Descanso eterno high-tech
Patins feitos à mão aos moldes do carrinho de rolimã; bola de meia; finca, entre outras maneiras de ser criança. Devia ser muito importante ser ‘polícia ou ladrão’, cair no poço e ser tirado por ela e oferecer a recompensa em forma de pera, uva, maçã ou salada mista… um passeio no campo nunca foi ali tão perto e tão desejado, nunca teve gosto de beijo roubado tão gostosamente, e nunca mais terá. Tablets era goma de mascar – e deveria continuar sendo. Computador era uma dor imensurável. Celular era coisa de cientista, e ninguém morreu pela falta dessas tecnologias. Éramos quentes, sofríamos com doenças curadas pela benzedeira e pela vacina de eucalipto e sobrevivemos. Amávamos nossos heróis tão mal disfarçados, e o tínhamos como exemplos de honra e de sabedoria. Eram heróis, não arruaceiros elevados à esse patamar. Meninos e meninas tinham deveres sociais, e a caixa de engraxate era um sonho de consumo de nove entre dez moleques. Casamento era sério. Carteira assinada era segurança e aposentadoria; tinha significado realizável. Estão destruindo nossa geração. Agora os caixões nos quais nos descem ao pó são high-tech com conexão wi-fi e tela touch screen no lugar da janelinha por onde víamos o passado a se despedir enterrado…
Paulo Siuves
paulosiuves@yahoo.com.br
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Natural de Contagem/MG, é escritor, poeta, músico e guarda municipal, atuando na Banda de Música da Guarda Civil Municipal de Belo Horizonte como Flautista. É graduado em Estudos Literários pela Faculdade de Letras (FALE) da UFMG. Publicou os livros ‘O Oráculo de Greg Hobsbawn’ (2011), pela editora CBJE, e ‘Soneto e Canções’ (2020), pela Ramos Editora. Além desses, publicou contos e poemas em mais de cinquenta antologias no Brasil e no exterior.