Ivete Rosa de Souza: Crônica ‘Desapegando’
Ao me olhar no espelho, vi tantas rugas, a pele murcha caindo na direção do chão. Realmente nesse momento descobri minha idade externa. O tempo foi rigoroso comigo, resolveu mostrar tudo de uma vez. As bochechas de buldogue, que no cãozinho são charme, para nós mulheres é um incômodo.
As rugas ou linhas de expressão, não suavizam o desespero. Dizem ser marcas da maturidade. Mas para mim, são marcas de trabalhos exaustivos, noites sem dormir, por estar sempre cuidando do outro.
Sendo familiar, filhos principalmente, nos transformam em uma máquina que lava, passa, cozinha, limpa, trabalha fora para ajudar nas despesas. Deixa de ir ao salão, faz em casa mesmo, para não deixar os filhos sozinhos.
Mãe é babá em tempo integral. Além, de ser economista nas horas vagas, depois do trabalho. É médica, enfermeira, conselheira, faz previsão do tempo, do destino das crianças, pessoas e coisas. Mas, não de si mesma.
Esquece, deixa de se priorizar. E quando me vi velha, enrugada, com tristeza no olhar eu percebi. Vivi a vida dos outros, acumulei trabalho e coisas. Hoje em dia a casa está grande demais, os dias de faxina, foram deixados de lado. Olho para tudo com vontade de me desfazer de tantas coisas acumuladas. Para que tudo isso? Camas demais, e ninguém para dormir. Pratos e panelas grandes demais, quando a família vem se puder, só no fim de ano ou datas especiais.
Roupas demais que já não me servem, não se ajustam ao corpo, agora mais roliço, com sobras nas laterais não caem bem. Até o corpo mudou, pareço estar ainda mais baixinha. Aumentou a bainha, apesar do número ainda continuar o mesmo. Uma roupa mais justa denuncia as imperfeições, causando angústia.
Guarda-roupas cheio sem ter o que vestir; saias, vestidos, agora todos soltos tentando esconder as tais marcas do tempo.
Não quero ser acumuladora, continuar guardando o não utilizável. Quero ter meu cantinho “clean”. Limpo arejado. Menos quartos, menos pratos, menos tudo. Só aquilo que me couber. Limpeza de alma, corpo e espaço. Tudo livre de grandes recordações, livre dos pensamentos ruins, dos fatos imutáveis. Quero ser a borboleta não a lagarta. Quero ter um cantinho do meu gosto. Um espaço para meus cães, livros e outras coisinhas, que não ocupem meu espaço físico, nem me deixem cheia de memórias já vividas.
Hoje mesmo feia e cheia de rugas, eu senti que quero a liberdade. A liberdade de ir e vir já foi conquistada. Quero me libertar de coisas físicas, nem ter preocupação e obrigação de limpar, arrumar, só a obrigação de estar sempre ocupada comigo mesma.
Quero deixar o legado de obrigações aos que viverão mais do que eu. Agora quero ser livre, de preocupações, de incômodos, de gente que nada fez ou faz por mim.
Tomei as rédeas de minha própria vida e consciência de que guardar objetos, coisas, até mesmo determinados acontecimentos, causam um desgaste físico e mental. O jeito é ser despreocupadamente minimalista. O que passou não volta, reconhecendo que até museus que vivem de relíquias dos passado distante, também são esquecidos, acumulando poeira, em seus dias e memórias.
Ivete Rosa de Souza
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Natural de Santo André (SP) e ex-policial militar, é uma devoradora de livros. Por ser leitora voraz, para ela, escrever é um ato natural, tendo desenvolvido o hábito da escrita desde menina, uma vez que a família a incentivava e os livros eram o seu presente preferido. Leu, praticamente, todos os autores clássicos brasileiros. Na escola, incentivada por professores, participou de vários concursos, sendo premiada – com todos os volumes de Enciclopédia Barsa – por poesias sobre a Independência do Brasil e a Apollo 11. E chegou, inclusive, a participar de peças escolares ajudando na construção de textos. Na fase adulta, seus primeiros trabalhos foram participações em antologias de contos, pela Editora Constelação. Posteriormente, começou a escrever na plataforma online Sweek a qual promovia concursos de mini contos com temas variados, sendo que em alguns deles ficou entre os dez melhores selecionados, o que a levou à publicação do primeiro livro, Coração Adormecido (poesias), pela Editora Alarde (SP). Em 2022, lançou Ainda dá Tempo, o segundo livro de poesias, pela mesma editora.