, fé e a necessidade institucional de mediadores (a Igreja e seus padres e pastores, no caso cristão). Espiritualidade é aquilo que as sabedorias védicas tais como os Vedantas, Vaishnavismos, Shivismos e o próprio Budismo colocam. Você e a Divindade são um. Tenha contato direto com ela: faça o bhakti, ou seja, ‘se entregue’.
Assim, o ‘Aleluia’ da música some e aparecem os mantras de entrega e conexão que são praticados no Bkahti Yoga na forma de canção (kiirtan). Primeiro, o mais famoso no ocidental (até pelo próprio trabalho de George Harrison), o Hare Krishna Hare Rama (sobre os dois avatares de Vishnu) e depois o canto de homenagem Guru Brahma Guru Vishnu Guru Devo Maheshwara (sobre a Trimurti – Brahma, Vishnu e Shiva – as três divindades que representam o ciclo cósmico, indicando-as como mestres da Verdade Cósmica Superior ou ‘A Fonte’.
No fim da música, não há mais o ocidental brigando com a sua religiosidade e dando louvores. Há um humano espiritualmente conectado com o Bhakti Yoga e se entendendo como cocriador junto à Fonte.
É isso que buscamos no caminho do Ioga conhecido como Bhakti. Não são posturas que são vistas como malabarismos. Nem meditações e respirações profundas. É apenas entrega. Entrega essa tal, como Sri Chaitanya Mahaprabhu ensinou no século XVI, pode ser tão simples quanto ficar cantarolando uma canção: Hare Krishna Hare Krishna Krishna Krishna Hare Hare.
George Harrison apenas deixou mais fácil, mais melódico e, assim, tocar nas paradas de sucesso das rádios (e até hoje no Spotify) e qualquer um cantar. Isso é ‘My Sweet Lord’, mas antes de tudo isso é Bhakti Yoga.
Rafael Venancio
rdovenancio@gmail.com
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Natural de Sorocaba (SP), é escritor, poeta, revisor de livros e Editor-Chefe do Jornal Cultural ROL. Acadêmico Benemérito e Efetivo da FEBACLA; membro fundador da Academia de Letras de São Pedro da Aldeia – ALSPA e do Núcleo Artístico e Literário de Luanda – Angola e membro da Academia dos Intelectuais e Escritores do Brasil – AIEB. Autor de 8 livros. Jurado de concursos literários. Recebeu, dentre várias honrarias: pelo Supremo Consistório Internacional dos Embaixadores da Paz, o título Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça; pela Augustíssima e Soberana Casa Real e Imperial dos Godos de Oriente o título de Conde; pela Soberana Ordem da Coroa de Gotland, o título de Cavaleiro Comendador; pela Real Ordem dos Cavaleiros Sarmathianos, o título de Benfeitor das Ciências, Letras e Artes; pela FEBACLA: Medalha Notório Saber Cultural, Comenda Láurea Acadêmica Qualidade de Ouro, Comenda Ativista da Cultura Nacional; Comenda Baluarte da Literatura Nacional e Chanceler da Cultura Nacional; pelo Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos os títulos de Doutor Honoris Causa em Literatura, Ciências Sociais e Comunicação Social. Prêmio Cidadão de Ouro 2024